O espaço-tempo

Primeiramente, deve-se ter em mente que o senso comum, aquela nossa capacidade natural de entender como as coisas ao nosso redor funcionam através de nossos sentidos, não é muito útil na física porque o universo é muito mais estranho do que os nossos sentidos conseguem perceber. Para falar sobre o espaço-tempo, primeiramente preciso explicar um pouco do contexto para assim vocês entenderem melhor. Então senta que vem um pouco de história.  Antes que Albert Einstein entrasse em cena com o seu famoso paper de 1905, a comunidade científica estava de mãos atadas com problemas que não se encaixavam na mecânica clássica (ou mecânica de Newton), o problema principal era a velocidade da luz. A primeira medição da velocidade da luz (usando a lua de Júpiter, Io, como referência) ocorreu em 1676 pelo astrônomo Ole Romer com uma grande margem de erro.

Mas em 1879 o físico Abraham Michelson mediu a velocidade da luz com uma margem de erro de apenas 50 quilômetros por segundo (houve muitas medições mais precisas do que esta depois), em 1881 ele inventou o interferômetro e com isto ele provou que a luz viaja numa velocidade constante relativo a qualquer sistema inercial de referencia. Ou seja, não importa a velocidade em que você esteja, a luz sempre está na mesma velocidade relativo a você.

Antes do paper de Einstein mencionado lá em cima, acreditava-se que tudo se movia de forma perfeitamente geométrica – assim como em uma simulação 3D de computador. Mas como a luz está sempre na mesma velocidade relativo ao observador, é como se todas as leis da mecânica clássica não fossem válidas para a luz, e isso não faz sentido.

Vou dar um exemplo para vocês compreenderem melhor: imagine que você está mensurando a velocidade do vento enquanto está em repouso relativo ao chão, você mede que a velocidade atual do vento é 10 km/h, e agora você está num carro movimentando-se a 2 km/h relativo ao chão na mesma direção em que o vento está indo, então você mede a velocidade do vento mais uma vez, o resultado vai ser 8 km/h. Isso é clássico, ou seja, isto está de acordo com a semântica de Newton.

Mas com a luz isso não acontece, não importa a velocidade que você está viajando, não importa a direção que a luz vem ou que você vai, o resultado de qualquer medição que você faça dela sempre será o absoluto 299.792.458 m/s. E o que isso nos diz? Foi a partir disso que os pilares da mecânica clássica começaram a cair...

E isso tudo nos leva a repensar; o que é velocidade? De acordo com a física clássica, velocidade é o espaço que você andou pelo tempo que você andou baseado num ponto de referência. E o raciocínio de Einstein foi o seguinte: se eu estou em repouso e observo (com um medidor) que a luz está movendo-se a 299.792.458 m/s e depois eu estou movimentando-se muito rápido e observo novamente que a luz está movendo-se a 299.792.458 m/s também, se a velocidade da luz não está mudando à medida que minha velocidade muda, então é o tempo e o espaço que está mudando. E essa foi a solução de Einstein para a velocidade da luz. Foi daí que surgiu o termo Espaço-Tempo (Spacetime).

Há experimentos com isso, o mais famoso deles foi em 1971, constituía de medir a dilatação do tempo usando relógios atômicos de césio transportados em aviões: dois aviões saíram em direções opostas (leste e oeste) para dar uma volta ao mundo através do equador. Eles – o físico Joseph Carl Hafele e o astrofísico Richard E. Keating – calcularam que devido aos efeitos da relatividade especial, relatividade geral, direção leste/oeste, velocidade relativa dos dois aviões, altitude e duração da viagem, o avião que foi para o leste iria perder 40 nanosegundos e o avião que foi para o oeste iria ganhar 275 nanosegundos relativo ao terceiro relógio atômico que ficou no chão para servir como referencia.

Depois que o experimento terminou, os dados dos relógios foram reunidos, o resultado mostrou que o relógio que foi para o leste perdeu 59 nanossegundos, enquanto o que foi para o oeste ganhou 273 nanossegundos. As variáveis são inevitáveis, pois não há como garantir que ambos os aviões permanecessem precisamente na mesma altitude e velocidade durante todo o percurso, além do fato de que existem variações gravitacionais mínimas em diferentes locais do planeta Terra devido à densidade de algumas partes ser maior do que de outras.

Existe uma Física antes de Einstein e uma Física depois de Einstein. Quando Einstein nasceu já havia vários outros Físicos que já estavam mudando o paradigma da Física Clássica, mas Einstein foi o Físico teórico que historicamente marcou a transformação da Física Clássica para o que nós chamamos de Física Moderna. E hoje, na Física Moderna, sabemos que o espaço-tempo é uma dimensão física real. A gravidade, o que antes pensávamos que era uma força de atração é, na verdade, uma curvatura no próprio tecido tridimensional do espaço-tempo.

