Por que é importante que a ciência entenda o que são os buracos negros?
Nada, nem a luz, escapa da gravidade desses objetos fascinantes. Na coluna “Quânticas”, o físico Marcelo Lapola explica o que eles podem dizer sobre a evolução do Universo
Primeira imagem de Sgr A*, o buraco negro supermassivo no centro da
nossa galáxia (Foto: Colaboração EHT)
Desde o início da década de 1970, já sabíamos da possível existência de
um buraco negro, batizado de Sagittarius A* (ou Sgr A*), no centro da Via
Láctea. Com 4 milhões de massas solares, sua imagem, divulgada em maio,
reacendeu o interesse popular em torno desses objetos astrofísicos enigmáticos.
Mas, além do fascínio que eles exercem, por que é tão importante estudar os
buracos negros?
Previstos pela Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein há mais
de 100 anos, esses fenômenos intrigam cientistas e leigos. O próprio Einstein,
na época, demonstrou certo interesse pela solução encontrada pelo colega alemão
Karl Schwarzschild, em 1915, mas não acreditava que ela tinha algum significado
físico além da matemática.
A resposta de Schwarzschild às equações de Einstein apresenta a
descrição do espaço-tempo ao redor de um corpo perfeitamente esférico e
estático, isto é, sem nenhuma rotação. Essa proposição serviria para planetas,
estrelas e buracos negros e, segundo ela, o que diferenciaria um do outro seria
a massa. Portanto, um buraco negro de Schwarzschild é um buraco negro sem
rotação nem carga elétrica.
Anos mais tarde, em 1963, o físico neozelandês Roy Kerr apresentou uma
nova explicação, muito mais realista, para descrever buracos negros em rotação.
A resposta de Kerr para as equações de Einstein, bem mais complicada que a de
Schwarzschild, mostra um buraco negro com rotação e a possibilidade de possuir
carga elétrica e campo magnético.
Essa solução, a chamada métrica de Kerr, abrange um efeito produzido
pela rotação de um objeto astrofísico massivo, como é o caso dos buracos
negros. Batizado de Lense-Thirring, esse efeito mostra que a rotação desses
corpos provoca não apenas uma grande curvatura, mas também o arrastar do espaço-tempo
ao redor, como se o espaço (e o tempo) fossem torcidos nas proximidades do
objeto.
Vídeo criado pelos cientistas a partir dos dados obtidos do M87* (Foto: M. Wielgus and the EHT Collaboration)
De lá para cá, muita pesquisa foi feita, o que permitiu constatar que a
maioria dos buracos negros observados são do tipo Kerr — incluindo o Sgr A*.
Onde a geometria acaba
Se a relatividade geral nos mostra que matéria é geometria — isto é, a
matéria pode ser entendida como a curvatura do espaço-tempo —, um buraco negro
é a destruição desse destino geométrico da matéria.
Em linhas gerais, um buraco negro é o resultado do colapso de uma
estrela. Mas não é qualquer estrela que gera em um buraco negro quando morre. É
preciso que, ao final de tudo, ainda reste matéria equivalente a três vezes a
massa do Sol.
A força da gravidade comprime tanto esse remanescente de matéria que
leva a uma curvatura do espaço-tempo em um único ponto, a singularidade. O
campo gravitacional é tão intenso nas proximidades de um buraco negro que nem
mesmo a luz escapa da sua atração.
Em torno de qualquer buraco negro, há uma área que estabelece uma
fronteira, a qual chamamos horizonte de eventos. Tudo o que for atraído para
além dela cai em direção à singularidade, no interior do buraco negro, num
caminho sem volta. Para escapar dali, seria necessária uma velocidade maior que
a da luz, algo impossível, já que essa é a maior velocidade no Universo (cerca
de 300 mil quilômetros por segundo).
O que vemos nas imagens dos dois buracos negros divulgadas até hoje
(Sgr A*, em 2022, e M87, em 2019) é na verdade a luz aprisionada em uma órbita
próxima aos horizontes de eventos. E, nesses casos, estamos falando de buracos
negros supermassivos, que não são os únicos que existem.
Evolução e crescimento
Detectar buracos negros de massas menores não é uma tarefa fácil. As
medidas e observações são feitas de modo indireto, a partir da análise das
órbitas de estrelas próximas e também por meio da detecção de ondas
gravitacionais resultantes da colisão de buracos negros.
Entender especialmente os buracos negros supermassivos é importante
para compreender a própria evolução do Universo. Essa categoria de buracos
negros demora muito tempo para atingir massas enormes. Os astrônomos e físicos
podem mapear suas ações à medida que a matéria é “engolida”. Por exemplo, no
caso do Sgr A*, o que ainda estão tentando entender é como ele se formou no
centro da Via Láctea.
A solução parece estar em buracos negros de menor massa, muitos desses
observados em galáxias-anãs, como aponta um artigo publicado no último dia 24
de maio na conceituada revista The Astrophysical Journal. Ali estão indícios de
um elo perdido no crescimento dos buracos negros supermassivos.
E as perguntas a serem respondidas estão intimamente ligadas ao tempo
de evolução do Universo: como e por que os buracos negros supermassivos ficaram
tão grandes em massa? De que maneira houve esse crescimento com o tempo,
considerando que a idade do Universo é de cerca de 13 bilhões de anos?
Há ainda um mar desconhecido a ser desvendado com relação a esses
fenômenos. Isso sem contar a resposta à intrigante pergunta: afinal, o que
existe “dentro” do buraco negro? São muitas ideias e sugestões elegantes de
respostas, mas todas ainda longe de uma comprovação.
Fonte: Galileu
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