O olho de Sauron ataca novamente!


Na constelação do Peixe Autral fica uma das estrelas mais brilhantes do céu, a Formalhaut, que foi traduzida do árabe como 'boca do peixe' pelos gregos. Formalhaut tem o dobro da massa do nosso Sol e é 16 vezes mais luminosa, melhor ainda, está a apenas 25 anos luz de distância. Por que isso é bom? Porque essa estrela tem algo muito interessante e se estivesse mais distante, talvez demorássemos muito para entender seu mistério.  Formalhaut é bem brilhante, mas quando olhamos para ela com instrumentos capazes de enxergar o infravermelho, vemos que ela é bem mais brilhante do que deveria ser. A causa mais comum para casos como esse é haver uma grande quantidade de poeira rodeando a estrela. A poeira absorve luz e esquenta, mas ao mesmo tempo emite esse calor na forma de radiação infravermelha. A nuvem que forma estrelas e planetas têm muito gás, mas muita poeira também, que vai sendo consumida durante a formação e o que sobrou vai sendo literalmente assoprado para fora do sistema. Apesar do Sistema Solar já ter uns 5 bilhões de anos, um pouco dessa poeira primordial ficou no nosso sistema e pode ser vista em locais muito escuros como a luz zodiacal. Como a idade estimada de Formalhaut é de aproximadamente 450 milhões de anos, essa é uma explicação bem plausível.

Na década de 1990 o telescópio Hubble obteve uma imagem impressionante de Formalhaut em que fica bem clara a existência de um anel ao seu redor. Como ela é uma estrela muito brilhante, foi necessário usar um procedimento para ocultá-la e com isso revelar estruturas mais fracas ao seu redor. O resultado desse procedimento deixou a estrela com a cara do famoso olho de Sauron dos filmes dá série "O Senhor dos Anéis". Uma pequena estrutura não exatamente parte do anel chamou a atenção, pois se movimentava ano após ano em uma órbita ao redor da estrela. Inicialmente pensou-se em um planeta, mas investigações posteriores com o telescópio espacial Spitzer, lançado para observar no infravermelho, mostraram que a estrutura deve ser apenas um condensado de gás e um pouco de poeira.

embra daquele conjunto 66 de radiotelescópios para observar em comprimentos de onda de milímetros chamado ALMA? Então, pesquisadores usando esse conjunto de antenas que formam o maior observatório da Terra divulgaram um imagem de Formalhaut e seu anel. Nesse comprimento de onda, a origem da radiação é a emissão oriunda de gás ou poeira bem frios, tipo 200 graus abaixo de zero. A emissão da estrela, para as antenas do ALMA, não representa quase nada e nem atrapalha a emissão que vem do anel. Com isso foi possível estudar em detalhes a estrutura dele.

Por exemplo, ele é realmente uma elipse, como a imagem sugere, com a parte mais próxima da estrela a uma distância de 18 bilhões de km e a parte mais distante a 23 bilhões de km. Sua largura é de 2 bilhões de km, o que representa a órbita de Saturno e mais 500 milhões de km. Em outras palavras, é um anel muito grande. Ele bem pode ter sido formado pela ação de planetas, seja na borda interna quando na borda externa, varrendo a poeira da região, mas o fato de nem o Hubble e nem o Spitzer ter achado nada conspiram contra essa hipótese. 

ALMA (ESO/NAOJ/NRAO); M. MacGregor
Mas o mais legal que o ALMA encontrou no anel foi sua composição química. Ele é muito rico em monóxido de carbono, o temido CO, na forma de gelo. E o que a descoberta de um gás tóxico tem de legal? O gelo de CO está presente no núcleo de cometas, ou seja, estamos primeira vez observando cometas orbitando outra estrela! Na verdade devemos estar observando o farelo de cometas, mais do que o próprio núcleo, mas certamente eles estão lá!

Outro aspecto legal é que a abundância de CO medida no anel é muito parecida com a abundância do mesmo CO em cometas do nosso Sistema Solar. Isso é uma evidência muito forte em favor da teoria de formação de estrelas. Ainda que alguns detalhes devem mudar de estrela para estrela, no geral elas se formam a partir do colapso de uma nuvem de gás e poeira que forma um disco. A condensação central do disco leva a formação da estrela e o que sobra formam os planetas, cometas, asteroides e etc. 
Encontrar cometas em outra estrela, ainda que de forma indireta, com a mesma abundância de uma substância química encontrada em nosso sistema, indica não só que os processos de formação de estrelas foram muito parecidos, mas também que o impacto da estrela recém formada no resto da nuvem se processou de forma muito parecida. Com o passar do tempo esse anel deve desaparecer, com a ação do vento de Formalhaut ou mesmo com a aglutinação do material para formar planetas, ou mais cometas. Mas o fato dele estar a apenas 25 anos luz de distância nos permite estuda-lo para entendermos os detalhes da formação de novos mundos.
Créditos :  Cássio Barbosa

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