Buraco negro mais próximo da Terra já encontrado pode ter sido identificado
Em um estudo hospedado no servidor de pré-impressão arxiv e já aceito para publicação pelo Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, uma equipe internacional de pesquisadores se baseou em dados do Observatório Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA) para analisar uma estrela semelhante ao Sol que tem características orbitais estranhas.
Gaia BH1 é uma estrela semelhante ao Sol co-orbitando com um buraco negro estimado em 10 vezes a massa do Sol. Crédito: ESO/L. Calcada
Devido à natureza de sua órbita, a equipe concluiu que ela deve fazer parte de um sistema binário com um buraco negro, que vem a ser o mais próximo do nosso Sistema Solar. Isso reforça a ideia da existência de uma população considerável de buracos negros adormecidos na Via Láctea. Liderada por Kareem El-Badry, astrofísico da Sociedade de Bolsistas de Harvard, do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica (CfA) e do Instituto Max Planck de Astronomia (MPIA), a pesquisa foi acompanhada por pesquisadores de diversas instituições do mundo.
El-Badry explicou ao site
Universe Today que essas observações eram parte de uma campanha mais ampla para
identificar companheiros de buracos negros adormecidos em estrelas normais na
Via Láctea. “Tenho procurado buracos negros adormecidos nos últimos quatro anos
usando uma ampla gama de conjuntos de dados e métodos”, disse ele. “Minhas
tentativas anteriores revelaram uma variedade de binários que se disfarçam de
buracos negros, mas esta foi a primeira vez que a busca deu frutos”.
Missão Gaia já observou
quase 1 bilhão de objetos astronômicos
O satélite Gaia passou quase
uma década medindo as posições, distâncias e movimentos adequados de quase 1
bilhão de objetos astronômicos, como estrelas, planetas, cometas, asteroides e
galáxias. Ao rastrear o movimento dos objetos à medida que orbitam o centro da
Via Láctea (uma técnica conhecida como astrometria), a missão visa construir o
catálogo espacial 3D mais preciso já criado.
Para seus fins, El-Badry e sua
equipe examinaram todas as 168.065 estrelas na Gaia Data Release 3 (GDR3) que
pareciam ter órbitas de dois corpos. Sua análise encontrou um candidato
particularmente promissor: um tipo G (estrela amarela), designado Gaia DR3
4373465352415301632 – que a equipe preferiu chamar de Gaia BH1. Com base em sua
solução orbital observada, os cientistas determinaram que a estrela deve ter um
companheiro binário de buraco negro.
“Os dados de Gaia restringem
como a estrela se move no céu, traçando uma elipse enquanto orbita o buraco
negro. O tamanho da órbita e seu período nos dão uma restrição na massa de seu
companheiro invisível – cerca de 10 massas solares”, informou El-Badry.
“Para confirmar que a solução
Gaia está correta e descartar alternativas ‘não-buracos negros’, observamos a
estrela espectroscopicamente com vários outros telescópios”, disse o
pesquisador. “Isso apertou nossas restrições na massa do companheiro e provou
que é realmente negro”.
Para confirmar suas
observações, a equipe analisou medições de velocidade radial de Gaia BH1 a
partir de múltiplos instrumentos, como o Espectrômetro de Alto Nível de Echelle
(HIRES), do Observatório W. M. Keck, o Espectrógrafo Óptico de Alcance Estendido
(FEROS), do telescópio MPG/ESO, e o espectrógrafo X-Shooter, do Very Large
Telescope (VLT), por exemplo.
Semelhante ao método usado
para caçar exoplanetas (espectroscopia Doppler), o espectros fornecido por
esses instrumentos permitiram que a equipe observasse e medisse as forças
gravitacionais influenciando a órbita da estrela. Essas observações confirmaram
a solução orbital de Gaia BH1 e que um companheiro de cerca de dez massas
solares estava coorbitando com ela.
Para El-Badry, esses achados
podem constituir o primeiro buraco negro na Via Láctea que não foi observado
com base em suas emissões de raios-X ou outras liberações energéticas. “Os
modelos prevêem que a Via Láctea contém cerca de 100 milhões de buracos negros.
Mas só observamos cerca de 20 deles. Todos os anteriores que observamos estão
em ‘binários de raios-X’: o buraco negro está comendo uma estrela companheira,
e brilha intensamente em raios-X à medida que a energia potencial gravitacional
desse material é transformada em luz”.
Ele explica que estes
representam “apenas a ponta do iceberg”: uma população muito maior pode se
esconder em binários mais amplamente separados. “A descoberta de Gaia BH1 traz
luz a essa população”.
Caso confirmados, esses
achados podem significar que há uma população robusta de buracos negros
adormecidos na Via Láctea. Isso se refere a buracos negros que não são
evidentes a partir de discos brilhantes, rajadas de radiação ou jatos de
hipervelocidade emanando de seus polos (como é frequentemente o caso com
quasares).
No entanto, também é possível
que este buraco negro adormecido em particular seja somente atípico e não um
indicativo de uma população maior.
Para verificar suas
descobertas, El-Badry e seus colegas estão ansiosos pela Liberação de Dados
Gaia 4 (RDA 4), cuja data ainda está para ser determinada, que incluirá todos
os dados coletados durante a missão inicial de cinco anos. Essa versão incluirá
os catálogos mais atualizados de astrometria, fotométrica e velocidade radial
para todas as estrelas, binários, galáxias e exoplanetas observados.
A quinta e última versão (RDA
5), por sua vez, incluirá dados da missão inicial e estendida (os 10 anos
completos). “Com base na taxa de ocorrência de acompanhantes de buracos negros
implícita pelo Gaia BH1, estimamos que a próxima liberação de dados Gaia
permitirá a descoberta de dezenas de sistemas semelhantes”, disse El-Badry.
“Com apenas um objeto, é
difícil saber exatamente o que implica sobre a população (poderia ser apenas
uma bola estranha, um acaso). Estamos entusiasmados com os estudos demográficos
da população que poderemos fazer com amostras maiores”.
Fonte: Olhar Digital
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