Estranhas 'moléculas gravitacionais' poderiam orbitar buracos negros como elétrons girando em torno de átomos
Buracos negros são
impressionantes por muitas causas. Sua
simplicidade é
uma delas. Essa simplicidade nos permite traçar
paralelos surpreendentes entre os buracos negros e outros ramos da física. Por exemplo, uma equipe
de pesquisadores mostrou que um tipo especial de partícula pode existir ao
redor de um par de buracos negros da mesma forma que um elétron pode existir ao
redor de um par de átomos de hidrogênio, o primeiro exemplo de uma “molécula
gravitacional”. Este estranho objeto pode nos dar dicas sobre a identidade da
matéria escura e a natureza definitiva do espaço-tempo.
Preparando
o campo
Para entender como a nova
pesquisa, que foi publicada em setembro no banco de dados de pré-impressão
arXiv, explica a existência de uma molécula gravitacional, primeiro precisamos
explorar um dos mais fundamentais — e ainda assim quase nunca mencionados —
aspectos da física moderna: o campo, reporta o site Space.
Um campo é uma ferramenta
matemática que diz o que você pode encontrar ao viajar de um lugar para outro
no universo. Por exemplo, se você já viu a previsão do tempo na TV sobre as
temperaturas em sua região, você está vendo uma representação de um campo de
fácil visualização: conforme você viaja pela sua cidade ou estado, você saberá que
tipo de temperaturas que você possivelmente encontrará e onde (e se você
precisa levar um casaco).
Esse tipo de campo é
conhecido como campo “escalar”, porque “escalar” é a maneira matemática
sofisticada de dizer “apenas um único número”. Existem outros tipos de campos
na física, como campos “vetoriais” e campos “tensores”, que fornecem mais de um
número para cada localização no espaço-tempo. (Por exemplo, um mapa da
velocidade e da direção do vento é um campo vetorial.) Mas, para os objetivos
deste artigo de pesquisa, só precisamos saber sobre o tipo escalar.
O
casal atômico
Em meados do século 20, os
físicos pegaram o conceito de campo — que já existia há séculos naquela época e
era absolutamente antiquado para os matemáticos — e o trabalharam muito nele. Eles perceberam que os campos não são apenas
truques matemáticos úteis, eles na verdade descrevem algo super-fundamental
sobre o funcionamento interno da realidade. Eles descobriram, basicamente, que
tudo no universo é realmente um campo.
Considere o humilde elétron.
Sabemos pela mecânica quântica que é muito difícil determinar exatamente onde
um elétron está em um determinado momento. Quando a mecânica quântica surgiu
pela primeira vez, era uma bagunça desagradável de entender e desvendar, até
que o conceito campo apareceu.
Na física moderna,
representamos o elétron como um campo, um objeto matemático que nos diz onde é
provável que localizemos o elétron na próxima vez que olharmos. Este campo
reage ao mundo ao seu redor — digamos, por causa da influência elétrica de um
núcleo atômico próximo — e se modifica para alterar o local onde deveríamos
encontrar o elétron.
O resultado final é que os
elétrons podem aparecer apenas em certas regiões ao redor de um núcleo atômico,
dando origem a toda a química.
Amigos
dos buracos negros
E agora a parte do buraco
negro. Na física atômica, você pode descrever completamente uma partícula
elementar (como um elétron) em termos de três números: sua massa, seu spin e
sua carga elétrica. E na física gravitacional, você pode descrever
completamente um buraco negro em termos de três números: sua massa, seu spin e
sua carga de elétrons.
Na linguagem cheia de jargões
da física de partículas que acabamos de explorar, você pode descrever um átomo
como um minúsculo núcleo rodeado por um campo de elétrons. Esse campo de
elétrons responde à presença do núcleo e permite que o elétron apareça apenas
em certas regiões. Isso também é verdade para os elétrons em torno de dois
núcleos, por exemplo, em uma molécula diatômica como o hidrogênio (H2).
Você pode descrever o
ambiente de um buraco negro de uma maneira parecida. Imagine a minúscula
singularidade, um núcleo preto parecido com o núcleo de um átomo, enquanto o
ambiente ao redor — um campo escalar genérico — é semelhante ao que descreve
uma partícula subatômica. Esse campo escalar responde à presença do buraco
negro e permite que sua partícula correspondente apareça apenas em certas
regiões. E assim como nas moléculas diatômicas, você também pode descrever
campos escalares ao redor de dois buracos negros, como em um sistema de buraco
negro binário.
Os autores do estudo
descobriram que campos escalares podem de fato existir em torno de buracos
negros binários. Além do mais, eles podem se formar em certos padrões que são
parecidos da maneira que os campos de elétrons se organizam nas moléculas.
Portanto, o comportamento dos campos escalares nesse cenário imita como os
elétrons se comportam nas moléculas diatômicas, daí o apelido de “moléculas
gravitacionais”.
Por que o interesse em campos
escalares? Bem, para começar, não entendemos a natureza da matéria escura ou da
energia escura, e é possível que a energia escura e a matéria escura possam ser
compostas de um ou mais campos escalares), assim como os elétrons são compostos
do campo de elétrons.
Se a matéria escura é de fato composta de algum tipo de campo escalar, então este resultado significa que a matéria escura existiria em um estado muito estranho em torno dos buracos negros binários – as misteriosas partículas escuras teriam que existir em órbitas muito específicas, assim como os elétrons rodeiam os átomos. Mas os buracos negros binários não duram para sempre; eles emitem radiação gravitacional e finalmente colidem e se aglutinam em um único buraco negro.
Esses campos escalares de matéria escura afetariam quaisquer ondas
gravitacionais emitidas durante essas colisões, porque filtrariam, desviariam e
remodelariam quaisquer ondas que passassem por regiões de maior densidade da
matéria escura. Isso significa que podemos detectar esse tipo de matéria escura
com sensibilidade suficiente nos detectores de ondas gravitacionais existentes.
Resumindo: em breve é possível que confirmemos a existência de moléculas gravitacionais e, por meio delas, abrir uma janela para uma região escura e oculto de nosso cosmos.
Fonte: Space
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