Quando um buraco negro se alimenta de uma estrela

Embora os buracos negros e as crianças pequenas não pareçam ter muito em comum, são notavelmente semelhantes num aspeto: ao comer, ambos sujam-se muito, gerando amplas evidências da ocorrência de uma refeição.

Esta ilustração mostra uma corrente brilhante de material de uma estrela, dilacerada enquanto é devorada por um buraco negro supermassivo. O buraco negro em alimentação é rodeado por um anel de poeira, não muito diferente do prato de uma criança, rodeado por bagos de arroz ou pingos de sopa após uma refeição.Crédito: NASA/JPL-Caltech

Mas ao passo que uma criança pode deixar bagos de arroz ou pingos de iogurte líquido, os buracos negros criam um rescaldo de proporções alucinantes. Quando um buraco negro engole uma estrela, produz o que os astrónomos chamam de "evento de perturbação de marés". A destruição da infeliz estrela é acompanhada por uma explosão de radiação que pode ofuscar a luz combinada de todas as estrelas na galáxia hospedeira do buraco negro durante meses, até anos. 

Num artigo publicado na revista The Astrophysical Journal, uma equipa de astrónomos liderada por Sixiang Wen, investigador pós-doutorado do Observatório Steward da Universidade do Arizona, usa os raios-X emitidos por um evento de perturbação de marés conhecido como J2150 para fazer as primeiras medições de massa e rotação do buraco negro. Este buraco negro é de um tipo específico - um buraco negro de massa intermédia - tipo este que durante muito tempo escapou à deteção. 

"O facto de termos sido capazes de avistar este buraco negro enquanto devorava uma estrela fornece uma oportunidade notável para observar o que de outra forma seria invisível," disse Ann Zabludoff, professora de astronomia na Universidade do Arizona e coautora do artigo. "Além disso, analisando o surto, fomos capazes de melhor entender esta categoria elusiva de buracos negros, que pode muito bem representar a maioria dos buracos negros no centro das galáxias." 

Quando uma estrela passa demasiado perto de um buraco negro, as forças gravitacionais criam marés intensas que dilaceram a estrela numa corrente de gás, resultando num fenómeno cataclísmico conhecido como evento de perturbação de marés. São libertadas imensas quantidades de energia, em alguns casos fazendo com que o evento brilhe mais do que a galáxia hospedeira. Crédito: Centro de Voo Espacial Goddard da NASA/Chris Smith (USRA/GESTAR)

Ao reanalisar dados de raios-X usados para observar o surto de J2150, e ao compará-lo com modelos teóricos sofisticados, os autores mostraram que esta explosão realmente teve origem num encontro entre uma estrela azarada e um buraco negro de massa intermédia. O buraco negro intermédio em questão tem uma massa particularmente baixa - para um buraco negro, isto é - equivalente a cerca de 10.000 massas solares. As emissões de raios-X do disco interno formado pelos fragmentos da estrela moribunda possibilitaram inferir a massa e a rotação deste buraco negro e classificá-lo como um buraco negro intermédio," disse Wen. 

Já foram observados, nos centros de grandes galáxias hospedando buracos negros supermassivos, dezenas de eventos de perturbação de marés, e um punhado também foi observado nos centros de pequenas galáxias que podem conter buracos negros intermédios. No entanto, os dados anteriores nunca foram detalhados o suficiente para provar que uma única explosão de perturbação de marés tinha sido alimentada por um buraco negro intermédio. 

"Graças às observações astronómicas modernas, sabemos que os centros de quase todas as galáxias que são semelhantes ou maiores em tamanho do que a nossa Via Láctea hospedam buracos negros supermassivos centrais," disse o coautor do estudo Nicholas Stone, professor da Universidade Hebraica em Jerusalém. "Este gigantes variam entre 1 milhão a 10 mil milhões de vezes a massa do nosso Sol, e tornam-se fontes poderosas de radiação eletromagnética quando demasiado gás interestelar cai na sua vizinhança." 

