Um estudo sem precedentes das massas de mais de 500 enxames de galáxias

Imagem do enxame de galáxias Abell 370. O centro do enxame encontra-se na parte superior direita da imagem. Na mesma zona podem-se ver as imagens de galáxias ampliadas por lentes gravitacionais, algumas delas mostrando morfologias altamente deformadas e alongadas, que são denominadas arcos. Crédito: GRANTECAN/SHARDS Frontier Fields


Uma equipe de investigadores do grupo de cosmologia do IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias) obteve uma das medições mais precisas das massas de enxames de galáxias e da sua relação com a quantidade de gás quente nesses enxames. Para tal, estudaram a dinâmica das galáxias em 570 enxames selecionados a partir do catálogo produzido pelo satélite Planck da ESA. Este estudo foi produzido durante quatro anos de trabalho, no qual mais de 10.000 espectros foram obtidos com o TNG (Telescopio Nazionale Galileo) e com o GTC (Gran Telescopio Canarias) no Observatório Roque de los Muchachos (Garafía, La Palma, Ilhas Canárias), bem como dados do arquivo público do SDSS (Sloan Digital Sky Survey). O resultado permite aos investigadores inferir a quantidade de matéria escura no Universo. 

Os enxames de galáxias são as maiores estruturas gravitacionalmente ligadas do Universo. A medição das suas distribuições no espaço e no tempo fornece uma das formas mais poderosas da cosmologia moderna para determinar a origem e o conteúdo energético do Universo, o seu ritmo de expansão durante a evolução cósmica e os detalhes do processo de formação de toda a estrutura em grande escala que podemos observar no Universo atual. 

Estes enormes aglomerados não são constituídos apenas por galáxias, que na realidade compreendem menos de 2% da sua massa total. Além disso, contêm gás extremamente quente, que constitui cerca de 15% da massa, e uma grande quantidade de matéria escura que constitui mais de 80% da massa total. A natureza "multicomponente" dos enxames galácticos significa que podem ser estudados utilizando uma grande variedade de técnicas de observação. Ao passo que o gás quente pode ser observado em raios-X e em micro-ondas, o componente galáctico é principalmente observável no ótico e no infravermelho. 

Mas para estudar a distribuição da matéria escura precisamos de utilizar vários métodos indiretos. Geralmente, a massa total (que inclui a componente escura) é muitas vezes traçada utilizando o efeito de lente gravitacional produzido pela maior concentração de massa nos enxames sobre imagens de objetos que ficam por trás, a partir do nosso ponto de vista. Estas medições dão geralmente uma elevada precisão. Contudo, este novo estudo utilizou as medições das velocidades das galáxias para deduzir a gravidade total dos enxames e atingiu pela primeira vez uma precisão comparável às das medições utilizando lentes gravitacionais. 

Utilizando mapas de micro-ondas do satélite Planck também foi possível estimar a massa do gás nos enxames e, indiretamente, derivar a massa total. Devemos esperar que as massas de todas as técnicas sejam iguais, dando um único valor para a massa de qualquer enxame. Mas isto não acontece, porque cada técnica sofre de dificuldades intrínsecas específicas. Mesmo assim, ao comparar os resultados, as diferenças podem ser medidas com bastante precisão, e assim as verdadeiras massas dos enxames de galáxias podem ser mais bem conhecidas. 

Marco histórico na precisão das medições 

Com este objetivo em mente, a equipa de investigadores usou os dois catálogos PSZ1 e PSZ2 de enxames de galáxias detetados pelo satélite Planck usando os seus sinais de micro-ondas, o que fornece uma estimativa das massas dos enxames utilizando os sinais de micro-ondas. Além disso, as massas dinâmicas dos enxames foram estimadas através da medição das velocidades radiais das galáxias utilizando a espectroscopia. Estas observações foram feitas com o TNG (Telescopio Nazionale Galileo) e com o GTC (Gran Telescopio Canarias) no Observatório Roque de los Muchachos. "Fizemos um grande esforço de observação durante vários anos, explorando mais de 400 enxames de galáxias dos catálogos PSZ1 e PSZ2," comenta Rafael Barrena, astrofísico do IAC e membro da equipa de observação. 

"Os resultados obtidos do catálogo PSZ1 do Planck mostram que as estimativas de massa utilizando os seus valores de produção de gás são cerca de 20% mais baixos do que aquelas baseadas na dinâmica das suas galáxias," explica Antonio Ferragamo, investigador do IAC que baseou a sua tese de doutoramento neste trabalho. "Estes resultados são confirmados para os enxames no catálogo PSZ2 do Planck e são compatíveis com medições de outros autores que aplicaram técnicas diferentes (raios-X, lentes gravitacionais, etc.)", acrescenta. 

Alejandro Aguado, investigador do IAC que também baseou a sua tese de doutoramento nos resultados deste trabalho, salienta que "a importância do estudo é, por um lado, a alta precisão obtida através da medição dinâmica da massa, com um erro inferior a 10% que é um marco histórico nas medições desta quantidade e, por outro lado, a coerência com os valores estimados pelo consórcio Planck. Neste momento, muito poucas medições dão um erro estatístico tão baixo e isto deve-se ao grande número de enxames utilizados na amostra." 

Novas questões em Cosmologia 

A partir de uma perspetiva cosmológica, a confirmação destes valores coloca-nos novas questões. "A partir dos dados do satélite Planck verificamos que existe uma aparente discordância entre a quantidade de matéria escura no Universo, prevista utilizando as medições da abundância de enxames de galáxias e entre aquela inferida a partir dos mapas do fundo cósmico de micro-ondas, a radiação fóssil remanescente da origem do Universo," explica José Alberto Rubiño, astrofísico do IAC e membro do grupo de investigação. "Os valores da matéria escura inferidos a partir das abundâncias de enxames de galáxias são 5% maiores do que os baseados em medições da radiação micro-ondas de fundo, e por sua vez estas últimas medições indicam que a quantidade de enxames de galáxias que detetámos deveria ter sido ligeiramente maior," diz. 

Os resultados encontrados no presente estudo, recentemente publicado na revista da especialidade Astronomy & Astrophysics, mostram que as abundâncias de enxames galácticos e os dados da radiação cósmica de fundo levam a modelos cosmológicos ligeiramente diferentes, uma discordância já antecipada pela colaboração Planck. "Se a diferença entre as massas inferidas utilizando o gás e as massas dinâmicas tivesse sido cerca de 35%, em vez dos 20% que medimos, esta ligeira tensão entre os modelos cosmológicos reconstruídos teria desaparecido," realça Rubiño. "A resolução desta discrepância poderia dar-nos uma ferramenta para determinar, no futuro, a massa dos neutrinos através dos seus efeitos na cosmologia, ou mesmo mostrar-nos que precisamos de modificar o modelo cosmológico padrão, ou até a Relatividade Geral," sublinha o investigador. 

"Explicar esta aparente discrepância é uma das principais questões da cosmologia atual, que ainda existe depois do nosso trabalho e que terá de ser investigada nos próximos anos," diz Barrena. "Missões espaciais como a EUCLID (ESA) ou a Litebird (JAXA/ESA), nas quais o IAC é participante ativo, vão desempenhar um papel essencial num futuro muito próximo," conclui.

Fonte: Astronomia OnLine

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