Telescópios examinam uma explosão cósmica revolucionária
No dia 11 de dezembro de 2021, o Observatório Neil Gehrels Swift e o Telescópio Espacial Fermi detectaram uma explosão de luz altamente energética proveniente dos arredores de uma galáxia a cerca de mil milhões de anos-luz.
Nesta ilustração temos duas estrelas de neutrões no início do processo de fusão, expelindo um jato de partículas velozes e produzindo uma nuvem de detritos. Os cientistas pensam que este tipo de eventos são fábricas para uma parte significativa dos elementos pesados do Universo, incluindo o ouro. Crédito: A. Simonnet (Universidade Estatal de Sonoma) e Centro de Voo Espacial Goddard da NASA
O evento fez estremecer a compreensão dos cientistas sobre as explosões de raios-gama (ou GRBs, "gamma-ray bursts" em inglês), os eventos mais poderosos do Universo. Ao longo das últimas décadas, os astrónomos têm geralmente dividido os GRBs em duas categorias. As explosões longas emitem raios-gama durante dois segundos ou mais e têm origem na formação de objetos densos como buracos negros nos centros de estrelas massivas em colapso.
As
explosões curtas emitem raios-gama durante menos de dois segundos e são
provocadas pela fusão de objetos densos, como estrelas de neutrões. Os
cientistas observam por vezes explosões curtas a que se segue um surto de luz
visível e infravermelha chamada quilonova.
"Esta
explosão, denominada GRB 211211A, foi uma mudança de paradigma, uma vez que é a
primeira explosão de raios-gama de longa duração que tem origem numa fusão de
estrelas de neutrões", disse Jillian Rastinejad, estudante na Universidade
Northwestern em Evanston, no estado norte-americano de Illinois, que liderou
uma equipa que estudou a explosão.
"A
explosão altamente energética durou cerca de um minuto e as nossas observações
de acompanhamento levaram à identificação de uma quilonova. Esta descoberta tem
profundas implicações na origem dos elementos pesados do Universo".
Esta imagem pelo Gemini North, sobreposta a uma imagem tirada com o Telescópio Espacial Hubble, mostra o brilho no infravermelho próximo de uma quilonova produzida por um GRB de longa duração (GRB 211211A). Esta descoberta desafia a teoria dominante de que os GRBs longos provêm exclusivamente de supernovas, as explosões do fim de vida de estrelas massivas. Crédito: Observatório Gemini/NOIRLab/NSF/AURA/M. Zamani; NASA/ESA
Uma
explosão de raios-gama clássica começa com duas estrelas de neutrões em órbita,
os remanescentes esmagados de estrelas massivas que explodiram como supernovas.
À medida que as estrelas se orbitam cada vez mais intimamente, roubam material
rico em neutrões uma da outra. Também produzem ondas gravitacionais, ou
ondulações no espaço-tempo - embora nenhuma tenha sido detetada a partir deste
evento.
Eventualmente,
as estrelas de neutrões colidem e fundem-se, criando uma nuvem de detritos
quentes que emite luz em vários comprimentos de onda. Os cientistas teorizam
que jatos de partículas velozes, lançadas pela fusão, produzem o surto inicial
de raios-gama antes de colidirem com os destroços. O calor gerado pela
decomposição radioativa dos elementos nos detritos, ricos em neutrões, cria
provavelmente a luz visível e infravermelha da quilonova. Este decaimento
resulta na produção de elementos pesados como ouro e platina.
"Há
muitos anos, Neil Gehrels, o astrofísico que o Observatório Swift honra,
sugeriu que as fusões de estrelas de neutrões poderiam produzir algumas
explosões longas", disse Eleonora Troja, astrofísica da Universidade de
Roma que liderou outra equipa que estudou a explosão. "A quilonova que
observámos é a prova que liga fusões a estes eventos de longa duração, forçando-nos
a repensar como os buracos negros se formam".
O
Fermi e o Swift detetaram a explosão simultaneamente, e o Swift foi capaz de
identificar rapidamente a sua localização na direção da constelação de Boieiro,
permitindo com que outras instalações respondessem rapidamente com observações
de acompanhamento. As suas observações forneceram o olhar mais precoce, até
agora, das primeiras fases de uma quilonova.
Muitos
grupos de investigação aprofundaram as observações recolhidas pelo Swift, pelo
Fermi, pelo Telescópio Espacial Hubble e por outros. Alguns sugeriram que as
complexidades da explosão podem ser explicadas pela fusão de uma estrela de
neutrões com outro objeto massivo, como um buraco negro.
O
evento também foi relativamente próximo, tendo em conta os padrões dos GRBs, o
que pode ter permitido aos telescópios captar a luz mais fraca da quilonova.
Talvez alguns surtos mais longos e distantes pudessem também produzir
quilonovas, mas não conseguimos observá-las.
A
luz que se seguiu à explosão, chamada emissão remanescente, também exibiu
características invulgares. O Fermi detetou raios-gama altamente energéticos
que começaram 1,5 horas após a explosão e duraram mais de 2 horas. Estes
raios-gama atingiram energias até mil milhões de eletrões-volt (a energia da
luz visível mede entre cerca de 2 a 3 eletrões-volt, para comparação).
"Esta
é a primeira vez que vemos um tal excesso de raios-gama altamente energéticos
no rescaldo de um evento de fusão. Normalmente, essa emissão diminui com o
tempo", disse Alessio Mei, candidato a doutoramento no Instituto de
Ciências Gran Sasso em Áquila, Itália, que liderou um grupo que estudou os
dados.
"É
possível que estes raios-gama altamente energéticos venham de colisões entre a
luz visível da quilonova e os eletrões em jatos de partículas. Os jatos podem
estar a enfraquecer os da explosão inicial ou novos alimentados pelo resultante
buraco negro ou magnetar".
Os
cientistas pensam que as fusões entre estrelas de neutrões são uma das
principais fontes dos elementos pesados do Universo. Basearam as suas
estimativas na taxa de explosões curtas que se pensa ocorrerem em todo o
cosmos. Agora também terão de ter em conta as explosões longas nos seus
cálculos.
Uma
equipa liderada por Benjamin Gompertz, astrofísico da Universidade de
Birmingham, no Reino Unido, analisou toda a curva da luz altamente energética,
ou a evolução do brilho do evento ao longo do tempo. Os cientistas observaram
características que podem fornecer uma chave para identificar eventos
semelhantes - explosões longas a partir de fusões - no futuro, mesmo aqueles
mais fracos ou mais distantes.
Quantos
mais eventos os astrónomos puderem encontrar, mais poderão aperfeiçoar a sua
compreensão desta nova classe de fenómenos.
No
dia 7 de dezembro de 2022, os artigos científicos liderados por Rastinejad,
Troja e Mei foram publicados na revista Nature, e um artigo científico liderado
por Gompertz foi publicado na revista Nature Astronomy.
"Este
resultado sublinha a importância das nossas missões trabalharem em conjunto e
com outros a fim de acompanhar este tipo de fenómenos em vários comprimentos de
onda", disse Regina Caputo, cientista do projeto Swift no Centro de Voo
Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, Maryland.
"Esforços coordenados semelhantes deram a entender que algumas supernovas poderiam produzir explosões curtas, mas este evento acaba por completo a simples dicotomia que temos usado durante anos. Nunca se sabe quando podemos encontrar algo surpreendente".
Fonte: Astronomia OnLine
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