Ondas gravitacionais? Estrelas de nêutrons? Kilonovas? O que a nova detecção astronômica significa
Galáxia NGC 4993, cerca de 130 milhões de anos-luz da Terra. (A.J. Levan, N.R. Tanvir/ESO)
No ano de 2017 cientistas anunciaram a primeira observação de um evento cósmico usando
detectores de ondas gravitacionais e telescópios convencionais de ondas
eletromagnéticas. Eles testemunharam um kilonova, uma violenta explosão
brilhante que ocorre quando duas estrelas de nêutrons colidem.
A descoberta foi um grande
empreendimento. Milhares de pesquisadores de diversas áreas da física e da
astronomia desempenharam papéis cruciais. E há muita ciência para entender a
partir desta detecção. Separamos algumas perguntas e respostas básicas a respeito
desta descoberta:
Relembrando,
o que são as ondas gravitacionais?
As ondas gravitacionais são
ondulações no espaço-tempo causadas por eventos cósmicos. Elas viajam à mesma
velocidade que a luz no vácuo, 300.000 km/s. Sua existência foi prevista por Albert
Einstein em 1916, a partir de suas equações de campo de sua teoria da
relatividade geral.
Einstein tinha descoberto que
a gravidade era uma consequência da forma como massa deforma o espaço-tempo.
Objetos sentam-se no tecido do Universo como bolas de boliche em um trampolim,
curvando o espaço ao seu redor. É por isso que luas orbitam planetas e planetas
orbitam o Sol – não é porque eles estão ligados por coleiras cósmicas, mas
porque o espaço-tempo está curvado em torno do objeto maior, e os objetos menores
são capturados para o centro gravitacional gerado pelo corpo maior. De forma
análoga, os planetas seriam como bolas de gude caindo para o centro da
curvatura do trampolim (espaço-tempo), gerada pelas bolas de boliche (estrelas
de nêutrons).
Agora imagine um trampolim
com duas bolas de boliche em cima. As ondas gravitacionais são o que poderia
acontecer se você quebrasse duas bolas de boliche e lhes causasse uma explosão.
O cataclismo iria vibrar o tecido do trampolim, enviando ondas para fora em direção
à borda. Quando dois buracos negros colidem, ou quando as estrelas de nêutrons
se fundem, as ondas gravitacionais do evento provocam ondulações através do
Universo.
O
que é uma estrela de nêutrons?
Estrelas de nêutrons são
formadas quando uma estrela de porte médio (com cerca de quatro a oito vezes
maior do que o sol) morre e explode em supernova. Ou seja, a medida que camadas
exteriores da estrela são arrancadas, os restos se colapsam para dentro da
estrela, formando um núcleo pequeno, compactado e tão denso que uma única
colher de chá de matéria pesaria um bilhão de toneladas.
As estrelas de nêutrons que
colidiram para criar a kilonova observada por astrônomos eram pequenas o
suficiente para caber dentro da parte central de Washington DC, mas cada uma
continha tanta matéria quanto o Sol.
“É a maior limite para algo
estar e existir em nosso Universo”, disse Andy Howell, astrônomo do
Observatório Las Cumbres sediado na
Califórnia e um professor da Universidade da Califórnia, Santa Barbara.
A intensa gravidade de uma
estrela de nêutrons esmaga seus átomos, compacta prótons e elétrons juntos até
que eles se combinem para formar nêutrons – partículas subatômicas sem carga.
O
que uma kilonova e o que acontece durante este tipo de explosão?
“Nova é uma palavra antiga.
Basicamente, significa nova estrela“, disse Michael Siegel, um astrônomo da
Universidade Penn State, que lidera a equipe de instrumentação ultravioleta
para o satélite Swift da NASA. Astrônomos há muito tempo observam novos pontos
de luz no céu à noite e assumiam que tinham testemunhado o nascimento de
estrelas novas nascendo.
Mas o termo nova é um
equívoco. Estas Novas não eram completamente novos objetos – em vez disso,
estes eram sóis existentes que inflamaram-se e cuspiram luz brilhante antes de
morrer.
Os cientistas cunharam o
termo kilonova cerca de uma década atrás, quando eles calcularam que deve haver
eventos 1.000 vezes mais brilhante no jardim cósmico das novas, mas são menos
brilhantes que as supernovas. As Kilonovas geralmente são precedidas de
explosões de raios gama e elas são tipos específicos de explosões que fundem
elementos acima do Ferro. Os astrônomos muitas vezes chamam estes eventos
de “macronovas” (um termo, na opinião de
Howell, que soa “estúpido”). “Estamos longe de resolver este problema da
terminologia”, disse Howell.
“Isso foi muito
gratificante”, disse o astrofísico teórico da Universidade Columbia Brian D.
