Nova maneira de enxergar a gravidade pode ser uma alternativa ao paradigma da matéria escura
A matéria escura é praticamente uma unanimidade entre a comunidade científica. Mas unanimidades também podem estar erradas. Por milênios, nós, humanos, tínhamos uma crença muito firme. Acreditávamos que nosso planeta, a Terra, estava no centro de um vasto universo, e todos os planetas, estrelas e os corpos celestes giravam em torno de nós.
Este modelo geocêntrico, apesar de ter sido considerado desde o século 6 aC, foi escrito por Claudius Ptolomeu em 140 dC. Quando esse modelo encontrou problemas, como os movimentos retrógrados dos planetas, os cientistas trabalharam novamente os dados para se adequarem ao modelo, criando fenômenos como epiciclos. Somente em 1543, 1400 anos depois, Nicolau Copérnico desencadeou uma mudança de paradigma que daria lugar a séculos de novas descobertas. De acordo com a teoria radical de Copérnico, a Terra não era o centro do universo, mas simplesmente um de uma longa lista de planetas orbitando ao redor do sol.
Mas mesmo com as evidências de que vivemos em um sistema heliocêntrico e cientistas como Galileo Galilei aperfeiçoando o modelo, a sociedade sustentou a crença de que todo o universo orbitava em torno da Terra até o início do século 19. Para Erik Verlinde, físico teórico da Universidade de Amsterdã, a ideia de matéria escura é o modelo geocêntrico do século 21. “O que as pessoas estão fazendo agora é permitir-se parâmetros livres para se adequarem aos dados”, diz Verlinde. “Você acaba com uma teoria que tem tantos parâmetros livres que é difícil de refutar”.
Gravidade como resultado da estrutura quântica do espaço
A
matéria escura, uma forma de matéria ainda não detectada que os cientistas
acreditam que compõe mais de um quarto da massa e da energia do universo, foi
primeiramente teorizada quando os cientistas notaram que as estrelas nas bordas
externas das galáxias e dos aglomerados de galáxias estavam se movendo muito
mais rápido do que a teoria da gravidade de Newton dizia que elas deveriam. Até
agora, os cientistas assumiam que a melhor explicação para isso é que deve
haver massa faltante no universo que manteria essas estrelas em movimento
rápido na forma de matéria escura.
Mas
Verlinde apresentou um conjunto de equações que explica essas curvas de rotação
galáctica através da observação da gravidade como uma força emergente – um
resultado da estrutura quântica do espaço.
A
ideia está relacionada à energia escura, que os cientistas pensam ser a causa
da aceleração da expansão do nosso universo. Verlinde acredita que o que vemos
como matéria escura na verdade são apenas interações entre galáxias e o mar de
energia escura em que elas estão incorporadas.
Antes
de começar a trabalhar nisso, nunca tive dúvidas sobre a matéria escura”, diz
Verlinde. “Mas, então, comecei a pensar nesta conexão com a informação quântica
e tive a ideia de que a energia escura está transportando mais da dinâmica da
realidade do que percebemos”.
Verlinde
não é o primeiro teórico a apresentar uma alternativa à matéria escura. Muitos
acham que sua teoria ecoa o sentimento das equações do físico Mordehai Milgrom
da “dinâmica Newtoniana modificada”, ou MOND. Assim como Einstein modificou as
leis de gravidade de Newton para caber na escala de planetas e sistemas
solares, a MOND modifica as leis da gravidade de Einstein para se ajustarem à
escala de galáxias e aglomerados de galáxias.
Verlinde,
no entanto, faz a distinção de que ele não está derivando as equações de MOND,
em vez disso ele está derivando o que ele chama de “relação de escala”, ou um
efeito de volume do espaço-tempo que só se torna importante a grandes
distâncias.
Stacy
McGaugh, astrofísico da Case Western Reserve University, nos EUA, diz que, enquanto
a MOND é principalmente a noção de que a força efetiva da gravidade muda com a
aceleração, as ideias de Verlinde são mais um trabalho teórico.
“Ele
está tentando olhar a estrutura do espaço-tempo e ver se o que chamamos de
gravidade é uma propriedade que emerge dessa estrutura quântica, daí o nome da
gravidade emergente”, diz McGaugh. “Em princípio, é uma abordagem muito
diferente que não necessariamente leva em consideração a MOND ou tem algo a ver
com isso”.
Uma
das coisas atraentes da teoria de Verlinde, diz McGaugh, é que naturalmente
produz evidências de MOND de uma maneira que “simplesmente acontece”. “Esse é o
tipo de coisa que se procura”, aponta. “Deve haver alguma base para que a MOND
aconteça, e essa teoria pode fornecer isso”.
Ceticismo entre os pares
As
ideias de Verlinde foram recebidas com bastante ceticismo na comunidade
científica, em parte porque, de acordo com Kathryn Zurek, física teórica do
Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, do Departamento de Energia dos EUA, sua
teoria deixa muitas coisas sem explicações.
“As
teorias da gravidade modificada apenas tentam explicar as curvas de rotação
galáctica [esses planetas em rápido movimento]”, diz Zurek. “Como evidência de
matéria escura, essa é apenas uma parte muito pequena do quebra-cabeça. A matéria
escura explica toda uma série de observações desde o tempo das microondas
cósmicas de fundo, quando o universo tinha apenas alguns centenas de milhares
de anos, através da formação de estruturas até hoje”.
Zurek
diz que, para que os cientistas comecem a dar peso às suas reivindicações,
Verlinde precisa desenvolver argumentos em torno de sua teoria e mostrar que
ela acomoda uma ampla gama de observações.
