Energia escura não existe?
Energia escura, apesar de
extremamente misteriosa, se tornou padrão na cosmologia. Evidências da
existência dessa energia de repulsão se acumulam desde 1998. Foi nesse ano que
os astrônomos observaram pela primeira vez que a expansão do universo ocorre de
forma cada vez mais rápida, se acelera ao longo do tempo. E a energia escura
atua como um acelerador. Enquanto o espaço expande, surge um novo espaço e, com
ele, mais energia escura repulsiva, o que faz com que a expansão fique ainda
mais rápida.
Vinte anos depois, inúmeras
mensurações independentes consentem que a energia escura compõe cerca de 70% do
conteúdo de todo o universo. Essa noção é tão presente na visão atual do cosmos
que todos foram pegos de surpresa quando um artigo científico recentemente,
publicado na revista Astronomy & Astrophysics, questionou se ela realmente
existe.
A análise dos quatro autores,
que inclui o físico de Oxford Subir Sarkar, foi compreensiva. Eles analisaram
centenas de supernovas – potentes explosões estelares que nos forneceram as
primeiras evidências da aceleração cósmica, descoberta que levou três
astrônomos a receberem o Prêmio Nobel de Física em 2011. Quando Sarkar e a equipe
analisaram as supernovas, eles não observaram um universo em expansão acelerada
uniforme em todas as direções por causa à energia escura. Na realidade, eles
afirmam que as supernovas têm esta mesma aparência porque a nossa região
cósmica está em aceleração em uma direção específica – mais ou menos na direção
da constelação Centauro no céu do hemisfério Sul.
Especialistas fora da equipe
quase imediatamente passaram a esmiuçar o artigo, procurando por falhas na sua
metodologia. Dois cosmólogos oficializaram seus argumentos em um artigo online
publicado em 6 de dezembro e submetido ao The Astrophysical Journal. David
Rubin e Jessica Heitlauf, sua aluna, ambos da Universidade do Havaí, Manoa,
EUA, detalham os principais problemas do artigo de Sarkar e como os dados
teriam sido tratados. “A expansão do universo está acelerando?”, escreve no
título do artigo. “Todos os sinais ainda apontam para sim.”
Outros pesquisadores
elogiaram o exame minucioso. Mas Sarkar e sua equipe não concorda com as novas
críticas. Poucos após sa publicação do artigo de Rubin e Heitlauf, eles
publicaram uma refutação da refutação.
A comunidade da cosmologia
permanece inamovível. Para Dragan Huterer, cosmólogo da Universidade de
Michigan (EUA) a resposta mais recente às vezes “erra o alvo” e tenta debater
princípios estatísticos que “não são negociáveis”. Dan Scolnic, cosmólogo de
supernovas da Universidade Duke, reafirmou que “a evidência de energia escura
apenas das supernovas é significativa e segura”.
Um
tiro em movimento
A expansão do espaço estende
a luz, avermelhando sua cor. As supernovas parecem mais “deslocadas para o
vermelho” (redshift, em inglês) quanto mais distantes estão, porque sua luz
precisa viajar mais longe através da expansão do espaço. Se o espaço se
expandisse a uma taxa constante, o desvio para o vermelho de uma supernova
seria diretamente proporcional à sua distância e, portanto, ao seu brilho.
Mas em um universo acelerado
e cheio de energia escura, o espaço se expandiu menos rapidamente no passado do
que agora. Isso significa que a luz de uma supernova terá se estendido menos
durante sua longa jornada para a Terra, dado o espaço lentamente expandido
durante grande parte do tempo. Uma supernova localizada a uma determinada
distância (indicada pelo brilho) parecerá significativamente menos deslocada
para vermelho do que em um universo sem energia escura. De fato, os
pesquisadores descobriram que o desvio para o vermelho e o brilho das
supernovas são dimensionados exatamente dessa maneira.
Em seu artigo recente, Sarkar
e colaboradores adotaram uma abordagem não convencional da análise.
Normalmente, qualquer estudo de dados de supernova deve explicar o movimento da
Terra: como a Terra orbita o sol, que orbita a galáxia, que orbita o grupo
local de galáxias, nós e nossos telescópios percorremos o espaço a cerca de 600
quilômetros por segundo. Nosso movimento líquido é em direção a uma região
densa perto de Centauro. Consequentemente, a luz proveniente dessa direção está
sujeita ao deslocamento Doppler, o que a torna mais azul do que a luz do lado
oposto do céu.
