Qual é o aspecto de um buraco negro?
Imagem simulada de um buraco negro com acreção. O horizonte de eventos encontra-se no meio da imagem e a sombra pode ser vista com um disco de acreção em seu redor.Crédito: Bronzwaer/Davelaar/Moscibrodzka/Falcke/Universidade Radboud
No centro da nossa Galáxia
encontra-se um buraco negro supermassivo rodopiante chamado Sagitário A* ou Sgr
A*, para abreviar. Durante milhares de milhões de anos, o gás e poeira em redor
têm caído na sua direção. E aproximadamente a cada 10.000 anos engole uma
estrela próxima.
Sgr A* é o maior buraco negro
do nosso céu noturno, mas não sabemos qual o seu aspeto porque nunca
conseguimos tirar uma fotografia do objeto. Isto é verdade para todos os
buracos negros. São omnipresentes no nosso Universo, mas são tão pequenos no
céu que não temos imagens detalhadas de nenhum.
As fotos que vemos na
internet ou em documentários televisivos são ilustrações ou simulações com base
em evidências indiretas - observações da região do espaço em redor do buraco
negro. Os cientistas não duvidam que os buracos negros existam, mas, sem uma
imagem, não podem ter a certeza.
Mas
tudo isto está prestes a mudar.
Nos últimos quatro anos, o
professor de astrofísica John Wardle tem trabalhado com uma equipa de
aproximadamente 200 cientistas e engenheiros para criar uma imagem de Sgr A*
que será a primeira de um buraco negro. A iniciativa, de nome EHT (Event
Horizon Telescope), terminou de recolher dados em abril de 2017. Os
investigadores estão atualmente a analisá-los. Dependendo dos resultados, a
imagem que produzirem de Sgr A* pode parecer-se com uma destas:
Simulações de computador das imagens que os investigadores do EHT esperam obter. As regiões brilhantes são gás quente em redor do buraco negro. A região escura e circular é uma sombra provocada pela forte gravidade do buraco negro. Crédito: EHT
Pode não parecer grande coisa, mas a criação
desta imagem grosseira de Sgr A* é o equivalente a ler uma manchete de um
jornal situado na Lua, a partir da Terra. De facto, é boa o suficiente para
responder a algumas das nossas maiores dúvidas sobre um dos fenómenos mais
misteriosos do Universo: qual o aspeto da luz e da matéria quando caem em
direção a um buraco negro? Qual é a composição das correntes de energia que são
expelidas dos buracos negros? Qual é o papel dos buracos negros na formação das
galáxias?
Embora improvável, os
resultados do EHT podem até exigir ajustes na teoria geral da relatividade de
Einstein. Mas antes de sabermos se um dos maiores cientistas de todos os tempos
não está completamente certo, temos que começar com o básico.
Os fatos
Normalmente, os buracos
negros surgem quando uma estrela muito massiva queima o seu combustível nuclear
e colapsa cataclismicamente num ponto incrivelmente denso, ou singularidade.
Quando o gás, as estrelas e outros materiais chegam perto o suficiente do
buraco negro, são atraídos para o seu horizonte de eventos, uma concha
imaginária em redor da singularidade. Nada que atravesse o limiar do horizonte
de eventos pode escapar à atração gravitacional do buraco negro. À medida que a
matéria cai, o buraco negro torna-se mais massivo e o horizonte de eventos
expande-se.
Os buracos negros estão por
toda a parte. Os supermassivos encontram-se no centro da maioria das galáxias.
Os buracos negros menos massivos são muito mais comuns. A nossa Galáxia, a Via
Láctea, tem provavelmente uns 100 milhões de buracos negros, embora só tenhamos
identificado algumas dúzias.
Quanto a Sgr A*, está a mais
ou menos 26.000 anos-luz da Terra e tem uma massa equivalente a quatro milhões
de vezes a massa do Sol. Isso torna-o "fraco" em comparação com
outros buracos negros supermassivos, comenta Wardle. O outro buraco negro
supermassivo que o EHT estuda, Messier 87 (M87), situado no centro do enxame
galáctico de Virgem, tem uma massa de quase sete mil milhões de vezes a massa
do Sol. O EHT escolheu Sgr A* e M87 porque são os maiores buracos negros
supermassivos quando vistos da Terra. São os candidatos mais fáceis e
acessíveis para estudo.
Mas como é que podemos tirar
uma foto de um buraco negro quando este é, como o nome indica, negro?
Na realidade, os buracos
negros são tão escuros quanto a escuridão do espaço. Qualquer luz que lá entre,
nunca escapa. Mas, em redor de um buraco negro, existe luz de um redemoinho
luminoso de matéria superaquecida que ainda não caiu no buraco negro. Quando a
luz passa perto do horizonte de eventos, é dobrada e distorcida pela forte
força da gravidade do buraco negro.
