Um cometa a caminho de Marte

Concepção artística do cometa Siding Spring a caminho de Marte. Vai errar por pouco.
Concepção artística do cometa Siding Spring a caminho de Marte. Vai errar por pouco.

Em dez dias, um cometa passará de raspão por Marte. Não deve colidir, mas vai zunir a apenas 132 mil quilômetros de distância da superfície do planeta vermelho. É cerca de um terço da distância entre a Terra e a Lua. Fosse esse encontro por essas bandas, eu estaria apavorado. Mas o bom é que não é, e de quebra temos uma flotilha de espaçonaves em Marte para registrar tudo. A Nasa apresenta hoje à tarde ao público seus planos científicos para a ocasião, que incluem um esforço inusitado. Os jipes Opportunity e Curiosity vão fazer hora extra e trabalhar à noite. Trata-se de uma grande e fortuita oportunidade para estudar um objeto singular.

Afinal de contas, o cometa Siding Spring, descoberto no ano passado, não é como seus colegas já visitados por outras espaçonaves. Enquanto cometas como o Halley e o 67P/Churyumov-Gerasimenko (que está sendo visitado pela sonda europeia Rosetta neste exato momento) têm órbitas relativamente modestas, implicando passagens frequentes pelas redondezas do Sol, o Siding Spring é um daqueles cometas que vêm de uma misteriosa região nos confins do Sistema Solar, a chamada nuvem de Oort. Ele viaja numa rota hiperbólica, o que significa dizer que fará agora sua primeira passagem pelo interior do Sistema Solar e, se sobreviver à aproximação máxima do Sol, provavelmente jamais retornará à nossa vizinhança.

Em suma, enquanto todos os cometas que conhecemos de perto já estavam “gastos” pela ação do Sol, o Siding Spring deve estar praticamente como veio ao mundo — um pedaço de gelo e rocha de 4,6 bilhões de anos, remanescente do processo que formou os planetas. É uma chance de ouro. “Nós nunca vimos um desses cometas de perto. Nunca. Não sabemos o que esperar”, diz Karl Battams, especialista em cometas da Nasa. O estudo desses objetos têm duas conexões interessantes. Eles oferecem lampejos sobre a origem dos sistemas planetários e, por terem grandes quantidades de moléculas orgânicas, também são vistos como possíveis semeadores de compostos precursores da vida em mundos como o nosso.

A SORTE FAVORECE OS EXPLORADORES
De vez em quando a natureza resolve dar uma mãozinha à humanidade em sua incansável busca pelos segredos do Universo. Sobretudo quando o assunto é cometas. Em 1994, vimos o estrago que uma colisão pode causar, quando o cometa Shoemaker-Levy 9 trombou com Júpiter. Por sorte, tínhamos a sonda Galileo chegando por lá no mesmo momento, o que favoreceu as observações. Desta vez, uma pancada é improvável. O que veremos será a interação da atmosfera do cometa (gerada pela evaporação de compostos voláteis, como água, conforme o astro avança em direção ao Sol) com a atmosfera do planeta vermelho. E, de novo, por sorte temos duas sondas especializadas no estudo do ar marciano que acabaram de lá chegar: a americana Maven e a indiana MOM.

Todas as precauções estão sendo tomadas para que as espaçonaves corram poucos riscos de danos durante o encontro. E há razão para preocupação: estima-se que, no espaço de poucos dias, elas sofram com impactos de pequenos detritos do cometa que equivalem a cerca de cinco anos de incidência média de meteoritos. A prioridade, naturalmente, é a segurança das missões. Mas todas as sondas em operação devem fazer observações. Isso inclui as americanas Mars Odyssey e Mars Reconnaissance Orbiter, além da europeia Mars Express e as duas recém-chegadas. E até mesmo os jipes robóticos Opportunity e Curiosity vão entrar na dança, tentando tirar fotos do cometa e colhendo dados de sua composição.

O duro é que astronomia na superfície de Marte é como na Terra: a não ser que o objeto de estudo seja o Sol, as observações devem ser feitas à noite. Para os robozinhos, isso consiste em uma desafio especial, pois os equipamentos precisam trabalhar a temperaturas muito baixas, inferiores a -70 graus Celsius. Normalmente, eles “dormem” durante a noite, para conservar a energia de suas baterias. Mas vale a pena abrir uma exceção para uma ocasião como essa.
Fonte: Salvador Nogueira - Mensageiro Sideral

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