Estas estrelas fugiram de uma guerra gravitacional
Imagem da Nebulosa Kleinmann-Low, parte do complexo da Nebulosa de Orionte, composta por imagens óticas e infravermelhas do Hubble. A radiação infravermelha permite perscrutar através da poeira da nebulosa e ver as estrelas no seu interior. As estrelas reveladas têm um tom avermelhado. Os astrónomos procuravam planetas flutuantes e anãs castanhas. Como efeito colateral, descobriram uma veloz estrela fugitiva.Crédito: NASA, ESA/Hubble
Enquanto os descobridores portugueses do século XV exploravam terras africanas, um grupo de estrelas travava uma luta contenciosa - uma guerra estelar na distante Nebulosa de Orionte. As estrelas lutavam entre si num conflito gravitacional, que terminou com o sistema a afastar-se e com pelo menos três estrelas expelidas em direções diferentes. As velozes estrelas desertoras passaram despercebidas durante centenas de anos até que, nas últimas décadas, duas delas foram detetadas em observações no rádio e no infravermelho, comprimentos de onda que podem penetrar a espessa poeira da Nebulosa de Orionte.
As observações mostraram que as duas estrelas viajavam a altas velocidades em direções opostas uma à outra. A origem das estrelas, no entanto, era um mistério. Os astrónomos traçaram ambas as estrelas 540 anos para o passado, até ao mesmo local, e sugeriram que faziam parte do mesmo, atualmente extinto, sistema múltiplo. Mas a energia combinada da dupla, que agora as está a levar para fora, não batia certo. Os investigadores argumentaram que deveria haver pelo menos uma outra culpada, culpada esta que roubou energia do lançamento estelar.
Agora, o Telescópio Espacial Hubble da NASA ajudou os astrónomos a descobrir a peça final do puzzle, ao encontrar a terceira estrela fugitiva. Os astrónomos seguiram o percurso da estrela recém-descoberta de volta ao mesmo local onde as duas estrelas anteriormente conhecidas estavam localizadas há 540 anos. O trio reside numa pequena região de jovens estrelas chamada Nebulosa Kleinmann-Low, perto do centro do vasto complexo da Nebulosa de Orionte, localizada a 1300 anos-luz da Terra.
Esta ilustração mostra como um grupo estelar pode fragmentar-se, expelindo os seus membros para o espaço. Painel 1: membros de um sistema múltiplo orbitam-se uns aos outros. Painel 2: duas das estrelas movem-se para mais perto uma da outra ao longo das suas órbitas; Painel 3: as duas estrelas eventualmente ou se fundem ou formam um binário íntimo. Este evento liberta energia gravitacional suficiente para expulsar todas as estrelas do sistema. Crédito: NASA, ESA e Z. Levy (STScI)
"As novas observações do Hubble fornecem evidências muito fortes de que as três estrelas foram expelidas de um sistema múltiplo," afirma o investigador principal Kevin Luhman, da Universidade Estatal da Pensilvânia, EUA. "Os astrónomos já tinham encontrado, anteriormente, alguns outros exemplos de estrelas em rápido movimento que traçaram de volta a sistemas estelares múltiplos e que, portanto, provavelmente foram arremessadas. Mas estas três estrelas são os exemplos mais jovens de estrelas ejetadas. Têm provavelmente apenas algumas centenas de milhares de anos. De facto, com base nas imagens infravermelhas, as estrelas ainda são jovens o suficiente para albergar discos de material deixado para trás aquando da sua formação."
Todas as três estrelas se movem extremamente depressa para fora da Nebulosa Kleinmann-Low, a quase 30 vezes a velocidade da maioria dos habitantes estelares da nebulosa. Com base em simulações de computador, os astrónomos preveem que estas guerras gravitacionais ocorram em enxames jovens, onde as estrelas recém-nascidas se aglomeram. "Mas não temos observado muitos exemplos, especialmente em enxames muito jovens," comenta Luhman. "A Nebulosa de Orionte pode estar rodeada por outras estrelas ejetadas no passado e que agora fogem para o espaço."
Os resultados da equipe foram publicados na edição de 20 de março da revista The Astrophysical Journal Letters. Luhman tropeçou na terceira estrela veloz, chamada "fonte x," enquanto caçava planetas flutuantes na Nebulosa de Orionte como membro de uma equipe internacional liderada por Massimo Robberto do STScI (Space Telescope Science Institute) em Baltimore, no estado norte-americano de Maryland.
A imagem captada pelo Hubble mostra um grupo de jovens estrelas, a que damos o nome de Enxame do Trapézio (centro). A 1.ª inserção realça a localização das três estrelas. O local do nascimento do sistema múltplo está marcado como "initial position". Duas das estrelas - BN e "I", para fonte I - foram descobertas há décadas atrás. A fonte I está embebida em poeira espessa e não pode ser vista. Descobriu-se recentemente que a terceira estrela, "x", para fonte x, moveu-se bastante entre 1998 e 2015, tal como mostra a segunda inserção.Crédito: NASA, ESA, K. Luhman (Universidade Estatal da Pensilvânia) e M. Robberto (STScI)
A equipe usou a visão infravermelha do instrumento WFC3 (Wide Field Camera 3) do Hubble para realizar o levantamento. Durante a análise, Luhman comparava novas imagens infravermelhas obtidas em 2015 com observações de 1998 pelo NICMOS (Near Infrared Camera and Multi-Object Spectrometer). Ele notou que a fonte x havia mudado consideravelmente de posição, em relação às estrelas próximas, nos 17 anos entre as imagens do Hubble, indicando que a estrela se movia rapidamente, a mais de 200.000 km/h.
O astrónomos então olharam para as posições anteriores da estrela, projetando o seu caminho de volta no tempo. Ele percebeu que, na década de 1470, a fonte x estivera perto da mesma localização inicial na Nebulosa Kleinmann-Low que as outras duas estrelas fugitivas, Becklin-Neugebauer (BN) e "fonte I."
BN foi descoberta em 1967 com recurso a imagens infravermelhas, mas o seu rápido movimento só foi detetado em 1995, quando observações no rádio determinaram que a velocidade da estrela rondava os 96.000 km/h. A fonte I viaja a aproximadamente 35.400 km/h. A estrela só havia sido detetada no rádio; dado que está fortemente envolta em poeira, a sua luz visível e infravermelha é amplamente bloqueada. As três estrelas provavelmente foram expulsas do seu lar natal quando se envolveram num "jogo de bilhar" gravitacional, comenta Luhman. O que muitas vezes acontece quando um sistema múltiplo desmorona é que duas das estrelas se aproximam o suficiente uma da outra, fundem-se ou formam um binário muito íntimo.
Em ambos os casos, o evento liberta energia gravitacional suficiente para impulsionar para fora todas as estrelas do sistema. O episódio energético também produz um fluxo massivo de material, que pode ser visto em imagens do NICMOS como "dedos" de matéria que flui para longe da posição da embebida estrela apelidada de fonte I.
Os telescópios futuros, como o JWST (James Webb Space Telescope), vão ser capazes de observar uma grande faixa da Nebulosa de Orionte. Através da comparação de imagens da nebulosa, obtidas pelo JWST, com aquelas obtidas anos antes pelo Hubble, os astrónomos esperam identificar mais estrelas fugitivas que se separaram de outros sistemas múltiplos.
Fonte: Astronomia OnLine
Comentários
Postar um comentário
Se você achou interessante essa postagem deixe seu comentario!