Este efeito delimita uma
região escura chamada sombra do buraco negro. Pensa-se que o tamanho da sombra
seja duas vezes e meia o tamanho do horizonte de eventos. O tamanho do
horizonte de eventos é proporcional à massa do buraco negro. Para Sgr A*, o seu
diâmetro ronda os 24 milhões de quilómetros. E o diâmetro de M87, o outro
buraco negro que o EHT está a estudar, é mil vezes superior.
Ou seja: através do estudo da
sombra do buraco negro, os investigadores do EHT podem descobrir muito sobre o
buraco negro. De modo que, tecnicamente falando, os cientistas do EHT não vão
produzir uma imagem de um buraco negro. Vão usar a informação sobre a sombra
para deduzir informação sobre o buraco negro.
Mas já que fotografar um
buraco negro não é uma opção (pelo menos no presente), os cientistas consideram
uma imagem da sombra uma evidência conclusiva da existência de um buraco negro.
E é aqui que entra John
Wardle. Quando Wardle começou a sua carreira em astrofísica, no final da década
de 1960, analisando as ondas de rádio emitidas pelas galáxias, "os buracos
negros eram apenas uma curiosidade que podia ou não existir," explica.
"Era um campo mais ou menos desonroso para um astrónomo."
Mas, alguns anos mais tarde,
o campo floresceu e, dado que os buracos negros libertam jatos energéticos que
emitem ondas de rádio, ele foi naturalmente atraído na sua direção. Como parte
do Grupo de Radioastronomia Brandeis, Wardle estuda as "galáxias
ativas", um tipo relativamente raro de galáxia superluminosa com buracos
negros supermassivos no seu centro.
A
rede
Sgr A* é tão pequeno no céu
que não temos um único telescópio na Terra que possa observá-lo com detalhe
suficiente a fim de criar uma fotografia de alta-resolução. Os cientistas do
EHT superaram este obstáculo ligando sete telescópios espalhados pelo globo
através de uma técnica chamada VLBI (very long baseline interferometry). O
resultado foi um "telescópio virtual" com o poder de resolução de um
telescópio do tamanho do diâmetro da Terra.
Durante uma semana em abril
de 2017, todos os sete telescópios do EHT captaram sinais de Sgr A*. Sete
relógios atómicos registaram o tempo de chegada dos sinais em cada telescópio.
A natureza dos sinais e o tempo de chegada em cada telescópio vai permitir com
que os cientistas trabalhem para trás e construam uma imagem de Sgr A*. Isto
vai demorar algum tempo. Os telescópios do EHT recolheram suficientes dados
para encher 10.000 portáteis.
Grandes
jatos
Wardle está especialmente
interessado em descobrir mais sobre os enormes jatos de energia que fluem dos
buracos negros. Os jatos formam-se quando a matéria fora de um buraco negro é
aquecida a milhares de milhões de graus. Gira no que é chamado de disco de
acreção. Parte passa pelo ponto de não retorno, o horizonte de eventos, e entra
no buraco negro.
Mas os buracos negros
produzem muita bagunça quando comem. Alguma da matéria é cuspida sob a forma de
jatos bem focados (colimados). Os jatos viajam por milhares de anos-luz perto
da velocidade da luz.
É possível que não existam
atualmente jatos oriundos de Sgr A*. Não tem estado muito ativo nas últimas
décadas. Mas caso existam, os telescópios do EHT terão captado os seus sinais
de rádio. E a equipa científica pode usar a informação para tentar e responder
ao que Wardle diz serem as grandes perguntas sobre os jatos:
De que são feitos? Eletrões e
positrões, eletrões e protões, ou campos eletromagnéticos?
Como é que começam?
Como é que aceleram até perto
da velocidade da luz?
Como é que permanecem tão
focados?
E agora, finalmente, chegamos
a Einstein
Até muito recentemente, as
evidências em suporte da teoria da relatividade geral vieram de observações do
nosso Sistema Solar. Mas as condições na nossa minúscula zona do Universo são
muito calmas. As condições extremas encontradas perto de um buraco negro vão
submeter a teoria da relatividade geral ao teste final.
A teoria da relatividade
geral deve descrever com precisão como a luz se curva à medida que a enorme
atração gravitacional do buraco negro curva o espaço-tempo e atrai tudo na sua
direção. Os dados recolhidos pelo EHT vão fornecer medições deste fenómeno que
podem então ser comparados com as previsões de Einstein.
As fórmulas da relatividade
geral também sugerem que a sombra projetada pelo disco de acreção em redor de
Sgr A* será quase circular. Se tiver a forma de um ovo, isso também nos dirá
que algo está errado na teoria da relatividade geral.
Wardle pensa que a teoria da
relatividade geral vai resistir aos testes. Ainda assim, há sempre a hipótese
de "ter que ser ajustada", realça. "Estaremos então em 'maus
lençóis', porque não podemos fazer alterações que estragam todas as outras
partes que estão a funcionar. Isso seria muito excitante."
Fonte: Astronomia OnLine
Comentários
Postar um comentário
Se você achou interessante essa postagem deixe seu comentario!