Energia escura não existe?

Vinte anos depois, inúmeras
mensurações independentes consentem que a energia escura compõe cerca de 70% do
conteúdo de todo o universo. Essa noção é tão presente na visão atual do cosmos
que todos foram pegos de surpresa quando um artigo científico recentemente,
publicado na revista Astronomy & Astrophysics, questionou se ela realmente
existe.
A análise dos quatro autores,
que inclui o físico de Oxford Subir Sarkar, foi compreensiva. Eles analisaram
centenas de supernovas – potentes explosões estelares que nos forneceram as
primeiras evidências da aceleração cósmica, descoberta que levou três
astrônomos a receberem o Prêmio Nobel de Física em 2011. Quando Sarkar e a equipe
analisaram as supernovas, eles não observaram um universo em expansão acelerada
uniforme em todas as direções por causa à energia escura. Na realidade, eles
afirmam que as supernovas têm esta mesma aparência porque a nossa região
cósmica está em aceleração em uma direção específica – mais ou menos na direção
da constelação Centauro no céu do hemisfério Sul.
Especialistas fora da equipe
quase imediatamente passaram a esmiuçar o artigo, procurando por falhas na sua
metodologia. Dois cosmólogos oficializaram seus argumentos em um artigo online
publicado em 6 de dezembro e submetido ao The Astrophysical Journal. David
Rubin e Jessica Heitlauf, sua aluna, ambos da Universidade do Havaí, Manoa,
EUA, detalham os principais problemas do artigo de Sarkar e como os dados
teriam sido tratados. “A expansão do universo está acelerando?”, escreve no
título do artigo. “Todos os sinais ainda apontam para sim.”
Outros pesquisadores
elogiaram o exame minucioso. Mas Sarkar e sua equipe não concorda com as novas
críticas. Poucos após sa publicação do artigo de Rubin e Heitlauf, eles
publicaram uma refutação da refutação.
A comunidade da cosmologia
permanece inamovível. Para Dragan Huterer, cosmólogo da Universidade de
Michigan (EUA) a resposta mais recente às vezes “erra o alvo” e tenta debater
princípios estatísticos que “não são negociáveis”. Dan Scolnic, cosmólogo de
supernovas da Universidade Duke, reafirmou que “a evidência de energia escura
apenas das supernovas é significativa e segura”.
Um
tiro em movimento
A expansão do espaço estende
a luz, avermelhando sua cor. As supernovas parecem mais “deslocadas para o
vermelho” (redshift, em inglês) quanto mais distantes estão, porque sua luz
precisa viajar mais longe através da expansão do espaço. Se o espaço se
expandisse a uma taxa constante, o desvio para o vermelho de uma supernova
seria diretamente proporcional à sua distância e, portanto, ao seu brilho.
Mas em um universo acelerado
e cheio de energia escura, o espaço se expandiu menos rapidamente no passado do
que agora. Isso significa que a luz de uma supernova terá se estendido menos
durante sua longa jornada para a Terra, dado o espaço lentamente expandido
durante grande parte do tempo. Uma supernova localizada a uma determinada
distância (indicada pelo brilho) parecerá significativamente menos deslocada
para vermelho do que em um universo sem energia escura. De fato, os
pesquisadores descobriram que o desvio para o vermelho e o brilho das
supernovas são dimensionados exatamente dessa maneira.
Em seu artigo recente, Sarkar
e colaboradores adotaram uma abordagem não convencional da análise.
Normalmente, qualquer estudo de dados de supernova deve explicar o movimento da
Terra: como a Terra orbita o sol, que orbita a galáxia, que orbita o grupo
local de galáxias, nós e nossos telescópios percorremos o espaço a cerca de 600
quilômetros por segundo. Nosso movimento líquido é em direção a uma região
densa perto de Centauro. Consequentemente, a luz proveniente dessa direção está
sujeita ao deslocamento Doppler, o que a torna mais azul do que a luz do lado
oposto do céu.
