Imensidão Galática - Parte 1

Os astrônomos apontam seus telescópios para descobrir a força e a beleza da Via Láctea

Na ampliação bem mais alta de um telescópio amador, a poeira escurece o centro da galáxia, ao mesmo tempo em que as regiões coloridas de Antares e Rho Ophiuchi brilham à direita.

É difícil ser modesto quando se vive na Via Láctea. Nossa galáxia é maior, mais brilhante e mais maciça que a maioria das outras. O disco de estrelas da Via Láctea, observável a olho nu, se estende por nada menos que 120 mil anos-luz. Em torno dele há outro disco, composto sobretudo de hidrogênio. E, envolvendo tudo o que os nossos telescópios conseguem captar, ainda existe, fora do alcance desses instrumentos, um enorme halo de matéria escura. Embora não emita luz, essa matéria tem uma massa que sobrepuja em muito a de centenas de bilhões de estrelas da Via Láctea, conferindo à galáxia uma massa total equivalente a 1 trilhão ou 2 trilhões de vezes a massa do Sol.

Nossa galáxia é tão imensa que dezenas de galáxias menores giram em torno dela, feito luas ao redor de um planeta gigante. A Via Láctea conta com, no mínimo, um planeta com vida inteligente. Galáxias gigantes, como ela e sua vizinha ainda maior, Andrômeda, têm condições de produzir abundante suprimento de ferro, oxigênio, silício, magnésio e outros elementos mais pesados que o hélio. Forjados pelas estrelas da Via Láctea, esses elementos pesados são os blocos básicos dos planetas terrestres.

Os elementos pesados também são essenciais à vida, como se comprova pelo oxigênio que respiramos, o cálcio dos ossos e o ferro no sangue. Em uma galáxia menor, quando uma estrela explode, essas matérias-primas são arremessadas no espaço e se dispersam. Na Via Láctea, porém, esses elementos encontram o gás e a poeira interestelares e são contidos pela força do imenso campo gravitacional. Tais obstáculos fazem com que percam velocidade e possam enriquecer as nuvens de gás com os ingredientes necessários para a formação de gerações de estrelas e planetas.

Foi o que ocorreu há 4,6 bilhões de anos, quando o Sol e a Terra se originaram de uma nebulosa interestelar hoje desaparecida. Pelo fato de vivermos no interior da Via Láctea, sabemos menos a respeito de sua aparência geral que a de galáxias mais distantes - assim como, sem um espelho, conhecemos melhor o rosto dos amigos que o nosso. A despeito disso, na última década os astrônomos fizeram várias descobertas sobre a galáxia, começando por revelações acerca do buraco negro em seu âmago.
Um véu de poeira cósmica nubla a galáxia sobre a cratera Haleakala, no Havaí. Panorama composto de três fotos unidas nas laterais

Todas as estrelas da Via Láctea giram em torno desse buraco negro, denominado Sagitário A* (abreviado para Sgr A*). O Sol, localizado a 27 mil anos-luz do centro galático, completa uma volta em torno dele a cada 230 milhões de anos. No espaço de apenas 1 ano-luz a partir do buraco enxameiam mais de 100 mil outras estrelas, prisioneiras de seu campo gravitacional. Algumas delas levam só uns poucos anos para completar suas órbitas. Essas trajetórias revelam que o Sgr A* possui uma massa 4 milhões de vezes maior que a do Sol, ou seja, um tanto mais maciço do que se imaginava uma década atrás.

De tempos em tempos, o buraco negro engole um pouco de gás, um planeta desgarrado ou uma estrela. O atrito e a gravidade aquecem a vítima a temperaturas tão altas que ela emite berros sob a forma de raio X. Eles iluminam as nuvens de gás próximas, que acabam preservando um registro de outros objetos ingeridos no passado. Por exemplo, em 2004 os cientistas captaram ecos de raio X em uma nuvem gasosa a 350 anos-luz do buraco negro. Como os raios X se deslocam à velocidade da luz, esses ecos indicam que algum objeto caiu no buraco negro há 350 anos.

O buraco negro também catapulta para longe as estrelas. Em 2005, os astrônomos identificaram uma estrela que se movia com rapidez a 200 mil anos-luz do centro galático. "Foi uma descoberta casual", comenta Warren Brown, do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica. Ele buscava "filamentos estelares" - resquícios de galáxias menores destroçadas pela força gravitacional da Via Láctea - quando topou com uma estrela na constelação Hydra afastando-se do meio da galáxia a 709 quilômetros por segundo, ou 2,55 milhões de quilômetros por hora. A essa velocidade, ela vai escapar do campo gravitacional da galáxia e se lançará no espaço intergalático. Até 2010, Brown e outros astrônomos haviam descoberto outras 15 dessas estrelas hipervelozes.

Em um assombroso exemplo de presciência, Jack Hills, na época trabalhando no Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México, havia previsto a ocorrência de um fenômeno similar. Em um artigo publicado em 1988, Hills afirmava que, se uma estrela binária - ou seja, duas estrelas que giram uma em torno da outra - chegasse bem perto do Sgr A*, um de seus componentes poderia ser atraído para o buraco negro, passando a percorrer uma órbita mais próxima dele e liberando com isso enorme quantidade de energia. Portanto, em conformidade com as leis físicas de conservação da energia, a outra estrela receberia um impulso igualmente poderoso, sendo arremessada para longe a uma velocidade tremenda.

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