Para vocês entenderem melhor, pensem em propulsão. O que é propulsão? Se você empurrar uma pessoa, você irá gerar propulsão tanto para a pessoa quanto para você. Ou seja, propulsão é transferência de energia cinética por colisão. Classicamente falando, você não pode acelerar sem propulsão. Em outras palavras, você não pode ganhar velocidade sem sentir inercia.

Mas a gravidade acelera você sem que você sinta inercia. Se você estiver em queda livre na Lua, sua velocidade estará aumentando até que você atinja o chão. Você estará acelerando 1,6 metros a cada segundo, mas você não sentirá isso, se você tiver um detector de inercia ele medirá o valor zero.

Voltando para aquele mesmo raciocínio "se você não sente inércia, então a sua velocidade não está mudando". Se a sua velocidade não está mudando, então como que você está se aproximando da superfície lunar cada vez mais rápido? Lembra de eu ter dito lá em cima que velocidade é o espaço que você andou pelo tempo que você andou? Então, existem duas formas de você mudar a sua velocidade: a primeira é através da propulsão e a segunda é através do tempo.

Para ilustrar isso melhor, pois eu sei que isso não é nem um pouco intuitivo, imagine uma timeline de um vídeo no youtube, você clica em play para executar o vídeo e em seguida você vê na tela do vídeo algumas pessoas movimentando-se da esquerda para a direita. Para que as pessoas movimentem-se mais rápido existem duas maneiras, a primeira maneira é alguém vir correndo por trás e empurrar as pessoas pelas costas (transferindo energia cinética para elas), e a segunda maneira é você acelerar o tempo do vídeo. 

Para você conseguir se movimentar pelo espaço você precisa de tempo. Sem o tempo sua posição espacial permanece a mesma. Da mesma forma que você precisa do fator tempo para se movimentar pelo espaço, a sua velocidade relativa pode ser alterada caso o fator tempo seja alterado.

O nosso universo está flutuando (por assim dizer) nesse campo tridimensional que nós chamamos de espaço-tempo. As formas de energia que têm massa (partículas que interagem curvando o espaço-tempo) geram gravidade, como elétrons, quarks, neutrinos... O espaço-tempo é uma dimensão que dita uma regra fundamental: a distância entre dois objetos é fundamentalmente determinada pelo espaço-tempo, assim como a velocidade relativa entre eles. O que eu quero dizer com isso, é que tudo está interagindo com o espaço tempo. Em outras palavras, a matéria diz para o espaço-tempo como se curvar e o espaço-tempo diz para a matéria como se mover.

Do contrário ao que antes pensávamos ser apenas um conceito puramente humano, o tempo é uma dimensão real e o espaço está conectado a ele. É uma dimensão com duas propriedades eu assim diria. Quando você acelera, o tempo passa mais devagar para você e o mesmo efeito ocorre quando você está na superfície de um objeto com uma gravidade proporcional a tal aceleração, isso é o que nós chamamos de Princípio da Equivalência.

Para entender isso melhor há um experimento mental que vai lhe permitir visualizar: imagine que você está em um quarto sem janelas e sem portas aqui na superfície da Terra onde a gravidade é 9,8 m/s², você irá sentir uma aceleração constante de 9.8 m/s². E agora imagine que você está neste mesmo quarto, mas agora o quarto está no espaço. Abaixo do piso há um motor de foguete que está proporcionando uma aceleração de 9,8 m/s² para o quarto, você irá sentir uma aceleração constante de 9.8 m/s².

A conclusão disso é que não existe nenhum experimento que você possa fazer dentro deste quarto para determinar se o quarto está na superfície da Terra ou está no espaço. Ou seja, não há nenhuma diferença entre estar em repouso na superfície da Terra e estar no espaço acelerando 9.8 m/s². E em termos de relatividade do tempo, o efeito é igual. Se você acelerar a 99% da velocidade da luz, o efeito temporal será igual a você estar de pé na superfície de um objeto cuja gravidade lhe proporciona a mesma aceleração.

Gostaria de dizer que todas essas explicações que eu dei sobre o espaço-tempo, é uma tentativa de traduzir o que as equações nos dizem. Uma tentativa de ilustrar a realidade como ela é para o senso comum, que nada mais é do que a mente humana que essencialmente entende o universo de maneira clássica.
Créditos: Jonathan Torres

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