O bóson de Higgs já podia ter acabado com o Universo
Embora nosso Universo pareça
estável, tendo existido por incríveis 13,7 bilhões de anos, vários experimentos
sugerem que ele está em risco - caminhando à beira de um abismo muito perigoso.
E tudo isso se deve à instabilidade de uma única partícula fundamental: o bóson
de Higgs.
Formação do Universo sem (acima) e com (abaixo) buracos negros primordiais. Esa , CC BY-NC-SA
Em nova pesquisa realizada por
mim e meus colegas, que acaba de ser aceita para publicação no periódico
Physical Letters B, mostramos que alguns modelos do Universo primitivo, aqueles
que envolvem objetos chamados buracos negros primordiais leves, provavelmente
não estão corretos, pois já teriam acionado o bóson de Higgs para acabar com o
Cosmo.
O bóson de Higgs é responsável
pela massa e pelas interações de todas as partículas que conhecemos. Isso
ocorre porque as massas das partículas são uma consequência das partículas
elementares interagindo com um campo, denominado campo de Higgs. Como o bóson
de Higgs existe, sabemos que o campo existe.
Você pode pensar nesse campo como
uma banheira de água perfeitamente parada na qual estamos mergulhados. Ele tem
propriedades idênticas em todo o Universo. Isso significa que observamos as
mesmas massas e interações em todo o Cosmos. Essa uniformidade nos permitiu
observar e descrever a mesma física ao longo de vários milênios (os astrônomos
geralmente olham para trás no tempo).
Mas é provável que o campo de
Higgs não esteja no estado de energia mais baixo possível. Isso significa que,
teoricamente, ele poderia mudar seu estado, caindo para um estado de energia
mais baixo em um determinado local. No entanto, se isso acontecesse, as leis da
física seriam drasticamente alteradas.
Essa mudança representaria o que
os físicos chamam de transição de fase. É o que acontece quando a água se
transforma em vapor, formando bolhas no processo. Uma transição de fase no
campo de Higgs criaria, de forma semelhante, bolhas de baixa energia no espaço
com uma física completamente diferente.
Em tal bolha, a massa dos
elétrons mudaria repentinamente, assim como suas interações com outras
partículas. Os prótons e nêutrons - que compõem o núcleo atômico e são feitos
de quarks - se deslocariam repentinamente. Essencialmente, qualquer pessoa que experimentasse
essa mudança provavelmente não seria mais capaz de relatá-la.
Risco constante
Medições recentes de massas de
partículas do Grande Colisor de Hádrons (LHC) no Cern sugerem que esse evento
pode ser possível. Mas não entre em pânico: isso só poderá ocorrer em alguns
milhares de bilhões de anos depois que nos aposentarmos. Por esse motivo, nos
corredores dos departamentos de física de partículas, costuma-se dizer que o
Universo não é instável, mas sim “metaestável”, porque o fim do mundo não
acontecerá tão cedo.
Para formar uma bolha, o campo de
Higgs precisa de um bom motivo. Devido à mecânica quântica, a teoria que rege o
microcosmo de átomos e partículas, a energia do Higgs está sempre flutuando. E
é estatisticamente possível (embora improvável, e é por isso que leva tanto
tempo) que o Higgs forme uma bolha de tempos em tempos.
Entretanto, a história é
diferente na presença de fontes externas de energia, como campos gravitacionais
fortes ou plasma quente (uma forma de matéria composta de partículas
carregadas): o campo pode tomar emprestada essa energia para formar bolhas mais
facilmente.
Portanto, embora não haja razão
para esperar que o campo de Higgs forme inúmeras bolhas atualmente, uma grande
questão no contexto da Cosmologia é se os ambientes extremos logo após o Big
Bang poderiam ter desencadeado essa formação de bolhas.
Entretanto, quando o Universo
estava muito quente, embora houvesse energia disponível para ajudar a formar as
bolhas de Higgs, os efeitos térmicos também estabilizaram o Higgs modificando
suas propriedades quânticas. Portanto, esse calor não poderia desencadear o fim
do Universo, o que provavelmente é o motivo de ainda estarmos aqui.
Buracos negros primordiais
Em nossa nova pesquisa, mostramos
que há uma fonte de calor, no entanto, que causaria constantemente esse
borbulhamento (sem os efeitos térmicos estabilizadores observados nos primeiros
dias após o Big Bang). Trata-se dos buracos negros primordiais, um tipo de
buraco negro que surgiu no Universo primitivo a partir do colapso de regiões
excessivamente densas do espaço-tempo. Ao contrário dos buracos negros normais,
que se formam quando as estrelas entram em colapso, os primordiais podem ser
minúsculos - tão leves quanto um grama.
A existência de tais buracos
negros leves é uma previsão de muitos modelos teóricos que descrevem a evolução
do Cosmos logo após o Big Bang. Isso inclui alguns modelos de inflação, que
sugerem que o Universo aumentou enormemente de tamanho logo após o Big Bang.
Entretanto, a comprovação dessa
existência tem uma grande ressalva: Stephen Hawking demonstrou na década de
1970 que, devido à mecânica quântica, os buracos negros evaporam lentamente,
emitindo radiação através de seu horizonte de eventos (o limite do qual nem
mesmo a luz pode escapar de sua atração gravitacional), no que ficou conhecida
como radiação Hawking.
Hawking demonstrou que os buracos
negros se comportam como fontes de calor no Universo, com uma temperatura
inversamente proporcional à sua massa. Isso significa que os buracos negros
leves são muito mais quentes e evaporam mais rapidamente do que os maciços. Em
particular, se buracos negros primordiais mais leves do que alguns milhares de
bilhões de gramas se formaram no Universo primitivo (10 bilhões de vezes menor
do que a massa da Lua), como muitos modelos sugerem, eles já teriam evaporado.
Na presença do campo de Higgs,
esses objetos se comportariam como impurezas em uma bebida gaseificada -
ajudando o líquido a formar bolhas de gás, contribuindo para sua energia por
meio do efeito da gravidade (devido à massa do buraco negro) e da temperatura
ambiente (devido à sua radiação Hawking).
Quando os buracos negros
primordiais evaporam, eles aquecem o Universo localmente. Eles evoluiriam no
meio de pontos quentes que poderiam ser muito mais quentes do que o Universo ao
redor, mas ainda mais frios do que sua temperatura típica de Hawking. O que
mostramos, usando uma combinação de cálculos analíticos e simulações numéricas,
é que, devido à existência desses pontos quentes, eles fariam com que o campo
de Higgs borbulhasse constantemente.
Mas ainda estamos aqui. Isso
significa que é altamente improvável que tais objetos tenham existido. De fato,
devemos descartar todos os cenários cosmológicos que preveem sua existência.
Isso, é claro, a menos que
descubramos alguma evidência de sua existência passada em radiação antiga ou
ondas gravitacionais. Se descobrirmos, isso pode ser ainda mais empolgante.
Isso indicaria que há algo que não sabemos sobre o Higgs; algo que o protege de
borbulhar na presença de buracos negros primordiais em evaporação. Isso pode,
de fato, indicarem a existência de partículas ou forças totalmente novas.
De qualquer forma, está claro que
ainda temos muito a descobrir sobre o Universo nas escalas menores e maiores.
Fonte: Super Interessante
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