Como os cientistas capturaram a primeira imagem de um buraco negro
Os cientistas obtiveram a primeira imagem de um buraco negro, usando observações do EHT (Event Horizon Telescope) do centro da galáxia M87. A imagem mostra um anel brilhante formado à medida que a luz é curvada sob a intensa gravidade em redor de um buraco negro 6,5 mil milhões de vezes mais massivo do que o Sol.Crédito: Colaboração EHT
Nas notícias
Alcançando
o que antes era considerado impossível, uma equipa internacional de astrónomos
capturou uma imagem da silhueta de um buraco negro. As evidências da presença
de buracos negros - lugares misteriosos no espaço onde nada, nem mesmo a luz,
pode escapar - já existem há algum tempo, e os astrónomos há muito que observam
os efeitos destes fenómenos nos seus arredores. Na imaginação popular,
pensava-se que a captura de uma imagem de um buraco negro era impossível porque
uma imagem de algo a partir do qual nenhuma luz pode escapar pareceria
completamente escura.
Para os cientistas, o desafio era o modo como, a partir
de milhares ou até milhões de anos-luz de distância, podiam capturar uma imagem
do gás quente e brilhante que cai num buraco negro. Uma equipa ambiciosa e
internacional de astrónomos e cientistas conseguiu realizar ambos. Trabalhando
durante mais de uma década para alcançar o feito, a equipa aprimorou uma
técnica de radioastronomia existente para imagens de alta resolução e usou-a
para detetar a silhueta de um buraco negro - delineada pelo gás brilhante que
rodeia o seu horizonte de eventos, o precipício além do qual a luz não pode
escapar.
Como o fizeram
Embora
os cientistas tivessem teorizado que podiam fotografar buracos negros
capturando as suas silhuetas contra os seus arredores luminosos, a capacidade
de observar um objeto tão distante ainda lhes escapava. Foi formada uma equipa
para enfrentar o desafio, criando uma rede de telescópios conhecida como EHT
(Event Horizon Telescope). Estabeleceram o objetivo de capturar uma imagem de
um buraco negro, aprimorando a técnica que permite fotografar objetos muito
distantes conhecida como VLBI (Very Long Baseline Interferometry).
Para
ver objetos distantes são usados telescópios de todos os tipos. Quanto maior o
diâmetro, ou abertura, do telescópio, maior a sua capacidade de recolher mais
luz e maior a sua resolução (ou capacidade de observar detalhes finos). Para
ver detalhes em objetos distantes e que parecem pequenos e escuros da Terra,
precisamos de recolher a maior quantidade de luz possível com uma resolução
muito alta, por isso precisamos de usar um telescópio com uma grande abertura.
Por
isso é que a técnica VLBI foi essencial para captar a imagem do buraco negro. A
técnica VLBI funciona criando um conjunto de telescópios mais pequenos que
podem ser sincronizados para focar no mesmo objeto, ao mesmo tempo, e agir como
um telescópio virtual gigante. Em alguns casos, os telescópios mais pequenos
também são uma matriz de múltiplos telescópios. Esta técnica tem sido usada
para rastrear naves espaciais e para fotografar fontes de rádio cósmicas e
distantes como quasares.
A
abertura de um telescópio virtual gigante como a do EHT é tão grande quanto a
distância entre os dois telescópios mais afastados - para o EHT, essas duas
estações estão no Polo Sul e na Espanha, criando uma abertura equivalente a
quase o diâmetro da Terra. Cada telescópio concentra-se no alvo, neste caso o
buraco negro, e recolhe dados a partir da sua posição na Terra, fornecendo uma
porção da visão completa do EHT. Quantos mais telescópios no conjunto,
amplamente espaçados, maior será a resolução da imagem.
Para
testar a VLBI para fotografar um buraco negro e uma série de algoritmos de
computador para classificar e sincronizar dados, a equipa do EHT decidiu ter
dois alvos, cada um fornecendo desafios únicos.
O
buraco negro supermassivo mais próximo da Terra, Sagitário A*, interessou a
equipa porque está no nosso quintal galáctico - no centro da nossa Galáxia, a
Via Láctea, a 26.000 anos-luz de distância (o asterisco é o padrão astronómico
para denotar um buraco negro). Embora não seja o único buraco negro na nossa
Galáxia, é o buraco negro que parece maior quando "visto" da Terra.
Mas a sua localização, na mesma galáxia que a Terra, significava que a equipa
tinha que observar através da "poluição" provocada por estrelas e
poeira, o que significa que teriam mais dados para filtrar durante o
processamento da imagem. No entanto, devido ao interesse do buraco negro local
e ao seu tamanho relativamente grande, a equipa do EHT escolheu Sagitário A*
como um dos seus dois alvos.
O
segundo alvo foi o buraco negro supermassivo M87*. Um dos maiores buracos
negros supermassivos conhecidos, M87* está localizado no centro da gigantesca
galáxia elíptica Messier 87, ou M87, a 53 milhões de anos-luz de distância.
Substancialmente mais massivo do que Sagitário A*, que contém 4 milhões de
massas solares, M87* contém o equivalente a 6,5 mil milhões de massas solares.
Uma massa solar é equivalente à massa do nosso Sol, aproximadamente 2x10^30 kg.
Além do seu tamanho, M87* interessa aos cientistas porque, ao contrário de
Sagitário A*, é um buraco negro ativo, com matéria a cair e a ser expelida na
forma de jatos de partículas que são aceleradas a velocidades próximas da
velocidade da luz.
