Primeira detecção de um exoplaneta "invisível" com base em previsões teóricas

Impressão artística do sistema Kepler-88. Crédito: Alexandre Santerne (CAUP)/ESO/Serge Brunier

Uma equipe de astrónomos europeus, incluindo o português Alexandre Santerne (Centro de Astrofísica da Universidade do Porto), membro da EXOEarths, usou o espectrógrafo SOPHIE no Observatório de Alta Provença (França) para confirmar a presença de Kepler-88 c, um planeta invisível anteriormente previsto graças à perturbação gravitacional que provoca no seu irmão, Kepler-88 b, planeta este que transita em frente da estrela hospedeira. O objectivo principal do telescópio espacial Kepler era procurar trânsitos periódicos em centenas de milhares de estrelas. Foram descobertos mais de 3500 destes trânsitos periódicos durante os 4 anos da missão. No entanto, nem todos os planetas localizados no campo de visão do Kepler transitam a sua estrela-mãe.
 
Na verdade, se o seu plano orbital está ligeiramente desalinhado (nem que seja por apenas poucos graus) com a linha de visão da Terra, o planeta não passa em frente da estrela e, portanto, é "invisível" ao Kepler. Os planetas que partilham a mesma estrela hospedeira interagem gravitacionalmente uns com os outros. Esta interacção entre planetas pode provocar perturbações nos tempos previstos para os trânsitos em sistemas multi-planetários. "A isto chamamos Variações no Tempo de Trânsito (TTV - Transit Timing Variations)," explica a primeira autora do artigo, Susana Barros, investigadora no LAM (Laboratoire d'Astrophysique de Marseille).
 
A técnica TTV é sensível a planetas em sistemas múltiplos até à massa da Terra e, portanto, pode ser usada para revelar a existência de planetas [que não transitam] que causam perturbações no movimento orbital de planetas em trânsito. Este é o caso do sistema Kepler-88, que alberga um planeta em trânsito (Kepler-88 b), descoberto pelo Kepler da NASA e que é fortemente perturbado por um planeta que não transita (Kepler-88 c). "Este sistema apresenta interacções tão fortes que ganhou o apelido de rei das variações de trânsito", acrescenta Rodrigo Diaz, pesquisador que trabalha no Observatório de Genebra (OAUG).
 
Uma análise cuidadosa da interacção dinâmica entre os planetas, previamente realizada por uma equipa liderada por David Nesvorny (SwRI - Southwest Research Institute ou Instituto de Pesquisa do Sudoeste), previu que este sistema tinha dois planetas perto de uma ressonância de 2 para 1 (o período orbital do planeta exterior invisível é exactamente duas vezes mais longo que o planeta interior em trânsito). Esta configuração é semelhante à da Terra e Marte no nosso Sistema Solar, em que Marte orbita o Sol quase a cada 2 anos. Usando o SOPHIE, a equipa mediu independentemente a massa de Kepler-88 c. "O SOPHIE é um instrumento capaz de medir a velocidade de estrelas com uma precisão equivalente à de medir a velocidade de uma bicicleta. Até agora foi usado para caracterizar quase 20 dos planetas do Kepler", realça Alexandre Santerne do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP), responsável pela observação dos alvos do Kepler com o SOPHIE.
 
A massa inferida para o planeta invisível está em perfeito acordo com o valor previsto com o método TTV. "Esta é a primeira vez que a massa de um exoplaneta 'invisível', calculada com base em Variações no Tempo de Trânsito, é confirmada de forma independente por outra técnica," comenta Susana Barros. Assim, este resultado confirma o TTV como uma técnica válida para detectar planetas invisíveis e explorar sistemas multiplanetários. A TTV já foi usada para determinar a massa de mais de 120 exoplanetas detectados pelo Kepler, em torno de 47 sistemas planetários, planetas estes com até uma massa várias vezes superior à da Terra.
 
"Esta confirmação independente é uma contribuição muito importante para as análises estatísticas de sistemas multiplanetários do Kepler. Ajuda a melhor compreender as interacções dinâmicas e a formação de sistemas planetários. Permite também antecipar o futuro da exploração de sistemas de exoplanetas a partir do espaço com a missão PLATO," conclui Magali Deleuil, líder da equipa de exoplanetas do Laboratório de Astrofísica de Marselha.
 
Neptuno foi o primeiro planeta detectado com base na influência gravitacional que exercia sobre outro planeta (Úrano). O matemático francês Urbain Le Verrier calculou que as anomalias na órbita de Úrano eram devidas a uma ressonância de 2 para 1 de um planeta que ainda não tinha sido observado. Os seus cálculos levaram Johann Gottfried Galle a descobrir Neptuno a 23 de Setembro de 1846. O artigo científico foi publicado na edição de 17 de Dezembro da revista Astronomy & Astrophysics.
Fonte: Astronomia On-Line

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