Nova abordagem busca resolver impasse sobre a velocidade da expansão do Universo
Alex Hall é cosmologista e pesquisador na Escola de Física e Astronomia na Universidade de Edimburgo. O texto abaixo saiu originalmente no The Conversation, que publica artigos escritos por cientistas. Vale a visita.
Os três ‘degraus’ básicos que os
astrônomos usam para calcular a velocidade com que o Universo está se
expandindo, um valor chamado de constante de Hubble. Elas envolvem a construção
de uma ‘escada de distância’ cósmica. Nasa/EsaSA/A. Feild (STScI)
Já se passaram quase 100 anos
desde que os cientistas descobriram que o Universo está se expandindo. Nas
décadas que se seguiram, a precisão das medições, as interpretações e as
implicações dessa descoberta foram uma fonte de debates acirrados. Sabemos agora
que o Universo emergiu dramaticamente de um estado altamente comprimido em um
evento conhecido como o Big Bang.
As medições da taxa de expansão
atual - conhecida como constante de Hubble, ou H₀
(pronuncia-se “H-naught” em inglês) - melhoraram consideravelmente
desde aqueles primeiros dias. No entanto, um novo debate agora domina a
comunidade astronômica:
duas medições
independentes da constante de Hubble, que deveriam estar de acordo, apresentam
resultados diferentes. Essa situação ficou
conhecida como “tensão da H₀” ou a “tensão Hubble”.
Várias conferências, revisões de
artigos e artigos em periódicos científicos foram dedicados a essa questão.
Alguns se referem a ela como uma “crise” para a Cosmologia", exigindo uma
mudança de paradigma em nossa compreensão do Universo. A expansão do Universo é
um aspecto fundamental de sua história desde o Big Bang e, portanto, é a base
de muitos outros elementos dessa nossa compreensão.
Outros veem a tensão do H₀
simplesmente como um sinal de que as equipes de medição não compreendem totalmente seus
dados e que, com dados melhores, a “crise” será resolvida. Mas a resolução deste impasse continua ilusória.
Os dois métodos de medição no
centro desse debate são o “distance ladder” (“escada de distância”, em tradução
livre, que usa como referência objetos de brilho intrínseco conhecidos pelos
astrônomos, como estrelas chamadas “variáveis cefeidas”) e a “cosmic microwave
background” (“radiação cósmica de fundo”). A “escada” é a mais antiga dos dois,
e tem sido usada de várias formas desde a detecção inicial da expansão do
Universo.
A primeira evidência da expansão
do Universo veio de medições pioneiras da distância de objetos tênues
semelhantes a nuvens que agora sabemos serem galáxias fora da Via Láctea. O
astrônomo americano V.M. Slipher mediu as assinaturas químicas na luz desses
objetos. Usando a técnica de espectroscopia para comparar essas assinaturas com
as de moléculas conhecidas, ele descobriu que seus comprimentos de onda estavam
esticados em comparação com os resultados padrão de laboratório.
Esse alongamento dos comprimentos
de onda da luz de outras galáxias, conhecido como “redshift” (“desvio para o
vermelho”), é causado pelo efeito Doppler. Esse fenômeno também é responsável
pela mudança no tom de uma sirene quando um veículo de emergência se aproxima
de nós e depois quando ele passa e se afasta. Em um artigo seminal de 1917,
Slipher anunciou que quase todas as galáxias que ele havia observado estavam se
afastando da Via Láctea.
Os dados de Slipher seriam usados
por Edwin Hubble em seu famoso estudo de 1929 mostrando que quanto mais
distante uma galáxia está, mais rápido ela se afasta de nós e, portanto, maior
é seu desvio para o vermelho. A razão entre redshift e distância é a constante
de Hubble.
A expansão do Universo, no
entanto, já havia sido prevista pelos teóricos. No início da década de 1920,
Alexander Friedmann e Georges Lemaître perceberam independentemente que a
Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, então recém-publicada, poderia
prever um Universo em expansão, e que as implicações disso seriam redshifts de
galáxias que aumentam com a distância.
“Escada de distância”
As galáxias distantes estão sendo
arrastadas para longe de nós devido à expansão do Universo. As medições da
constante de Hubble dependem da determinação da conexão entre a distância
desses objetos e a velocidade com que eles estão se afastando.
Por esse motivo, as unidades de H₀ são convencionalmente “quilômetros por segundo por megaparsec”, referindo-se à velocidade de um objeto a um
megaparsec de distância (uma
unidade de distância
usada pelos astrônomos,
equivalente a cerca de 3,26 milhões de
anos-luz).
Assim como Slipher fez há um
século, as velocidades de recessão podem ser prontamente medidas usando
espectroscopia. No entanto, medições precisas da distância das galáxias são
notoriamente difíceis, e é aí que entra a escada de distância.
O degrau mais baixo da “escada”
representa objetos no céu que estão próximos o suficiente de nós para que
possamos usar métodos diretos para medir sua distância, como o método de
paralaxe, em que o movimento da Terra ao redor do Sol gera mudanças periódicas
na posição angular dos objetos. Os degraus subsequentes representam medições de
conjuntos de objetos progressivamente mais distantes.
Estes objetos são escolhidos pela
facilidade de medir suas distâncias relativas, mas, como uma régua sem números,
sua distância absoluta precisa ser calibrada. Função exercida justamente pelos
objetos nos degraus mais baixos da “escada”.
Neste ponto, as cefeidas -
estrelas brilhantes e maciças que pulsam - são particularmente úteis como
degraus devido à estreita correlação entre seu período de pulsação e brilho,
descoberta feita por Henrietta Swan Leavitt em 1908. O degrau mais alto da “escada”
geralmente é formado por supernovas do Tipo 1a (explosões que ocorrem quando
certas estrelas chegam ao fim de suas vidas), que também foram usadas para
fornecer evidências definitivas de que a velocidade de expansão do Universo
está aumentando.