A massa destes buracos negros está intimamente correlacionada com a massa total das suas galáxias hospedeiras; as maiores galáxias hospedam os maiores buracos negros supermassivos. 

"Ainda sabemos muito pouco sobre a existência de buracos negros no centro de galáxias mais pequenas do que a Via Láctea," disse o coautor Peter Jonker da Universidade Radboud e do SRON (Netherlands Institute for Space Research), ambos nos Países Baixos. "Devido às limitações de observação, é um desafio descobrir buracos negros centrais muito mais pequenos do que 1 milhão de massas solares." 

Apesar da sua suposta abundância, as origens dos buracos negros supermassivos permanecem desconhecidas, e Jonker diz que atualmente muitas teorias diferentes competem para as explicar. Os buracos negros de massa intermédia podem ser as sementes a partir das quais os buracos negros supermassivos crescem. 

"Portanto, se tivermos uma melhor determinação de quantos buracos negros intermédios de pleno direito existem, isso pode ajudar a determinar quais as teorias de formação dos buracos negros supermassivos que estão corretas," disse. 

De acordo com Zabludoff, ainda mais empolgante é a medição da rotação de J2150 que o grupo conseguiu obter. A medição da rotação contém pistas de como os buracos negros crescem e, possivelmente, da física de partículas. 

Este buraco negro tem uma rotação rápida, mas não é a rotação mais rápida possível, explicou Zabludoff, levantando a questão de como o buraco negro atinge sequer tal rotação. 

"É possível que o buraco negro se tenha formado já assim e não tenha mudado muito desde então, ou que dois buracos negros de massa intermédia se tenham fundido recentemente para formar este," disse. "Nós sabemos que a rotação que medimos exclui cenários onde o buraco negro cresce ao longo de muito tempo devido à ingestão constante de gás ou de muitos 'lanches rápidos' oriundos de direções aleatórias." 

Além disso, a medição da rotação permite que os astrofísicos testem hipóteses sobre a natureza da matéria escura, que se pensa constituir a maior parte da matéria do Universo. A matéria escura pode consistir de partículas elementares desconhecidas ainda não vistas em experiências de laboratório. Entre os candidatos estão partículas hipotéticas como bosões ultraleves, explicou Stone. 

"Se essas partículas existirem e tiverem um determinado intervalo de massas, impedirão que um buraco negro de massa intermédia tenha uma rotação rápida," disse. "No entanto, o buraco negro de J2150 está a girar depressa. Portanto, a nossa medição da rotação exclui uma classe ampla de teorias de bosões ultraleves, mostrando o valor dos buracos negros como laboratórios extraterrestres para a física de partículas." 

No futuro, os autores esperam que novas observações de eventos de perturbação de marés possam permitir que os astrónomos preencham as lacunas na distribuição de massa dos buracos negros. 

"Se descobrirmos que a maioria das galáxias anãs contém buracos negros de massa intermédia, então irão dominar o ritmo de perturbações de marés estelares," disse Stone. "Ao ajustar a emissão de raios-X destes surtos a modelos teóricos, podemos realizar um censo da população de buracos negros de massa intermédia no Universo," acrescentou Wen. 

No entanto, para tal precisamos de observar mais eventos de perturbação de marés. É por isso que os astrónomos depositam muitas esperanças nos novos telescópios que serão colocados online em breve, tanto na Terra quanto no espaço, incluindo o Observatório Vera C. Rubin, também conhecido como LSST (Legacy Survey of Space and Time), que deverá descobrir milhares de eventos de perturbação de marés por ano.

Fonte: Astronomia OnLine

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cavalo-marinho cósmico

Mu Cephei

Eta Carinae

Fobos sobre Marte

Nebulosa Crew-7

Agitando o cosmos

Júpiter ao luar

Isolamento galáctico

Astrônomos encontram planetas ‘inclinados’ mesmo em sistemas solares primitivos

Galáxia Messier 101