O misterioso planeta de ferro
Quem tem medo de envelhecer iria se horrorizar de passar uma temporada no planeta KOI 1843.03. Lá, um ano dura pouco mais de quatro horas. Ou seja, até que o dia de hoje termine aqui na Terra, aquele pequenino mundo terá dado quase seis voltas completas em torno do seu sol. Você adivinhou: é preciso ser de ferro para aguentar o negócio. Essa é da série “mundos estranhos”, cortesia de Saul Rappaport, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos EUA. Ele e sua equipe andaram investigando os planetas com menor período — ou seja, tempo de translação — contidos no vasto banco de dados coletados pelo satélite Kepler (aquele que morreu de morte matada na semana passada).
O mais curto que eles encontraram foi o KOI 1843.03, descoberto no ano passado, com meras 4h15. Ele tem 60% do diâmetro da Terra (ou seja, mais ou menos do mesmo porte que Marte) e orbita uma estrela anã laranja (classe K, para os entendidos), com cerca de metade do tamanho do nosso Sol. A estimativa do diâmetro é resultado direto da detecção pelo Kepler. O telescópio espacial descobre planetas detectando diminutas reduções de brilho de sua estrela-mãe ocasionada pela passagem deles à frente dela — minieclipses, ou, no linguajar dos astrônomos, trânsitos. Assim, conforme o tamanho dessa diminuição momentânea do brilho, os pesquisadores podem estimar o tamanho.
Bacana, o tamanho, nesse caso, é documento. Mas é como se fosse apenas o RG do planeta. Sem o CPF, ele não consegue nem abrir crediário. E, em matéria de exoplanetas, o CPF é a massa. Mas por que diabos toda essa burocracia na hora de estudar exoplanetas? A Serasa costuma investigá-los? Ah, o que acontece é que só podemos tentar adivinhar de que eles são feitos tendo simultaneamente a massa e o volume. Com esses dois valores, podemos calcular a densidade, que por sua vez é uma pista bem boa da composição.
ATALHO
São pouquíssimos os planetas de pequeno porte fora do Sistema Solar que tiveram sua massa e seu tamanho medidos. E o KOI 1843.03 é tão pequenino que não há equipamento no mundo hoje capaz de detectar os efeitos gravitacionais que ele causa em sua estrela para determinar sua massa. Então, como diabos os cientistas sabem que esse mundo é feito de ferro?
Rá, pegadinha do Rappaport! Ao estudar um mundo que gira tão perto de sua estrela, ele pode deduzir a composição por simples exclusão. Planetas gasosos não conseguem sobreviver tão perto de suas estrelas. Mesmo orbes rochosos, similares à Terra, seriam destroçados pelo efeito de maré violentíssimo causado pela estrela próxima. Restam planetas com uma densidade de pelo menos 7 gramas por centímetro cúbico. Ou, em outras palavras, bolotas que sejam pelo menos 70% feitas de ferro!
Na mesma baciada, os pesquisadores anunciaram a descoberta de um outro mundo, ao redor da estrela Kepler-78, uma estrela anã amarela, tipo G (o mesmo do Sol), que completa um ano em 8h30. Eles foram incapazes de estimar a densidade, mas estão apostando que observações subsequentes poderão indicar a massa. E aí, pimba, também poderão chutar de que esse planeta é feito.
E O QUICO?
Tá bem, eu sei que o maior apelo da busca por planetas fora do Sistema Solar é encontrar outras Terras, potenciais abrigos para a vida. E é óbvio que esses mundos bizarros não qualificam. Suas temperaturas são altas demais para qualquer criatura viva. Ainda assim, determinar a variedade de sistemas planetários lá fora nos ajuda a entender quão comuns são os análogos do Sistema Solar e quais as chances de encontrarmos planetas tão interessantes quanto o nosso, do ponto de vista biológico.
Sem falar que há uma certa satisfação em saber que o Universo é mais criativo do que antes imaginávamos. Até que os primeiros exoplanetas fossem descobertos, os astrônomos imaginavam que todos os sistemas iam ter mais ou menos a mesma carinha que o nosso. O que estamos vendo é exatamente o oposto disso.
Fonte: Folha
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