O buraco de Eta Carinae

Estrela menor fura a maior e permite ver abaixo de sua superfície
castelli_eta-carinae_final-inv
Eta Carinae, a estrela mais estudada da Via Láctea depois do Sol e uma das maiores e mais luminosas já vistas, continua surpreendendo. Primeiramente os astrônomos verificaram que ela era na verdade formada por duas estrelas muito grandes: a principal e maior, Eta Carinae A, com cerca de 90 massas solares, e a secundária, dois terços menor e 10 vezes menos brilhante, Eta Carinae B. Depois, viram que a cada cinco anos e meio a estrela maior deixa de brilhar por cerca de 90 dias consecutivos em certas faixas do espectro eletromagnético, em especial nos raios X. Agora, especialistas do Brasil, dos Estados Unidos e de outros países, depois de examinarem as informações obtidas no apagão de 2014, o mais recente, descreveram um novo fenômeno: a formação de um buraco causado pela estrela menor na superfície da estrela maior.

A colisão dos fortes ventos das duas estrelas, que já havia sido descrita, e a formação de um buraco em Eta Carinae A elucidam a liberação intensa e até agora não inteiramente explicada de luz produzida por uma das formas do elemento químico hélio observada durante os apagões. Essa forma é o hélio duplamente ionizado ou He++, assim chamado por ter perdido os dois elétrons e ficado apenas com o núcleo, que contém dois prótons e dois nêutrons. Em 2014, dados obtidos por telescópios terrestres localizados no Chile, no Brasil, nos Estados Unidos, na Austrália e na Nova Zelândia e pelo telescópio espacial Hubble detalharam a variação da intensidade da luz emitida em uma frequência específica pela transformação do He++ em He+, com apenas um elétron.

“Apenas a colisão entre os ventos estelares não era o suficiente para produzir a quantidade necessária de He++ para explicar a intensa liberação de luz nessa frequência”, diz o astrofísico Mairan Teodoro, pesquisador no Goddard Space Flight Center da Nasa, a agência espacial norte-americana. Logo após o apagão de 2009, ainda na Universidade de São Paulo, ele começou a planejar a coleta de informações do apagão de 2014 com seu então supervisor de pós-doutorado, Augusto Damineli. Teodoro fez uma chamada internacional, convidando astrônomos profissionais e amadores, criou um site com informações sobre o projeto e afinou os métodos de trabalho dos grupos que se dispuseram a participar.

Em 2012, já nos Estados Unidos, em busca de explicações para os fenômenos observados, Teodoro trabalhou com seu colega da Nasa Thomas Madura, físico teórico que formulou a hipótese de que a estrela menor, ao se aproximar da maior, a cada cinco anos e meio, como resultado de sua órbita elíptica, cavaria um buraco que poderia atingir as camadas mais internas da estrela maior, onde existe He++ em abundância. Faltavam, porém, evidências que alimentassem ou derrubassem essa possibilidade. As informações reunidas durante o apagão de 2014 confirmaram e ajustaram essa hipótese e indicaram que a emissão de luz pelo He++ é o resultado da colisão dos ventos estelares e da formação do buraco na estrela maior.

Perto do fim - “O vento estelar funciona como um cobertor, cobrindo a estrela primária”, diz Teodoro, primeiro autor do artigo publicado em março de 2016 na Astrophysical Journal descrevendo esses resultados. De acordo com esse trabalho, a estrela menor vence a resistência dos ventos estelares da maior, já que seus próprios ventos têm uma velocidade maior, mergulha em uma espécie de voo rasante e cava um buraco na maior, deixando ver um pouco do gás em alta temperatura, o plasma, que a compõe.

“A luz que sai do buraco é somente de cerca de 100 luminosidades solares, 50 mil vezes mais fraca que a luz da estrela. É como ver um fósforo aceso na frente do Sol”, diz Damineli. Além de tênue, o sinal é escasso, porque a fenda da estrela por onde a luz sai fica aberta pouco mais de um mês a cada cinco anos e meio. Damineli previu que Eta Carinae, que ele estuda desde 1989, sofreria um eclipse ou apagão – uma redução equivalente ao brilho de 60 sóis num único dia – em 2003. Suas previsões se confirmaram, atraindo um número crescente de astrônomos interessados em observar a estrela. O fenômeno agora está mais claro. “O apagão começa com o mergulho da estrela menor na maior e se completa com o fechamento do buraco, quando desaparecem os sinais de emissão eletromagnética”, diz ele. “Este é um fenômeno completamente novo na astrofísica.”

Os pesquisadores esperam detalhar as dimensões do buraco no próximo apagão, em 2020. Será também uma oportunidade para conhecer um pouco mais sobre a luminosidade e a variação de temperatura das duas estrelas; a menor ainda não foi observada diretamente. Gigantesca e muito brilhante, com uma luminosidade 5 milhões de vezes maior que a do Sol, Eta Carinae é “uma representante da primeira geração de estrelas, formadas 200 milhões de anos depois do Big Bang e que morreram logo em seguida, quando havia matéria-prima abundante”, afirma Damineli. “Eta Carinae e outras maiores, inicialmente sempre binárias, iluminaram o Universo, que era opaco, durante a chamada idade das trevas.”

Por ser a única desse porte e com essas singularidades em nossa galáxia, Eta Carinae, diz ele, “é como um dinossauro vivo no quintal”. A elevada densidade e a composição dos ventos indicam que ela está perdendo massa rapidamente. Os astrônomos preveem que a estrela, talvez em algumas décadas, deve explodir e gerar um buraco negro. “Pode ser que Eta Carinae já tenha morrido e ainda não soubemos”, observa Teodoro, “porque a luz que sai de lá demora 7.500 anos para chegar até a Terra”.
Fonte: Pesquisa Fapesp

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Messier 81

Banhado em azul

Messier 4

Lápis grosso

Messier 87

Atena para a Lua

Finalmente, vida extraterrestre detectável?

Capacete de Thor

James Webb confirma que há algo profundamente errado na nossa compreensão do universo

As explosões mais poderosas do universo podem revelar de onde vem o ouro