Um "guia de campo" para Júpiteres quentes

Os Júpiteres quentes - planetas gigantes e gasosos que orbitam extremamente perto das suas estrelas hospedeiras - tornaram-se um pouco menos misteriosos graças a um novo estudo que combina modelagem teórica com observações do Telescópio Espacial Hubble.

Esta impressão artística mostra um planeta do tipo de Júpiter quente em órbita próximo de uma das estrelas do rico e velho enxame estelar Messier 67, situado a 2500 a 3000 anos-luz da Terra, na direção da constelação de Caranguejo. Crédito: ESO/L. Calçada

Enquanto os estudos anteriores se concentraram principalmente em mundos individuais classificados como "Júpiteres quentes" devido à sua semelhança superficial com o gigante gasoso no nosso próprio Sistema Solar, o novo estudo é o primeiro a olhar para uma população mais ampla destes mundos estranhos. Publicado na revista Nature Astronomy, o estudo, liderado por uma investigadora da Universidade do Arizona, fornece aos astrónomos um "guia de campo" sem precedentes dos Júpiteres quentes e uma visão da formação planetária em geral. 

Embora os astrónomos pensem que apenas cerca de 1 em cada 10 estrelas abrigue um exoplaneta da classe Júpiter quente, estes planetas peculiares constituem uma porção considerável dos exoplanetas descobertos até agora, devido ao facto de serem maiores e mais brilhantes do que outros tipos de exoplanetas, como os planetas rochosos, mais semelhantes à Terra, ou planetas gasosos e mais frios.

Variando entre 1/3 e 10 massas de Júpiter, todos os Júpiteres quentes têm órbitas muito íntimas em torno das suas estrelas, geralmente muito mais perto do que Mercúrio - o planeta mais interior do nosso Sistema Solar - está do Sol. Um "ano" num típico Júpiter quente dura horas ou, no máximo, alguns dias. Para efeitos de comparação, Mercúrio leva quase três meses a completar uma viagem ao redor do Sol. 

Devido a estas órbitas íntimas, pensa-se que a maioria, senão todos, os Júpiteres quentes estão presos num abraço veloz com as suas estrelas hospedeiras, em que um lado está eternamente exposto à radiação da estrela e o outro envolto em escuridão perpétua. A superfície de um Júpiter quente típico pode chegar a ultrapassar os 2700º C, com espécimes "mais frios" atingindo 760º C - quente o suficiente para derreter alumínio. 

A investigação, liderada por Megan Mansfield, do Observatório Steward da Universidade do Arizona, usou observações feitas com o Telescópio Espacial Hubble que permitiram à equipa medir diretamente os espectros de emissão dos Júpiteres quentes, apesar do facto do Hubble não poder fotografar diretamente nenhum destes planetas. 

A turbulenta atmosfera de um planeta quente e gasoso conhecido como HD 80606b é vista nesta simulação baseada em dados do Telescópio Espacial Spitzer da NASA. O planeta passa a maior parte do tempo longe da sua estrela mas, a cada 111 dias, oscila extremamente perto da estrela, passando por um enorme aumento de temperatura. Crédito: NASA/JPL-Caltech

"Estes sistemas, estas estrelas e os seus Júpiteres quentes, estão demasiado distantes para resolver individualmente a estrela e o seu planeta," disse Mansfield. "Tudo o que podemos ver é um ponto - a fonte de luz combinada dos dois." 

Mansfield e a sua equipe usaram um método conhecido como eclipse secundário para extrair informações das observações que lhes permitiram perscrutar profundamente a atmosfera dos planetas e obter informações sobre a sua estrutura e composição química. A técnica envolve observações repetidas do mesmo sistema, capturando o planeta em várias posições da sua órbita, incluindo quando passa por trás da estrela.

"Nós basicamente medimos a luz combinada proveniente da estrela e do seu planeta e comparamos essa medição com o que vemos quando o planeta está escondido atrás da sua estrela," disse Mansfield. "Isto permite-nos subtrair a contribuição da estrela e isolar a luz emitida pelo planeta, embora não o possamos ver diretamente." 

Os dados do eclipse fornecem aos investigadores informações sobre a estrutura térmica das atmosferas dos Júpiteres quentes e permitiram-lhes construir perfis individuais de temperatura e pressão. A equipe então analisou a luz infravermelha próxima, que é uma gama de comprimentos de onda logo para lá da gama que os olhos humanos podem ver, oriunda de cada sistema, em busca das chamadas características de absorção.

Dado que cada molécula ou átomo tem o seu próprio perfil de absorção específico, como uma espécie de impressão digital, a observação em diferentes comprimentos de onda permite que os investigadores obtenham informações sobre a composição química dos Júpiteres quentes. Por exemplo, se a água estiver presente na atmosfera do planeta, irá absorver luz a 1,4 micrómetros, que cai na faixa de comprimentos de onda que o Hubble consegue observar muito bem. 

"De certa forma, usamos moléculas para examinar as atmosferas destes Júpiteres quentes," disse Mansfield. "Podemos usar o espectro que observamos para obter informações sobre a composição da atmosfera e também sobre a estrutura da atmosfera." 

A equipa ainda foi mais além, quantificando os dados observacionais e comparando-os com modelos dos processos físicos que se pensa estarem em andamento nas atmosferas dos Júpiteres quentes. Os dois conjuntos combinaram muito bem, confirmando que muitas previsões sobre a natureza dos planetas - com base em trabalho teórico - parecem estar corretas, de acordo com Mansfield, que disse que as descobertas são "emocionantes porque eram tudo menos garantidas." 

Os resultados sugerem que todos os Júpiteres quentes, não apenas os 19 incluídos no estudo, provavelmente contêm conjuntos semelhantes de moléculas, como água e monóxido de carbono, juntamente com quantidades mais pequenas de outras moléculas. As diferenças entre os planetas individuais devem principalmente corresponder às quantidades variáveis relativas destas moléculas. Os achados também revelaram que as características observadas de absorção da água variaram ligeiramente de um Júpiter quente para outro. 

"Como um todo, os nossos resultados mostram que há uma boa chance de termos um quadro geral da química destes planetas," disse Mansfield. "Ao mesmo tempo, cada planeta tem a sua própria composição química e isso também influencia o que vemos nas nossas observações." 

Segundo os autores, os resultados podem ser usados para orientar as expetativas do que os astrónomos podem ver ao olhar para um Júpiter quente que não tinha sido estudado antes. O lançamento do novo telescópio da NASA, o Telescópio Espacial James Webb, previsto para 18 de dezembro, está a animar os caçadores exoplanetários porque o Webb consegue observar numa gama muito mais ampla de luz infravermelha e permitirá uma visão muito mais detalhada dos exoplanetas, incluindo dos Júpiteres quentes. 

"Há muito que ainda não sabemos sobre como os planetas se formam em geral, e uma das maneiras de tentar entender como isto pode acontecer é observando as atmosferas destes Júpiteres quentes e descobrindo como chegaram a estar onde estão," disse Mansfield. "Com os dados do Hubble, podemos observar tendências estudando a absorção da água, mas quando falamos sobre a composição da atmosfera como um todo, existem muitas outras moléculas importantes que queremos estudar, como o monóxido de carbono e o dióxido de carbono, e o JWST vai dar-nos a hipótese de as observar também."

Fonte: Astronomia OnLine

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