Condições do núcleo de uma estrela são criadas em laboratório
Uma estrela por um fio
O interior dos planetas e das
estrelas não é lugar onde se queira passar as férias, com a pressão atingindo
milhões de bares (1 bar = 1015 pascais) e a temperatura vários milhões de graus
Celsius.
Os físicos também fizeram o cobre ficar transparente e criaram um estado exótico da matéria que só existe em condições astrofísicas. [Imagem: IFJ PAN/NASA]
É até possível recriar em
laboratório essas condições e os estados de matéria que elas geram, mas tudo
dura apenas um piscar de olhos, abarca um volume minúsculo e exige os lasers
mais poderosos do mundo, como o NIF (National Ignition Facility), usado em
experimentos de fusão nuclear.
Ou, pelo menos, era assim até
agora. Alejandro Garcia e colegas do Centro Helmholtz Dresden-Rossendorf
(HZDR), na Alemanha, acabam de conseguir recriar e observar essas condições
extremas usando um laser muito menor, colocando esses estudos ao alcance de
vários laboratórios ao redor do mundo.
E, no coração da nova tecnologia,
está um fio de cobre mais fino do que um fio de cabelo humano.
"Nossas simulações de
computador sugerem que atingimos uma pressão de 800 megabares," disse o
professor Thomas Cowan. "Isso corresponde a 800 milhões de vezes a pressão
atmosférica e 200 vezes a pressão que prevalece dentro da Terra." A
temperatura atingida também foi enorme para os padrões terrestres: 100.000 ºC.
Isso é próximo das condições
reinantes na coroa de uma estrela anã branca. "Nosso método também pode
ser usado para atingir condições como as do interior de enormes planetas
gasosos," disse Garcia, citando não apenas gigantes bem conhecidos como
Júpiter, mas também um grande número de exoplanetas distantes que foram
descobertos nos últimos anos.
E, além da pesquisa astrofísica,
o feito dará um novo impulso à própria pesquisa da fusão nuclear.
Visualização artística do fio implodindo: Uma forte corrente de elétrons de alta energia (rosa) aquece a superfície, gerando ondas de choque subsequentes que comprimem o fio radialmente. [Imagem: HZDR / T. Toncian]
Compressão a laser
Até agora, experimentos desse
tipo têm envolvido disparar flashes de laser de altíssima energia em uma
amostra de material, geralmente uma folha muito fina. Isso faz com que o
material aqueça repentinamente, criando uma onda de choque que percorre a amostra.
Essa onda, por sua vez, comprime
o material e o aquece, gerando condições análogas àquelas no interior de um
planeta ou na casca de uma estrela. Dura apenas alguns nanossegundos, mas a
pequena janela de tempo é suficiente para estudar o fenômeno usando técnicas
especiais de medição, como os flashes de raios X ultrafortes de grandes
aceleradores.
Agora, a equipe usou um laser
pulsado cujos pulsos não têm uma energia particularmente forte - apenas cerca
de um joule. No entanto, durando apenas 30 femtossegundos, esses pulsos são tão
curtos que atingem uma saída de 100 terawatts. Além disso, a folha metálica foi
substituída por um fio de cobre com apenas 25 micrômetros de espessura.
"Então, fomos capazes de
usar os fortes flashes de raios X do XFEL europeu para observar o que estava
acontecendo dentro do fio," explicou Garcia. "Essa combinação de
laser de pulso curto e laser de raios X é única no mundo. Foi somente graças à
alta qualidade e sensibilidade do feixe de raios X que fomos capazes de
observar um efeito inesperado."
O resultado é um filme em raios X
detalhado. "Primeiro, o pulso do laser interage com o fio e gera uma onda
de choque local que passa pelo fio como uma detonação e, finalmente, o
destrói," conta o professor Toma Toncian. "Mas, antes disso, alguns
dos elétrons de alta energia criados quando o laser o atinge, correm ao longo
da superfície do fio."
Esses elétrons rápidos aquecem a
superfície do fio rapidamente e geram mais ondas de choque, que então correm de
todos os lados rumo ao centro do fio. Por um breve momento, todas as ondas de
choque colidem ali e geram pressões e temperaturas extremamente altas - as
medições mostraram que a densidade do cobre no meio do fio chega a ficar de
oito a nove vezes maior do que no cobre normal e frio.
Configuração experimental usada para geração das imagens do fio comprimido. [Imagem: Alejandro Laso Garcia et al. - 10.1038/s41467-024-52232-6]
Fusão a laser
Com o sucesso do experimento, a
equipe agora pretende usar fios feitos de outros materiais, como ferro e
plástico. "O plástico é feito principalmente de hidrogênio e carbono. E
ambos os elementos são encontrados em estrelas e suas coroas," disse
Toncian.
Além das pesquisas de
astrofísica, o novo método de medição será útil também para outro campo de
pesquisa. "Nosso experimento mostra de forma impressionante como podemos
gerar densidades e temperaturas muito altas em uma ampla variedade de materiais,"
destaca o pesquisador Ulf Zastrau. "Isso levará a pesquisa de fusão
[nuclear] um importante passo adiante."
Várias equipes de pesquisa ao
redor do mundo estão trabalhando para tentar criar usinas de energia de fusão
baseada em lasers. Esse conceito, conhecido como fusão por confinamento
inercial, envolve fortes flashes de laser sendo dirigidos de todos os lados
rumo a uma cápsula de combustível feita de hidrogênio congelado. A ideia é
comprimir a cápsula, fazendo-a queimar e liberar mais energia do que foi
injetada. A possibilidade de fazer isto usando lasers menores é entusiasmante.
Inovação Tecnológica
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