Via Láctea sofreu surto de formação estelar há 2 a 3 bilhões de anos
A região de formação estelar Rho Ophiuchi, observada pelo satélite Gaia da ESA. Os pontos brilhantes são enxames estelares que contêm as estrelas mais massivas e jovens da região. Os filamentos escuros traçam a distribuição do gás e da poeira, onde estão a nascer novas estrelas. Esta não é uma fotografia convencional, mas o resultado da integração de toda a radiação recebida pelo satélite durante os 22 meses de estudo contínuo do céu. Crédito: ESA/Gaia/DPAC
Uma
equipe liderada por investigadores do Instituto de Ciências do Cosmos da
Universidade de Barcelona (ICCUB) e do Observatório Astronómico de Besançon
(França) descobriu, através da análise de dados do satélite Gaia, que ocorreu,
há 2 a 3 mil milhões de anos, um surto extremo de formação estelar na Via
Láctea.
Neste processo podem ter nascido mais de 50% das estrelas que criaram o
disco galáctico. Os resultados são derivados da combinação das distâncias,
cores e magnitudes das estrelas medidas pelo Gaia com modelos que preveem a sua
distribuição na nossa Galáxia. O estudo foi aceite para publicação na revista
Astronomy & Astrophysics.
Assim
como uma chama se apaga quando não há gás no isqueiro, o ritmo da formação
estelar na Via Láctea, alimentado pelo gás aí depositado, deveria ter diminuído
lentamente e de forma contínua até esgotar o gás existente. Os resultados do
estudo mostram que, embora este processo tenha ocorrido ao longo dos primeiros
4 mil milhões de anos da formação do disco, uma explosão de formação estelar,
ou "baby boom estelar", inverteu esta tendência.
A fusão com uma
galáxia satélite da Via Láctea, rica em gás, pode ter fornecido novo
combustível e reativado o processo de formação estelar, de forma semelhante a
abastecer o isqueiro. Este mecanismo explicaria a distribuição das distâncias,
idades e massas estimadas a partir dos dados obtidos pelo satélite Gaia da ESA.
"A
escala de tempo deste forte surto de formação estelar, juntamente com a grande
quantidade de massa estelar envolvida no processo, milhares de milhões de
massas solares, sugere que o disco da nossa Galáxia não teve uma evolução
estável e pausada, mas que pode ter sofrido um grande distúrbio externo que
começou há cerca de 5 mil milhões de anos", disse Roger Mor, investigador
do Instituto e autor principal do artigo.
"Conseguimos
descobrir isto, pela primeira vez, graças às medições precisas de mais de 3 milhões
de estrelas na vizinhança solar," diz Roger Mor. "Graças a estes
dados - continua - pudemos descobrir os mecanismos que controlam a evolução há
mais de 10 mil milhões de anos no disco da nossa Galáxia, que não é mais do que
a banda brilhante que observamos no céu numa noite escura e sem poluição
luminosa".
Como em muitos outros campos de investigação, hoje em dia,
estes achados foram possíveis graças à disponibilidade da combinação de uma
grande quantidade de dados com precisão sem precedentes, com a disponibilidade
de uma grande quantidade de horas de computação nas instalações financiadas
pelo projeto europeu FP7 GENIUS (Gaia European Project for Improved data User
Services) - no Centro de Serviços Científicos e Académicos da Catalunha.
Os
modelos cosmológicos preveem que a nossa Galáxia teria crescido devido à fusão
com outras galáxias, facto demonstrado por outros estudos que usam dados do
Gaia. Uma destas fusões pode ser a causa do surto severo de formação estelar
detetado neste estudo.
"Na verdade, o pico de formação estelar é tão
evidente, ao contrário do que previmos antes de termos dados do Gaia, que
achámos necessário abordar a sua interpretação juntamente com especialistas em
evolução cosmológica de galáxias externas," explica Francesca Figuerars,
professora do Departamento de Física Quântica e Astrofísica da Universidade de
Barcelona, membro do ICUUB e coautora do artigo.
Segundo
o especialista em simulações de galáxias parecidas à Via Láctea, Santi
Roca-Fàbrega - da Universidade Complutense de Madrid e coautor do artigo,
"os resultados obtidos correspondem aos que os modelos cosmológicos atuais
preveem e, além disso, a nossa Galáxia, aos olhos do Gaia, é um laboratório
cosmológico excelente onde podemos testar e comparar modelos do Universo a uma
muito maior escala."
Missão
Gaia até 2020
Este
estudo foi realizado com a segunda divulgação de dados da missão Gaia,
publicada há um ano, no dia 25 de abril de 2018. Xavier Luri, diretor do ICUUB
e coautor do artigo, comenta: "o papel dos cientistas e engenheiros da
Universidade de Barcelona tem sido essencial para que a comunidade científica
desfrute da excelente qualidade da divulgação de dados do Gaia."
Do
consórcio encarregado de preparar e validar estes dados fazem parte mais de 400
cientistas e engenheiros de toda a Europa. "O seu trabalho coletivo
forneceu à comunidade científica internacional um catálogo que está a fazer
repensar muitos dos cenários existentes sobre a origem e evolução da nossa
Galáxia," salienta Luri.
Em
apenas um ano, mais de 1200 artigos revistos por pares publicados em revistas
científicas, mostram o antes e o depois do Gaia em praticamente todos os campos
da astrofísica, desde a recente deteção de novos enxames estelares, novos
asteroides, até à confirmação das origens extragalácticas para estrelas na Via
Láctea, passando pelo cálculo da massa da Via Láctea e pelas descobertas que
mostram que remanescentes estelares, chamados anãs brancas, acabam por
solidificar-se lentamente.
"O
satélite continua a operar normalmente e neste mês de julho os cinco meses
nominais de operação científica chegarão ao fim," realça Carme Jordi,
investigadora da Universidade de Barcelona e membro da Equipa Científica do
Gaia, órgão consultor científico da ESA para esta missão.
A ESA aprovou o
prolongamento da missão até ao final de 2020 - mais um ano do que o esperado -
e as equipas de engenharia estimam que exista combustível suficiente para
continuar a operar até 2024. "Não há dúvida que esta missão superou um
desafio tecnológico sem precedentes no que toca às mais importantes missões
espaciais de todos os tempos," conclui Carme Jordi.
Fonte: ccvalg.pt/astronomia
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