É padrão corrigir esse
movimento e transformar dados de supernova em um quadro de referência
estacionário. Mas Sarkar e companhia não. “Se você não subtrair esse
[movimento], ele coloca o mesmo deslocamento Doppler nos dados da supernova”,
explicou Rubin em uma entrevista a Quanta Magazine. “Nossa afirmação é que a
maior parte do efeito é devido ao movimento do sistema solar”.
Outro problema com o artigo,
de acordo com Rubin e Heitlauf, é que Sarkar e colegas fizeram uma “suposição
claramente incorreta”: eles falharam em explicar o fato de que a poeira cósmica
absorve mais a luz azul do que a vermelha.
Por causa disso, uma
supernova em uma região relativamente “limpa” e livre de poeira parece
especialmente azul, pois há menos poeira que absorveria sua luz azul. A falta
de poeira também significa que parecerá mais brilhante. Assim, as supernovas
distantes que vemos com nossos telescópios são desproporcionalmente azuis e
brilhantes. Se você não controlar o efeito dependente de cor da poeira,
deduzirá menos diferença entre o brilho das supernovas próximas (em média, mais
poeira e mais vermelhas) e supernovas distantes (em média, mais azuis e
brilhantes) – e, como resultado , você deduzirá menos aceleração cósmica.
A combinação dessas e de
outras decisões incomuns permitiu ao grupo de Sarkar modelar seus dados de
supernova com um termo “dipolo”, uma aceleração que aponta em uma única
direção, e apenas um termo pequeno, ou possivelmente zero, “monopolo”
descrevendo o tipo de uniforme aceleração que significa energia escura.
Esse modelo dipolo tem outros
dois problemas, disseram Rubin e Heitlauf. Primeiro, o modelo inclui um termo
que diz com que rapidez a aceleração dipolar cai para zero quando você se
afasta da Terra; Sarkar e companhia reduziram essa distância, o que significa
que o modelo não é testado por uma grande amostra de supernovas. E segundo, o
modelo não satisfaz uma verificação de consistência envolvendo a relação entre
os termos dipolo e monopolo nas equações.
Nem
todos são iguais
No dia em que o artigo de
Rubin e Heitlauf apareceu, Sarkar disse por e-mail: “Não achamos que sejam
necessárias revisões em nossa análise”. Ele e sua equipe logo publicaram sua
refutação dos quatro pontos da dupla, principalmente revisando justificativas anteriores.
Eles citaram a pesquisa de Natallia Karpenka, uma cosmóloga que deixou a
academia para uma carreira em finanças, para apoiar uma de suas escolhas, mas
interpretaram mal o trabalho dela, disse Rubin. Quatro outros cosmólogos
contatados por Quanta disseram que a resposta do grupo não muda suas opiniões
opinião.
Aqueles que acham difícil
acompanhar a análise de dados devem observar que os dados das supernovas
correspondem a outras evidências de aceleração cósmica. Ao longo dos anos, a
energia escura foi inferida a partir da luz antiga chamada fundo cósmico de
microondas, flutuações na densidade do universo chamada oscilações acústicas
bariônicas, as formas gravitacionalmente distorcidas das galáxias e o
agrupamento de matéria no universo.
Sarkar e colegas fundamentam
seu trabalho em um corpo respeitável de pesquisa sobre o “problema de ajuste
cosmológico”. Cálculos de parâmetros cosmológicos como a densidade da energia
escura (que é representada nas equações de gravidade de Albert Einstein pela letra
grega lambda) tendem a tratar o universo como suave, calculando a média das não
homogeneidades do universo, como suas galáxias e vazios. O problema de ajuste
pergunta se essa aproximação pode levar a inferências incorretas sobre os
valores de constantes como lambda ou se pode até sugerir a presença de uma
lambda que não existe.
Mas as pesquisas mais
recentes sobre a questão – incluindo uma grande simulação cosmológica publicada
recentemente – rejeitam essa possibilidade. As heterogeneidades “podem mudar o
lambda em 1 ou 2%”, disse Ruth Durrer, da Universidade de Genebra, coautora do
artigo, “mas não conseguiu se livrar dela. É simplesmente impossível.”
Fonte: Hypescience.com
[Quanta Magazine]
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