Gêmea da Via Láctea encontrada assombrosamente cedo na história do Universo

 Uma galáxia espiral distante, batizada de Alaknanda, acaba de desafiar tudo o que os astrônomos achavam saber sobre os primeiros tempos do cosmos

Imagem da galáxia espiral recém-descoberta Alaknanda (inserção), observada nas bandas de comprimento de onda mais curto do James Webb. Várias galáxias brilhantes do aglomerado Abell 2744, em primeiro plano, também são visíveis. Crédito: © NASA/ESA/CSA, I. Labbe/R. Bezanson/Alyssa Pagan (STScI), Rashi Jain/Yogesh Wadadekar (NCRA-TIFR)

Com braços espirais bem definidos e uma produção frenética de estrelas, ela parece uma versão jovem e turbinada da nossa própria Via Láctea, mas existiu quando o Universo tinha apenas cerca de 1,5 bilhão de anos, apenas um décimo da idade atual.

O achado foi possível graças ao Telescópio Espacial James Webb (James Webb), da NASA, que consegue captar a luz extremamente fraca que viajou bilhões de anos até nós. Os pesquisadores indianos Rashi Jain e Yogesh Wadadekar, do Centro Nacional de Astrofísica por Rádio em Pune, identificaram a galáxia em imagens profundas do James Webb e deram a ela o nome Alaknanda, inspirado em um dos rios que, junto com o Mandakini, forma as nascentes do sagrado Ganges. Curiosamente, Mandakini é também o nome em hindi para a Via Láctea.

Durante décadas, os cientistas acreditaram que galáxias espirais clássicas, com seus dois braços simétricos e elegantes, só conseguiam surgir depois de bilhões de anos de evolução tranquila. No Universo bebê, tudo deveria ser caótico: nuvens de gás colidindo, galáxias se fundindo violentamente, sem tempo nem calma para formar discos organizados e braços espirais. Para isso acontecer, é preciso que gás fresco chegue de forma constante, se acomode num disco giratório e que ondas de densidade muito sutis modelem os braços, tudo isso sem grandes batidas que destruam a estrutura delicada.

Alaknanda simplesmente ignora esse roteiro. Ela já exibe dois braços espirais majestosos que partem de um núcleo brilhante e arredondado, estendendo-se por cerca de 30 mil anos-luz. Além disso, forma estrelas a uma velocidade impressionante, equivalente a 60 vezes a massa do Sol por ano, umas vinte vezes mais rápido que a Via Láctea atual. Metade de suas estrelas pode ter nascido em apenas 200 milhões de anos, um piscar de olhos em escala cósmica.

Painel esquerdo: Imagem de Alaknanda em filtros ultravioleta próximos no referencial de repouso. As regiões de formação estelar nos braços espirais formam um padrão de contas em um colar, característico da emissão ultravioleta de estrelas massivas em regiões de formação estelar. Painel direito: Alaknanda vista em filtros ópticos no referencial de repouso. Os braços espirais são menos proeminentes e o disco subjacente é claramente visível. Crédito: © NASA/CSA/ESA, Rashi Jain (NCRA-TIFR)

“Alaknanda tem a maturidade estrutural que associamos a galáxias bilhões de anos mais velhas”, diz Rashi Jain, autora principal do estudo publicado na revista Astronomy & Astrophysics. “Encontrar um disco espiral tão bem organizado nessa época significa que os processos de formação de galáxias, como a chegada de gás, a estabilização do disco e talvez até a criação de ondas de densidade espirais, funcionam de maneira muito mais eficiente do que os modelos atuais preveem. Estamos sendo obrigados a repensar a teoria do zero.”

O que tornou a observação ainda mais nítida foi um golpe de sorte cósmica: Alaknanda está alinhada atrás do enorme aglomerado de galáxias Abell 2744, conhecido como Aglomerado da Caixa de Pandora. A gravidade monstruosa do aglomerado curva o espaço-tempo e funciona como uma lente natural lente de aumento, tornando a luz da galáxia distante quase duas vezes mais brilhante e permitindo ao James Webb enxergar detalhes que normalmente estariam fora de alcance.

Analisando imagens em até 21 filtros diferentes de comprimento de onda, os cientistas conseguiram medir a distância exata, a quantidade de poeira, a massa total em estrelas e até o histórico de formação estelar de Alaknanda com precisão surpreendente.

Esse não é um caso isolado. Nos últimos anos, o James Webb vem mostrando que o Universo jovem era muito mais “adulto? do que imaginávamos. Várias galáxias em forma de disco já apareceram em épocas remotas, mas Alaknanda é um dos exemplos mais claros e belos de uma espiral clássica de “grande projeto? tão cedo na história cósmica, hoje a mais distante já confirmada desse tipo.

“De alguma forma, essa galáxia conseguiu juntar dez bilhões de massas solares em estrelas e organizá-las num disco espiral lindo em apenas algumas centenas de milhões de anos”, admira-se Yogesh Wadadekar. “É absurdamente rápido e nos força a reescrever o ritmo de montagem das primeiras galáxias.”

Agora os astrônomos querem entender como os braços espirais surgiram. Pode ter sido um fluxo contínuo e calmo de gás frio que permitiu às ondas de densidade esculpirem o disco, ou talvez a passagem próxima de uma galáxia companheira menor tenha dado o empurrão inicial, embora esses braços induzidos por maré costumem desaparecer rápido. Observações futuras com espectroscopia do James Webb ou com o radiotelescópio ALMA, no Chile, devem revelar se o disco de Alaknanda gira de maneira ordeira e fria ou se ainda guarda sinais de turbulência.

Mais do que uma imagem espetacular do passado distante, Alaknanda mexe com as bases da nossa compreensão sobre a evolução do Universo. Se galáxias complexas e estáveis surgiram tão cedo, o cosmos bebê foi muito mais ativo e produtivo do que pensávamos. Isso significa que as condições para o nascimento de estrelas, planetas e, quem sabe, até de vida podem ter aparecido bem antes do que os modelos antigos previam.

Enquanto o James Webb continua olhando cada vez mais fundo no tempo, é quase certo que mais primas distantes da Via Láctea vão aparecendo, cada uma trazendo novas pistas sobre como o Universo conseguiu crescer tão depressa e tão bonito logo nos seus primeiros bilhões de anos.

Terrarara.com.br

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