Microondas cósmicas
O outro método de medição no
centro do debate sobre a constante de Hubble é a radiação cósmica de fundo
(CMB). Essa é a “luz” na forma de micro-ondas emitida quando o Universo tinha
apenas algumas centenas de milhares de anos, muito antes da formação de estrelas
ou planetas. Em vez disso, um plasma quente preenchia todo o espaço, quase
perfeitamente uniforme, exceto pelas ondas sonoras que se acredita terem sua
origem no Big Bang.
A física do Universo nessa época
é surpreendentemente simples, de modo que podemos fazer previsões robustas
sobre as propriedades dessas ondas. Quando combinados com medições de precisão,
nossos modelos matemáticos nos informam qual era a taxa de expansão do Universo
nesse período inicial. E com um modelo para o histórico de expansão
subsequente, podemos fazer uma previsão extremamente precisa do H₀.
Agora, vamos dar uma olhada no
que cada método encontra para H₀. A medição mais precisa da “escada de distância” vem da equipe científica SH0ES, liderada pelo
ganhador do Prêmio Nobel
Adam Riess. Sua última
medição fornece
H₀ = 73,2
km por segundo por megaparsec. Já a medição mais precisa da radiação cósmica de fundo, feita pela equipe
do satélite
Planck, da Agência
Espacial Europeia, é H₀ = 67,4
km por segundo por megaparsec.
Embora essas duas medições
estejam dentro de uma faixa de 10% uma da outra, a diferença é enorme em
comparação com a precisão em nível de porcentagem de cada medição. Ela também
está acima do limite estatístico conhecido como “5 sigma”, convencionalmente
considerado pelos cientistas como indicativo de um evento que não se deve
puramente ao acaso.
Então, o que poderia estar
causando essa grande discrepância entre as duas medições? Um dos culpados
poderia ser o fato de o modelo usado para prever o H₀ a partir
da CMB estar errado. Talvez um modelo alternativo para o Universo conciliasse a
previsão da CMB
com a medição da “escada de distância”. Nos últimos anos, houve uma intensa
atividade entre os teóricos
nesse sentido.
O principal obstáculo é que a
evolução do Universo é fortemente limitada por uma série de medições robustas
acumuladas ao longo de décadas. Além disso, a medição de H₀ da CMB é corroborada por medições independentes de precisão comparável usando levantamentos de galáxias. A última medição desse tipo da colaboração Dark Energy Spectroscopic
Instrument (Desi) fornece H₀ = 68,5
km por segundo por megaparsec, com precisão
aproximada de 1% - de acordo com o valor da CMB.
Criatividade
Os teóricos, portanto, tiveram
que ser criativos. Uma sugestão é que o Universo muito antigo passou por uma
fase repentina de expansão acelerada antes de a CMB ser emitida. Isso fez com
que os primeiros átomos se formassem mais cedo do que as expectativas padrão. A
ideia é que a medição “padrão” de H₀ da CMB
negligenciou esse efeito e inferiu que a constante de Hubble era menor do que
realmente é.
O desafio para soluções desse
tipo é que elas também devem prever os outros padrões detalhados observados na
CMB, que foram medidos com precisão primorosa pelo satélite Planck e outros
telescópios.
Outras soluções propostas incluem
a existência de campos magnéticos que afetaram a formação dos primeiros átomos,
ou até mesmo que a Terra reside em uma parte atípica do Universo que se
expandiu de uma forma excepcionalmente grande. Infelizmente, nenhuma das
soluções propostas é convincente e capaz de se ajustar a todos os dados e
observações disponíveis.
Uma linha de raciocínio
alternativa, embora mais prosaica, é que nosso quadro físico do Universo está
correto, mas que uma ou mais medições negligenciaram algum efeito
observacional. Isso alimentou um intenso questionamento das medições do SH0ES e
do Planck, tanto pela comunidade astronômica quanto pelas próprias equipes
responsáveis. Até o momento, porém, não foram descobertos erros em nenhuma das
análises.
O caminho à frente
Então, qual é o caminho à frente?
Algumas técnicas altamente promissoras que utilizam degraus alternativos na
“escada de distância” surgiram recentemente como concorrentes da medição SH0ES.
Uma equipe liderada por Wendy
Freedman, pioneira americana dos estudos modernos de H₀, usou
estrelas específicas que
se enquadram em uma categoria conhecida como “ponta do ramo gigante vermelho” (TRGB, na sigla em inglês) para fazer novas calibrações de distâncias de supernovas. Esse método pode evitar as incertezas
inerentes ao uso de Cefeidas. Curiosamente, ele fornece H₀ = 69,8 -
uma constante entre Planck e SH0ES, embora com incertezas maiores.
Além disso, a equipe de Freedman
recentemente encontrou uma discrepância entre as distâncias de galáxias
inferidas com as estrelas TRGB e as Cefeidas usando o Telescópio Espacial James
Webb (JWST). Se corroborada por análises futuras, essa discrepância colocaria a
abordagem da “escada de distância” em uma base muito mais incerta.
A qualidade das medições de H₀
inevitavelmente melhorará com os
novos dados do JWST, novas amostras de supernovas e técnicas inovadoras, como usando as
ondas gravitacionais emitidas pela fusão de
buracos negros. Mas ainda não se sabe
se esses esforços
resolverão a “tensão Hubble” ou a piorarão.
Por enquanto, nossa compreensão
do Universo continua a ser prejudicada pela discordância nas medições da sua
taxa de expansão. Cem anos após sua concepção, a constante de Hubble continua a
nos confundir.
MSN.COM
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