Uma "refusão" da superfície lunar acrescenta uma "ruga" ao mistério da verdadeira idade da Lua
Muito sobre a Lua
permanece envolto em mistério, incluindo a sua idade. Análises de amostras
trazidas da superfície lunar indicam que a nossa companheira celeste pode ter
cerca de 4,35 mil milhões de anos, o que significa que surgiu cerca de 200
milhões de anos após a formação do nosso Sistema Solar.
Impressão artística do aspeto da Lua durante o evento de aquecimento de maré. Teria havido intensa atividade vulcânica por todo o lado. A Terra primitiva teria aparecido muito maior no céu porque estava mais próxima. Crédito: Alexey Chizhik/Instituto Max Planck para a Investigação do Sistema Solar
Mas este imenso desfasamento não
agrada a alguns cientistas. Durante os primeiros tempos do Sistema Solar, os
detritos e os corpos planetários colidiram e coalesceram para formar planetas.
Por volta dos 200 milhões de anos, a maior parte destes detritos caóticos tinha
sido arrastada para corpos maiores. Assim, muitos cientistas que simulam a
evolução do Sistema Solar consideram improvável a ideia de uma colisão massiva
que tenha formado a Lua tão tarde.
Num "artigo de ideias"
publicado dia 18 de dezembro na revista Nature, o professor Francis Nimmo da
Universidade da Califórnia em Santa Cruz e os seus coautores propõem uma
possível explicação para esta discrepância: a Lua teria sofrido uma nova fusão
há 4,35 mil milhões de anos, devido à atração das marés da Terra, que provocou
uma convulsão geológica generalizada e um aquecimento intenso. Segundo os
autores, esta segunda fusão teria "reiniciado" a idade das rochas
lunares - ocultando a verdadeira idade da Lua com o que poderia ser comparado a
uma cirurgia plástico-vulcânica.
"Prevemos que não devem
haver rochas lunares com mais de 4,35 mil milhões de anos, porque devem ter
sofrido o mesmo processo de 'reset'", disse Nimmo, professor de Ciências
da Terra e Planetárias. "Como este aquecimento foi global, não se devem
encontrar rochas na Lua que sejam significativamente mais antigas do que
isso".
A Lua como microcosmo do
cosmos
A Lua fascina a humanidade há
milénios e, nos últimos séculos, as pessoas começaram a perguntar-se como - e
quando - a Lua se formou. Uma das razões para enviar astronautas à Lua foi para
responder a esta pergunta. A Lua também serve como um degrau luminoso para
compreender objetos mais distantes. Mas, se não conseguimos determinar a idade
da Lua, como podemos ter a certeza da idade exata de qualquer coisa para lá
dela?
Pensa-se que a Lua nasceu de uma
colisão entre a Terra primitiva e um protoplaneta da dimensão de Marte - o
último impacto gigante na história do nosso planeta. A data deste evento foi
estimada através da datação de amostras lunares que se presume terem sido
cristalizadas a partir do oceano de magma lunar que existiu após o impacto,
situando a idade da Lua em cerca de 4,35 mil milhões de anos.
No entanto, esta idade não
explica várias discrepâncias com modelos térmicos e outras evidências, como as
idades de alguns minerais de zircão na superfície lunar, que sugerem que a Lua
poderia ter até 4,51 mil milhões de anos.
Nimmo e os seus colegas colocam a
hipótese de que um evento de refusão, impulsionado pela evolução orbital da
Lua, poderia explicar a ocorrência frequente de rochas com cerca de 4,35 mil
milhões de anos - como as recolhidas pelas missões Apollo dos EUA e outras - e
não a primeira solidificação do oceano lunar de magma.
Para o seu artigo científico, os
autores utilizaram modelos para mostrar que a Lua pode ter sofrido aquecimento
de maré suficiente para causar esta segunda fusão há cerca de 4,35 mil milhões
de anos, o que poderia "reiniciar" a idade aparente de formação
destas amostras lunares.
Uma máscara enganadora de
magma
O aquecimento de maré é um
processo no qual as forças gravitacionais entre dois corpos celestes causam
fricção interna que leva a um aquecimento intenso. No caso da Lua, este efeito
foi provavelmente mais pronunciado no início da sua história, quando estava
mais próxima da Terra. De acordo com os modelos mais recentes, durante certos
períodos dos seus primeiros anos, a órbita da Lua teria sido instável, fazendo
com que sofresse forças de maré intensas da Terra que poderiam ter levado a
eventos de aquecimento significativos, alterando drasticamente a geologia da
Lua.
A equipa de investigação
estabelece paralelos entre este hipotético evento de aquecimento na Lua e a
atual atividade vulcânica observada na lua de Júpiter, Io, que é conhecida como
o corpo mais vulcanicamente ativo do Sistema Solar. A atividade vulcânica em Io
é impulsionada por forças de maré semelhantes às que podem ter marcado o início
da história da Lua, com atividade vulcânica generalizada e a superfície a ser
constantemente remodelada por erupções.
Os investigadores também afirmam
que a refusão da Lua explicaria o facto de existirem menos bacias lunares de
impacto dos primeiros bombardeamentos do que seria de esperar, uma vez que
teriam sido apagadas durante um evento de aquecimento. Os autores afirmam que
esta explicação sugeriria que a formação da Lua ocorreu há 4,43 -4,53 mil
milhões de anos atrás, no limite superior das estimativas anteriores de idade.
Nimmo disse que a próxima fase da
investigação vai envolver simulações mais complexas para refinar a compreensão
de como o aquecimento de maré pode ter feito "reset" ao relógio
geológico da Lua. Isto, juntamente com amostras lunares adicionais de futuras
missões, deverá lançar mais luz sobre a verdadeira idade da Lua.
É por isso que a recente entrega
de amostras lunares pela missão Chang'e 6 da China é motivo de grande
entusiasmo. Estas amostras, recolhidas no lado oculto da Lua, fornecerão dados
valiosos para compreender os processos que moldaram a sua história. Os investigadores
estão particularmente ansiosos por ver se estas novas amostras apoiam a ideia
de um evento de "reset" global causado pelo aquecimento de maré.
A equipa de Nimmo também imagina
modelos mais detalhados para explorar melhor os efeitos do aquecimento de maré
na geologia da Lua. Embora os modelos iniciais sejam prometedores, serão
necessárias simulações mais complexas e realistas para compreender plenamente o
alcance destes fenómenos de aquecimento.
Uma nova era de
investigação lunar
Este artigo científico não só
oferece uma nova perspetiva sobre o passado da Lua, como também abre a porta a
investigações mais subtis sobre a sua formação e evolução. A interação entre a
geoquímica e as simulações está a ajudar os cientistas a preencher as lacunas
da história lunar, com o aquecimento de maré a emergir como um mecanismo
crucial para compreender as características geológicas da Lua.
"À medida que mais dados se
tornam disponíveis - particularmente de missões lunares atuais e futuras - a
compreensão do passado da Lua continuará a evoluir", disse Nimmo.
"Esperamos que as nossas descobertas suscitem mais discussão e exploração,
conduzindo, em última análise, a uma imagem mais clara do lugar da Lua na
história mais alargada do nosso Sistema Solar".
Fonte: Astronomia OnLine
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