O gigante no nosso quintal cósmico
O
centro da nossa Galáxia, a Via Láctea, só é visível aos radiotelescópios. O
buraco negro supermassivo no seu núcleo brilha no rádio rodeado por anéis de
gás e poeira de remanescentes de supernova e arcos de material apanhados nos
fortes campos magnéticos do núcleo. Esta imagem gigantesca é uma composição de
várias observações obtidas pelo VLA (Very Large Array).Crédito: NRAO/NAUI/NSF
Recentemente, foram
combinados vários observatórios rádio para formar o GMVA (Global mm-VLBI
Array), uma poderosa ferramenta que sondou a região perto do buraco negro
supermassivo da nossa Galáxia. Foram produzidas imagens curiosas desta região,
brilhando intensamente no rádio. Estas observações, que envolveram três
radiotelescópios norte-americanos - VLA, VLBA e GBT - são um passo importante
para a observação do horizonte de eventos de um buraco negro. Aqui fica a
história desta investigação até agora.
Há um gigante no nosso
"quintal cósmico". Sabemos que lá está, mas nunca ninguém o viu. É um
buraco negro supermassivo e esconde-se no centro da nossa Galáxia.
Em 1931, o engenheiro Karl
Jansky observou pela primeira vez um forte sinal cósmico de rádio proveniente
da constelação de Sagitário, que se encontra na direção do centro da nossa
Galáxia. Jansky assumiu que os sinais de rádio eram originários do centro da
nossa Galáxia, mas não fazia ideia do que essa fonte podia ser e o seu
telescópio era incapaz de identificar a localização exata. Isso sucedeu em
1974, quando Bruce Balick e Robert Brown usaram três antenas rádio do
Observatório Green Bank e uma quarta antena mais pequena a cerca de 35 km de
distância para formar um radiotelescópio muito mais preciso chamado
interferómetro.
Interferometria é um método
de usar vários radiotelescópios ou antenas como um único telescópio virtual.
Quando duas antenas estão apontadas para o mesmo objeto no céu, recebem o mesmo
sinal, mas os sinais estão em dessintonia porque um demora um pouco mais a
alcançar uma antena do que a outra. A diferença de tempo depende da direção das
antenas e da distância entre elas. Ao correlacionar os dois sinais, podemos
determinar a localização da fonte com muita precisão. Com o GBI (Green Bank
Interferometer), Balick e Brown confirmaram a fonte rádio como uma região muito
pequena perto do Centro Galáctico. Brown mais tarde denominou a fonte Sagitário
A*, ou Sgr A* para abreviar.
O GBI foi um antecessor do
VLA (Very Large Array) do NRAO (National Radio Astronomy Observatory). O VLA é
composto por 28 antenas capazes de configurações amplamente separadas e juntas,
tornando-se a ferramenta perfeita para estudar Sgr A*. Em 1983, uma equipa
liderada por Ron Ekers usou o VLA para fazer a primeira imagem rádio do Centro
Galáctico, que revelou uma mini-espiral de gás quente. Observações posteriores
mostraram não apenas a espiral de gás, mas também uma fonte de rádio distinta e
brilhante no centro exato da Via Láctea.
Nesta altura suspeitava-se
fortemente que esta fonte de rádio fosse um enorme buraco negro. Entre 1982 e
1998, Don Backer e Dick Stramek, no VLA, mediram a posição de Sgr A* e
descobriram que quase não havia movimento aparente. Isto significava que devia
ser extremamente massivo, já que os puxões gravitacionais de estrelas próximas
não o faziam mover-se.
Eles estimaram que devia ter uma massa equivalente a
pelo menos dois milhões de sóis. Observações a longo prazo das estrelas em
órbita do Centro Galáctico descobriram que Sgr A* tem aproximadamente 3,6
milhões de massas solares, e imagens rádio detalhadas confirmaram que não deve
ser maior que a órbita de Mercúrio em torno do Sol. Sabemos agora que é, de
facto, um buraco negro supermassivo.