É padrão corrigir esse
movimento e transformar dados de supernova em um quadro de referência
estacionário. Mas Sarkar e companhia não. “Se você não subtrair esse
[movimento], ele coloca o mesmo deslocamento Doppler nos dados da supernova”,
explicou Rubin em uma entrevista a Quanta Magazine. “Nossa afirmação é que a
maior parte do efeito é devido ao movimento do sistema solar”.
Outro problema com o artigo,
de acordo com Rubin e Heitlauf, é que Sarkar e colegas fizeram uma “suposição
claramente incorreta”: eles falharam em explicar o fato de que a poeira cósmica
absorve mais a luz azul do que a vermelha.
Por causa disso, uma
supernova em uma região relativamente “limpa” e livre de poeira parece
especialmente azul, pois há menos poeira que absorveria sua luz azul. A falta
de poeira também significa que parecerá mais brilhante. Assim, as supernovas
distantes que vemos com nossos telescópios são desproporcionalmente azuis e
brilhantes. Se você não controlar o efeito dependente de cor da poeira,
deduzirá menos diferença entre o brilho das supernovas próximas (em média, mais
poeira e mais vermelhas) e supernovas distantes (em média, mais azuis e
brilhantes) – e, como resultado , você deduzirá menos aceleração cósmica.
A combinação dessas e de
outras decisões incomuns permitiu ao grupo de Sarkar modelar seus dados de
supernova com um termo “dipolo”, uma aceleração que aponta em uma única
direção, e apenas um termo pequeno, ou possivelmente zero, “monopolo”
descrevendo o tipo de uniforme aceleração que significa energia escura.
Esse modelo dipolo tem outros
dois problemas, disseram Rubin e Heitlauf. Primeiro, o modelo inclui um termo
que diz com que rapidez a aceleração dipolar cai para zero quando você se
afasta da Terra; Sarkar e companhia reduziram essa distância, o que significa
que o modelo não é testado por uma grande amostra de supernovas. E segundo, o
modelo não satisfaz uma verificação de consistência envolvendo a relação entre
os termos dipolo e monopolo nas equações.
Nem
todos são iguais
No dia em que o artigo de
Rubin e Heitlauf apareceu, Sarkar disse por e-mail: “Não achamos que sejam
necessárias revisões em nossa análise”. Ele e sua equipe logo publicaram sua
refutação dos quatro pontos da dupla, principalmente revisando justificativas anteriores.
Eles citaram a pesquisa de Natallia Karpenka, uma cosmóloga que deixou a
academia para uma carreira em finanças, para apoiar uma de suas escolhas, mas
interpretaram mal o trabalho dela, disse Rubin. Quatro outros cosmólogos
contatados por Quanta disseram que a resposta do grupo não muda suas opiniões
opinião.
Aqueles que acham difícil
acompanhar a análise de dados devem observar que os dados das supernovas
correspondem a outras evidências de aceleração cósmica. Ao longo dos anos, a
energia escura foi inferida a partir da luz antiga chamada fundo cósmico de
microondas, flutuações na densidade do universo chamada oscilações acústicas
bariônicas, as formas gravitacionalmente distorcidas das galáxias e o
agrupamento de matéria no universo.
Sarkar e colegas fundamentam
seu trabalho em um corpo respeitável de pesquisa sobre o “problema de ajuste
cosmológico”. Cálculos de parâmetros cosmológicos como a densidade da energia
escura (que é representada nas equações de gravidade de Albert Einstein pela letra
grega lambda) tendem a tratar o universo como suave, calculando a média das não
homogeneidades do universo, como suas galáxias e vazios. O problema de ajuste
pergunta se essa aproximação pode levar a inferências incorretas sobre os
valores de constantes como lambda ou se pode até sugerir a presença de uma
lambda que não existe.
Mas as pesquisas mais
recentes sobre a questão – incluindo uma grande simulação cosmológica publicada
recentemente – rejeitam essa possibilidade. As heterogeneidades “podem mudar o
lambda em 1 ou 2%”, disse Ruth Durrer, da Universidade de Genebra, coautora do
artigo, “mas não conseguiu se livrar dela. É simplesmente impossível.”
Fonte: Hypescience.com
[Quanta Magazine]
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