“Deve-se
sempre ‘cutucar’ o paradigma”, diz Zurek, “embora o paradigma da matéria escura
tenha sido extremamente bem-sucedido, você sempre quer verificar seus
pressupostos e certificar-se de que não está faltando algo que poderia ser a
ponta do Iceberg”, sugere.
McGaugh
teve uma crise de fé semelhante na matéria escura quando estava trabalhando em
uma experiência em que as previsões da MOND eram as únicas que se tornaram
realidade em seus dados. Ele estava fazendo observações de galáxias de brilho
superficial, nas quais as estrelas se espalham mais do que em galáxias como a
Via Láctea, onde as estrelas estão localizadas relativamente próximas umas das
outras.
McGaugh
diz que seus resultados não faziam sentido para ele no contexto padrão da
matéria escura, e descobriu-se que as propriedades que estavam confundindo ele
já haviam sido preditas pelas equações MOND de Milgrom em 1983, antes que as
pessoas tivessem começado a levar a sério a ideia de galáxias de brilho
superficial.
Embora
a experiência de McGaugh o tenha feito questionar a existência de matéria
escura e, em vez disso, defender a MOND, outros não foram tão rápidos em se
juntar à causa.
“Subscrevemos
um paradigma particular e a maior parte do nosso pensamento está limitado nos
limites desse paradigma e, portanto, se encontrarmos uma situação em que exista
uma mudança de paradigma, é realmente difícil pensar fora dessa caixa”, diz
ele. “Mesmo que tenhamos regras para o jogo quanto a quando você deveria mudar
de ideia e nós, em princípio, tentamos seguir isso, na prática há algumas
mudanças de mentalidade tão grandes que simplesmente não podemos superar a
nossa natureza humana”, tenta explicar.
Algo errado com as teorias da gravidade?
McGaugh
diz que muitos de seus colegas acreditam que há tantas evidências de matéria
escura que é uma perda de tempo considerar quaisquer alternativas. Mas ele
acredita que todas as evidências da matéria escura podem ser uma indicação de
que há algo errado com nossas teorias da gravidade.
“Eu
meio que me preocupo que estejamos nos dirigindo a mais mil anos de epiciclos
escuros”, diz McGaugh.
Mas,
de acordo com Zurek, se a MOND estivesse perto das evidências que foram
acumuladas pelo paradigma da matéria escura, as pessoas estariam reunidas em
torno dela. O problema, ela diz, é que, no momento, a MOND não está nem perto
de passar pela quantidade de testes que a matéria escura passou. Ela acrescenta
que existem alguns físicos que argumentam que o paradigma de matéria escura
pode, de fato, explicar essas observações sobre galáxias de brilho superficial.
Recentemente,
a Case Western realizou uma oficina em que se reuniram representantes de
diferentes comunidades, incluindo aqueles que trabalham em modelos de matéria
escura, para discutir galáxias anãs e o efeito de campo externo, que é a noção
de que objetos de muito baixa densidade serão afetados pelo que está em volta
eles. A MOND prevê que a dinâmica de uma pequena galáxia satélite dependerá de
sua proximidade com seu hospedeiro gigante de uma maneira que não acontece com
a matéria escura.
McGaugh
diz que na oficina havia um grupo de pessoas mais filosoficamente inclinadas
que usam um conjunto de regras para julgar as teorias, que eles compilaram ao
analisar como as teorias se desenvolveram no passado.
“Uma
das coisas interessantes que surgiram foi que a MOND está melhorando nesse
cartão de pontuação”, diz ele. “É mais progressiva no sentido de que está
fazendo previsões bem-sucedidas para novos fenômenos, enquanto no caso da
matéria escura tivemos que invocar repetidamente correções ad hoc ( algo com o
objetivo de legitimar uma teoria, e não em decorrência de uma compreensão objetiva
e isenta da realidade) para corrigir as coisas”.
As
ideias de Verlinde, no entanto, não surgiram muito na oficina. Enquanto McGaugh
diz que as duas teorias são tão intimamente relacionadas que esperava que as
mesmas pessoas que buscam a MOND estariam interessadas na teoria de Verlinde,
ele acrescentou que nem todos compartilham essa atitude. Muitos aguardam mais
desenvolvimento teórico e outros testes observacionais.
“A
teoria precisa fazer uma previsão clara para que possamos elaborar um programa
para testá-la”, diz ele. “Precisa ser desenvolvida para ir além de onde estamos
agora”.
Verlinde
diz que ele percebe que ainda precisa desenvolver mais suas ideias e
estendê-las para explicar coisas como a formação de galáxias e aglomerados de
galáxias. Embora ele tenha trabalhado principalmente nesta teoria por conta
própria, ele reconhece a importância de construir uma comunidade em torno de
suas ideias.
Ao
longo dos últimos meses, ele tem feito apresentações em diferentes
universidades americanas, incluindo Princeton, Harvard, Berkeley, Stanford e
Caltech. Atualmente, existe uma grande comunidade de pessoas que trabalham em
ideias de informação quântica e gravidade, diz ele, e seu objetivo principal é
conseguir que mais pessoas, em particular teóricos de cordas, comecem a pensar
em suas ideias para ajudá-lo a melhorá-las.
“Eu
acho que quando entendermos a gravidade melhor e usarmos essas equações para
descrever a evolução do universo, poderemos responder as perguntas mais
precisamente sobre como o universo começou”, diz Verlinde. “Eu realmente acho
que a descrição atual é apenas uma parte da história e há uma maneira muito
mais profunda de entendê-la – talvez uma maneira ainda mais bonita”.
Fonte:
Hypescience.com
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