Estar ciente da existência de
um buraco negro não é o mesmo que o ver diretamente. Os astrónomos há muito que
sonham em observar diretamente um buraco negro e talvez até vislumbrar o seu
horizonte de eventos. Sagitário A* é o buraco negro supermassivo mais próximo
da Terra, de modo que têm havido vários esforços para o observar diretamente.
Mas há dois grandes desafios a serem superados. O primeiro é que o centro da
nossa Via Láctea está rodeado por gás e poeira densos.
Quase toda a luz visível
da região é obscurecida, por isso não podemos observar o buraco negro com um
telescópio ótico. Felizmente, o gás e a poeira são relativamente transparentes
ao rádio, o que significa que os radiotelescópios podem ver o coração da nossa
Galáxia. Mas isto leva ao segundo grande desafio: a resolução.
Embora o buraco negro Sgr A*
seja massivo, tem apenas o tamanho de uma estrela grande. Segundo a teoria da
relatividade geral de Einstein, um buraco negro com 3,6 milhões de vezes a
massa do Sol teria um horizonte de eventos apenas 15 vezes maior que a nossa
estrela. Tendo em conta que o Centro Galáctico está a aproximadamente 26.000
anos-luz da Terra, o buraco negro tem um tamanho aparente muito pequeno no céu,
mais ou menos equivalente a ver uma bola de basebol à superfície da Lua. Para
ver um objeto rádio tão pequeno, precisamos de um telescópio do tamanho da
própria Terra.
Obviamente, não podemos
construir um radiotelescópio do tamanho do nosso planeta, mas com a
interferometria rádio podemos construir um telescópio virtual do tamanho da
Terra. Os observatórios do NRAO estão atualmente a trabalhar em dois projetos
que tentam observar um buraco negro, o EHT (Event Horizon Telescope) e o GMVA
(Global mm-VLBI Array). O ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array)
está a participar em ambos os projetos, enquanto o GBT (Green Bank Telescope) e
o VLBA (Very Long Baseline Array) fazem parte do GMVA. Tal como o VLA, estes
projetos combinam sinais de múltiplas antenas.
Dado que as antenas estão
localizadas por todo o mundo, este telescópio virtual tem mais ou menos o
tamanho da Terra. Mas, ao contrário das antenas do VLA, todas elas têm
diferentes tamanhos e sensibilidades. Esta diversidade de antenas dificulta a
combinação dos sinais, mas também fornece uma grande vantagem aos projetos.
No VLA, por exemplo, todas as
antenas da rede são idênticas. Cada antena contribui igualmente e a
sensibilidade do complexo depende do tamanho de uma única antena. Mas quando
telescópios, ou antenas de diferentes tamanhos, são combinados, a sensibilidade
das antenas maiores ajuda a aumentar a sensibilidade das menores. O GBT, por
exemplo, tem um diâmetro de 100 metros. Quando combinado com telescópios mais
pequenos num grande interferómetro, a sensibilidade total depende do tamanho médio
de todas as antenas. Isso torna o ALMA - ligado ao EHT e ao GMVA - e o GBT -
ligado ao GMVA - muito mais sensível aos sinais do buraco negro da Via Láctea,
e os cientistas precisam de toda a sensibilidade possível para capturar a
imagem de um buraco negro.
Em janeiro de 2019, o GMVA
capturou uma imagem de Sagitário A* a comprimentos de onda de 3mm, mas a
dispersão de luz a 3mm pelo plasma situado entre nós e Sgr A* tornou impossível
ver a sombra do seu horizonte de eventos. A primeira imagem nítida de um buraco
negro foi anunciada pelo EHT em abril de 2019. Era uma imagem do buraco negro
da galáxia M87. Embora M87 esteja mais de 2000 vezes mais distante que o buraco
negro no centro da nossa Galáxia, o seu buraco negro central é também 1500
vezes mais massivo.
É um buraco negro muito ativo e não está obscurecido pelo
gás e poeira da nossa Galáxia, facilitando a observação. A observação do nosso
buraco negro, mais pequeno e calmo, é um desafio maior. Mas ao trabalharem com
observatórios espalhados por todo o mundo, o ALMA e o GBT terão em breve a
primeira imagem nítida do gigante situado no nosso "quintal cósmico".
Fonte: Astronomia OnLine
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