Supernovas "gémeas" abrem novas possibilidades para cosmologia de precisão

A figura no canto superior esquerdo mostra o espectro - brilho vs. comprimento de onda - de duas supernovas. Uma está perto e a outra muito distante. Para medir a energia escura, os cientistas precisam de medir a distância entre as duas com muita precisão, mas como é que sabem que são iguais? A figura em baixo à direita compara o espectro - mostrando que são, de facto, "gémeas". Isto significa que as suas distâncias relativas podem ser medidas com uma precisão de 3%. O ponto brilhante no centro superior é uma imagem, obtida pelo Hubble, da supernova 1994D (SN1994D) na galáxia NGC 4526. Crédito: figura - Zosia Rostomian/Berkeley Lab; fotografia - NASA/ESA

Os cosmólogos descobriram uma maneira de duplicar a precisão da medição de distâncias até explosões de supernova - uma das suas ferramentas testadas e comprovadas para o estudo da misteriosa energia escura que está a fazer com que o nosso Universo se expanda cada vez mais depressa. Os resultados da colaboração SNfactory (Nearby Supernova Factory), liderada por Greg Aldering do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (Berkeley Lab) do Departamento de Energia dos EUA, permitirão aos cientistas estudar a energia escura com precisão e exatidão bastante aprimoradas e fornecer uma verificação cruzada poderosa da técnica através de vastas distâncias e do tempo. 

As descobertas também serão fundamentais para as próximas experiências cosmológicas que vão usar novos telescópios terrestres e espaciais para testar explicações alternativas da energia escura. 

Estas descobertas são relatadas em dois artigos publicados na revista The Astrophysical Journal, com Kyle Boone como autor principal. Atualmente pós-doutorado na Universidade de Washington, Boone é um ex-aluno do laureado com o Prémio Nobel Saul Perlmutter, cientista sénior do Berkeley Lab e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, que liderou uma das equipas que originalmente descobriu a energia escura. Perlmutter é também coautor de ambos os estudos. 

As supernovas foram usadas em 1998 para fazer a surpreendente descoberta de que a expansão do Universo está a acelerar, ao invés de desacelerar como era esperado. Esta aceleração - atribuída à energia escura que compõe dois-terços de toda a energia no Universo - foi desde então confirmada por uma variedade de técnicas independentes, bem como por estudos mais detalhados de supernovas. 

A descoberta da energia escura dependeu da utilização de uma classe específica de supernovas, as do Tipo Ia. Estas supernovas explodem sempre com quase o mesmo brilho máximo intrínseco. Dado que o brilho máximo observado da supernova é usado para inferir a sua distância, as pequenas variações restantes no brilho máximo intrínseco limitaram a precisão com a qual a energia escura podia ser testada. Apesar de 20 anos de melhorias por muitos grupos, os estudos da energia escura por meio de supernovas até agora permaneceram limitados por estas variações. 

Quadruplicando o número de supernovas 

Os novos resultados anunciados pela colaboração SNfactory vêm de um estudo de vários anos dedicado inteiramente a aumentar a precisão das medições cosmológicas feitas com supernovas. A medição da energia escura requer comparações dos brilhos máximos de supernovas distantes a milhares de milhões de anos-luz de distância com os de supernovas próximas a "apenas" 300 milhões de anos-luz de distância. A equipa estudou centenas destas supernovas próximas com detalhes requintados. 

Um exemplo de uma supernova: o PTF (Palomar Transient Factory) capturou a SN 2011fe na Galáxia do Cata-Vento na vizinhança da Usa Maior no dia 24 de agosto de 2011. Crédito: B. J. Fulton, Rede Global de Telescópios do Observatório Las Cumbres

Cada supernova foi medida várias vezes, em intervalos de alguns dias. Cada medição examinou o espectro da supernova, registando a sua intensidade em toda a gama de comprimentos de onda da luz visível. Um instrumento feito sob medida para esta investigação, o SNIFS (SuperNova Integral Field Spectrometer), instalado no telescópio de 2,2 metros da Universidade do Hawaii em Maunakea, foi usado para medir os espectros. 

"Há muito tempo que temos esta ideia de que, se a física da explosão de duas supernovas fosse a mesma, os seus brilhos máximos seriam os mesmos. Usando os espectros da colaboração SNfactory como uma espécie de tomografia computorizada da explosão de supernova, pudemos testar esta ideia," disse Perlmutter. 

De facto, há vários anos a física Hannah Fakhouri, na altura uma estudante que trabalhava com Perlmutter, fez uma descoberta chave para os resultados de hoje. Olhando para uma variedade de espectros obtidos pela colaboração SNfactory, ela descobriu que, em vários casos, os espectros de duas supernovas diferentes pareciam quase idênticos. Entre as cerca de 50 supernovas, algumas eram gémeas virtualmente idênticas. Quando os espectros ondulantes de um par de gémeas foram sobrepostos, a olho nu havia parecia haver apenas uma única impressão. A análise atual baseia-se nesta observação para modelar o comportamento das supernovas no período de tempo perto do seu brilho máximo. 

O novo trabalho quase quadruplica o número de supernovas usadas na análise. Isto tornou a amostra grande o suficiente para aplicar técnicas de aprendizagem de máquina e identificar estas gémeas, levando à descoberta de que os espectros das supernovas do Tipo Ia variam de apenas três maneiras. Os brilhos intrínsecos das supernovas também dependem principalmente destas três diferenças observadas, tornando possível a medição das distâncias das supernovas com uma incrível precisão de cerca de 3%. 

Igualmente importante, este novo método não sofre os vieses que afetaram os métodos anteriores, vistos na comparação de supernovas encontradas em diferentes tipos de galáxias. Dado que as galáxias próximas são um pouco diferentes das distantes, havia uma séria preocupação de que tal dependência produzisse leituras falsas na medição da energia escura. Agora, esta preocupação pode ser bastante reduzida medindo supernovas distantes com esta nova técnica. 

Ao descrever este trabalho, Boone salientou: "A medição convencional de distâncias de supernovas usa curvas de luz - imagens obtidas em várias cores conforme uma supernova se ilumina e desvanece. Ao invés, usámos um espectro de cada supernova. Estes são muito mais detalhados e, com as técnicas de aprendizagem de máquina, tornou-se possível discernir o comportamento complexo que era a chave para medir distâncias mais precisas." 

Os resultados dos artigos de Boone vão beneficiar duas grandes experiências futuras. A primeira será no Observatório Vera Rubin de 8,4 metros, em construção no Chile, com o seu levantamento LSST (Legacy Survey of Space and Time). O segundo é o futuro Telescópio Espacial Nancy Grace Roman da NASA. Estes telescópios vão medir milhares de supernovas para melhorar ainda mais a medição da energia escura. Serão capazes de comparar os seus resultados com medições feitas usando técnicas complementares. 

Aldering, que também é coautor dos artigos, observou que "não apenas esta técnica de medição de distância é mais precisa, como requer apenas um único espectro, obtido quando uma supernova é mais brilhante e, portanto, mais fácil de observar - muda o jogo!" Ter uma variedade de técnicas é algo particularmente valioso neste campo, onde os preconceitos revelaram-se errados e a necessidade de verificação independente é alta.

Fonte: Astronomia OnLine

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