Metzger, cujo trabalho envolve prever as contrapartes eletromagnéticas para
ondas gravitacionais, na chamada astronomia multi-mensageira.
colisões de estrelas de
nêutrons disparam jatos de matéria radioativa para o espaço. Seus feixes foram
emitidos em linhas retas: Metzger disse que era quase como se você
esmagasse com a palma da mão um tubo
cheio de creme dental com buracos em ambas as extremidades. “Uma grande
quantidade de matéria sairá voando para fora”, disse ele. Estes são materiais
que o Universo não pode gerar de outra maneira. A fusão estrelas de nêutrons
cria o equivalente a 10.000 massas terrestres em ouro e dezenas de massas
terrestres em urânio.
O cataclismo na galáxia NGC
4993 sugere que fusões de estrela de neutrões é o processo dominante, em que o
universo cria ouro, platina e outros elementos, dito Metzger. “Esse tem sido um
mistério em torno de 60 anos.”
Espectros do instrmento
ePESSTO e do instrumento X-shooter do Very Large Telescope, do ESO
(Observatório Europeu do Sul) sugerem a presença de césio e telúrio ejetados
das estrelas de nêutrons em fusão. Estes e outros elementos pesados, produzidos
durante a fusão de estrelas de neutrões, iriam ser soprados para dentro do
espaço pela kilonova subsequente. Estas observações confirmam a formação de elementos mais
pesados do que o ferro através de reações nucleares dentro objetos estelares de
alta densidade, conhecido como
processo-r de nucleossíntese estelar, algo que só era anteriormente teorizado.
As estrelas de nêutrons em
questão eram, provavelmente, dois sóis em um sistema binário. Uma após o outro
elas se tornaram cascas mortas. Eles circularam entre si, sacudindo as ondas
gravitacionais, que por sua vez puxaram-nas para mais perto. Imagine duas
grandes bolas de gude rolando para o fundo de um funil, até se depararem com
uma paulada catastrófica.
Como
exatamente os detectores de ondas gravitacionais funcionam?
Existem três detectores de ondas
gravitacionais no planeta: dois em Louisiana, estado de Washington e um na
Itália, perto de Pisa. Os sensores americanos do observatório LIGO são tubos em
forma de L, com 2,5 milhas de comprimento, com um sistema que bombeia o todo o
ar para fora. O detector Virgo, na Itália, é em forma de V, e é também possui
um sistema de vácuo de forma semelhante.
Instalações nos detectores
emitem um feixe de laser, que é dividido e abatido em cada tubo. No final de
cada tubo existe um espelho. Em condições normais, os lasers atingem os
espelhos e voltam para o detector, ao mesmo tempo. Mas se algo distorce o
tecido do espaço, os lasers não serão mais sincronizados, pois o espaço entre o
detector e o espelho será encurtado ou esticado. A dificuldade está em perceber
o retorno assíncrono: as ondulações são incomensuravelmente pequenas – muito
menores do que o diâmetro de um átomo.
O detector Virgo, que ficou
on-line neste verão, ajudou os pesquisadores
a atingir o local da colisão. O pesquisador do Instituto de Tecnologia
de Massachusetts, David Shoemaker, porta-voz da Colaboração Científica LIGO,
descreveu os três detectores como os pés de um tripé de câmera. A onda viaja
até as pernas do tripé, e o local onde os pés se encontram é o objeto cósmico
de interesse – neste caso, a fusão estrela de nêutrons.
Por
que tantos cientistas envolvidos?
Entender o que há por trás de
uma colisão astrofísica requer conhecimento de relatividade geral (para
entender por que as estrelas se fundiram), hidrodinâmica (para entender como
eles colidem) e física nuclear (para entender quais elementos eles produziram),
disse Metzger. E isso é apenas a parte teórica da coisa. Esta detecção
gravitacional e o acompanhamento através de telescópios envolveu professores,
cientistas, engenheiros, técnicos e estudantes (incluindo pesquisadores
brasileiros).
Havia mais de 3.500 nomes na
lista de autores do maior artigo que está para sair desta observação. “É uma
coisa monumental, um testemunho de muitas de pessoas que trabalham em
conjunto,” disse Shoemaker (até mesmo, ele acrescentou, é provável que, dado o
grande número de pesquisadores, alguns dos nomes dos autores estarão incorretos
ou ausentes).
Esta é a quinta detecção de
ondas gravitacionais da história. A primeira oriunda de estrelas de nêutrons em
fusão, e de brinde ainda tivemos uma contrapartida em forma do sinal em forma
de ondas de luz em várias detectada por
dezenas de telescópios em solo; a confirmação de uma detecção de uma kilonova a
partir desta colisão e a detecção da mais próxima gamma-ray burst (explosão de
raios gamma – o tipo de evento eletromagnético mais energético do Universo,) já
encontrada, cujo sinal vinha da mesma região do céu onde se situa as estrelas
de nêutrons. Sem dúvidas, esta foi uma das maiores colaborações científicas da
história da ciência, consolidou a astronomia de ondas gravitacionais como um
campo promissor e representou uma nova era da astronomia multi-mensageira.
Fonte: Universoracionalista.org
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