O início e o fim dos raios cósmicos

Novos estudos ampliam o conhecimento sobre possíveis origens dessas partículas subatômicas, que são aceleradas até atingir uma velocidade muito próxima à da luz, atravessam o espaço intergaláctico e, ao chegar à Terra, se desfazem ao colidir com outras partículas
A formação e o comportamento dos raios cósmicos – partículas que chegam à Terra à velocidade muito próxima à da luz e colidem com as moléculas de nitrogênio e oxigênio da atmosfera terrestre, resultando em trilhões de novas partículas – estão sendo detalhados em dois estudos recentes. Um dos trabalhos, de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e dos Estados Unidos, indicou que os raios cósmicos poderiam se formar em consequência do encontro e da aniquilação de campos magnéticos de polaridades opostas em atmosferas de estrelas e de objetos cósmicos compactos como buracos negros de massas estelares ou núcleos ativos de galáxias. Para os pesquisadores responsáveis pelo estudo, esse mecanismo oferece uma alternativa ao modelo mais aceito de formação de raios cósmicos e poderia explicar as origens extragalácticas – ainda incertas – daqueles de energia mais alta.

O outro estudo – da equipe do Observatório Pierre Auger, com a participação de físicos de universidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia – analisa as colisões dos raios cósmicos de alta energia com os núcleos dos átomos da atmosfera e apresenta a área de interação dos raios cósmicos de energia de 10 elevado a 18 a 10 elevado a 18,5 eV (elétron-Volt) com os núcleos dos átomos da atmosfera. Nesses níveis de energia, a área de interação dessas partículas – ou seção de choque – corresponde a 5,05 x 10 elevado a -29 metros quadrados (o número zero seguido da vírgula e por 28 zeros antes do número 505). “Nenhum outro experimento havia feito essa medida da seção de choque próton-ar ou da seção de choque próton-próton nessas energias altíssimas”, diz Carola Dobrigkeit Chinellato, pesquisadora do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora da equipe paulista no Observatório Pierre Auger.

Construído de 2000 a 2008 ao pé dos Andes, em uma planície semidesértica dos arredores de Malargüe, ao sul da cidade de Mendoza, na Argentina, o Observatório Pierre Auger é o resultado de uma colaboração internacional que reúne hoje cerca de 500 físicos de 18 países. É o maior observatório de raios cósmicos em funcionamento, com 1.660 detectores de superfície, formados por tanques cilíndricos instrumentados de 3,7 metros de diâmetro por 1,2 de altura, cada um a uma distância de 1,5 quilômetro do outro, formando uma malha triangular. Espalhados por 3,3 mil quilômetros quadrados – o dobro da área da cidade de São Paulo –, os detectores de superfície funcionam de modo integrado com os 27 telescópios de fluorescência, os chamados olhos de mosca, capazes de registrar a tênue luz emitida pelas moléculas de nitrogênio da alta atmosfera quando excitadas pelas partículas do chuveiro iniciado pelo raio cósmico que chegou à Terra.

Os leitores desta revista acompanharam a construção do Observatório Pierre Auger, desde os bastidores das negociações, apresentados em agosto de 2000 na matéria de capa de Pesquisa Fapesp. Os raios cósmicos foram descobertos há 100 anos pelo físico austríaco Victor Hess, ganhador do Prêmio Nobel de 1936. Agora, com esses dois estudos recentes, o comportamento dessas partículas torna-se menos nebuloso, embora sua composição permaneça duvidosa: há indicações de que os raios cósmicos na faixa de energia até 10 elevado a 18,5 eV devem ser prótons, enquanto os de energia mais alta talvez sejam núcleos de elementos químicos pesados, como ferro.
Fonte: Pesquisa Fapesp

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