Mas a sua distância tornou-o um desafio ainda maior do que a
captura do relativamente local, Sagitário A*. Como descrito por Katie Bouman,
cientista de computação do EHT que liderou o desenvolvimento de um dos algoritmos
usados para classificar os dados do telescópio durante o processamento da
imagem histórica, é semelhante a capturar uma imagem de uma laranja na
superfície da Lua.
Em
2017, o EHT era uma colaboração de oito observatórios espalhados pelo mundo - e
desde então mais foram adicionados. Antes que a equipa pudesse começar a
recolher dados, tiveram que encontrar um horário em que o clima fosse propício
para a observação telescópica em todos os locais. Para M87*, a equipa tentou
ter bom tempo em abril de 2017 e, dos 10 dias escolhidos para observação,
quatro dias foram limpos o suficiente em todos os oito locais!
Cada
telescópio usado no EHT tinha que estar altamente sincronizado com os outros,
recorrendo a um relógio atómico. Este elevado grau de precisão torna o EHT
capaz de resolver objetos cerca de 4000 vezes melhor que o Telescópio Espacial
Hubble. À medida que cada telescópio recolhia dados do buraco negro alvo, os
dados digitais e o registo do tempo eram gravados em dispositivos de
armazenamento de computador. A recolha de dados durante os quatro dias, em todo
o mundo, deu à equipa uma quantidade substancial de dados para processar.
Os
dados foram transportados fisicamente para um local central porque a sua
quantidade, aproximadamente 5 petabytes, excede o que as velocidades atuais da
Internet podem suportar. Nesta localização central, os dados de todos os oito
observatórios foram sincronizados usando os tempos e combinados para produzir
um conjunto composto de imagens, revelando a silhueta nunca antes vista do
horizonte de eventos de M87*. A equipa também está a trabalhar na produção de
uma imagem de Sagitário A*, a partir de observações adicionais feitas pelo EHT.
À
medida que mais telescópios são adicionados e a rotação da Terra é incluída,
mais da imagem pode ser resolvida e podemos esperar que as imagens futuras
tenham uma resolução mais alta. Mas talvez nunca tenhamos uma visão completa.
Para
complementar os achados do EHT, várias naves da NASA fizeram parte de um grande
esforço para observar o buraco negro usando diferentes comprimentos de onda.
Desse esforço fizeram parte o Observatório de raios-X Chandra, o NuSTAR
(Nuclear Spectroscopic Telescope Array) e o Observatório Neil Gehrels Swift -
todos construídos para detetar diferentes variedades de raios-X -, que
apontaram para o buraco negro de M87 mais ou menos ao mesmo tempo que o EHT em
abril de 2017. O Telescópio Espacial de Raios-Gama Fermi da NASA também estava
atento a mudanças nos raios-gama de M87* durante as observações do EHT. Se o
EHT observasse mudanças na estrutura do ambiente do buraco negro, os dados
destas missões e de outros telescópios podiam ser usados para ajudar a
descobrir o que estava a acontecer.
Embora
as observações da NASA não tenham traçado diretamente a imagem histórica, os astrónomos
usaram dados do Chandra e do NuSTAR para medir o brilho de raios-X do jato de
M87*. Os cientistas usaram essa informação para comparar os seus modelos do
jato e do disco em torno do buraco negro com as observações do EHT. Podem
surgir outras ideias à medida que os investigadores continuam a debruçar-se
sobre estes dados.
Porque é importante
Aprender
mais sobre estruturas misteriosas no Universo fornece uma visão mais detalhada
da física e permite-nos testar métodos de observação e teorias, como a teoria
da relatividade geral de Einstein. Os objetos massivos deformam o espaço-tempo
na sua vizinhança e, embora a teoria da relatividade geral tenha sido
diretamente comprovada para objetos de massa menor, como a Terra e o Sol, a
teoria ainda não tinha sido provada diretamente para buracos negros e para
outras regiões contendo matéria densa.
Um
dos principais resultados do projeto de imagem de um buraco negro, pelo EHT, é
um cálculo mais direto da massa de um buraco negro. Usando o EHT, os cientistas
foram capazes de observar e medir diretamente o raio do horizonte de eventos de
M87*, ou o seu raio de Schwarzschild, e determinar a massa do buraco negro.
Essa estimativa está próxima da derivada com um método que usa o movimento de
estrelas em órbita - validando-o como um método de estimativa de massa.
O
tamanho e a forma de um buraco negro, que depende da sua massa e rotação, podem
ser previstos a partir das equações da relatividade geral. A relatividade geral
prevê que esta silhueta seja aproximadamente circular, mas outras teorias da
gravidade previam formas ligeiramente diferentes. A imagem de M87* mostra uma
silhueta circular, conferindo assim credibilidade à teoria da relatividade
geral de Einstein perto dos buracos negros.
Os
dados também fornecem algumas informações sobre a formação e sobre o
comportamento da estrutura dos buracos negros, como o disco de acreção que
alimenta o buraco negro com material e os jatos de plasma emanados do seu
centro. Os cientistas levantaram a hipótese de como um disco de acreção se
forma, mas nunca tinham sido capazes, até agora, de testar as suas teorias com
observação direta. Os cientistas também estão curiosos sobre o mecanismo pelo
qual alguns buracos negros supermassivos emitem enormes jatos de partículas que
viajam quase à velocidade da luz.
Esta
e outras perguntas serão respondidas à medida que mais dados forem adquiridos
pelo EHT e sintetizados em algoritmos de computador. Esteja atento(a) à próxima
imagem esperada de um buraco negro - Sagitário A*, na nossa Via Láctea.
Fonte: Astronomia OnLine
Comentários
Postar um comentário
Se você achou interessante essa postagem deixe seu comentario!