Dezenas de lentes gravitacionais recentemente descobertas podem revelar galáxias antigas e a natureza da matéria escura

No início deste ano, um algoritmo de aprendizagem de máquina identificou até 5000 potenciais lentes gravitacionais que poderiam transformar a nossa capacidade de traçar a evolução das galáxias desde o Big Bang.

Doze das 68 lentes gravitacionais confirmadas pelos astrónomos nesta equipa de investigação. Crédito: Kim-Vy H. Tran et al. 2022

Agora, a astrónoma Kim-Vy Tran e colegas avaliaram 77 destas lentes utilizando o Observatório Keck no Hawaii e o VLT (Very Large Telescope) no Chile. Ela e a sua equipa internacional, incluindo Lisa Kewley do Centro para Astrofísica | Harvard & Smithsonian, confirmaram que 68 das 77 são lentes gravitacionais fortes que cobrem vastas distâncias cósmicas.

A taxa de sucesso de 88% sugere que o algoritmo é fiável e que poderá haver milhares de novas lentes gravitacionais. Até à data, as lentes gravitacionais têm sido difíceis de encontrar e apenas cerca de uma centena são usadas rotineiramente.

O artigo de Tran, publicado na revista The Astronomical Journal, apresenta a confirmação espectroscópica de lentes gravitacionais fortes previamente identificadas usando CNN (Convolutional Neural Networks), desenvolvido pelo cientista de dados Colin Jacobs do ASTRO 3D e da Universidade de Swinburne.

O trabalho faz parte do levantamento AGEL (ASTRO 3D Galaxy Evolution with Lenses).

"A nossa espectroscopia permitiu-nos mapear uma imagem 3D das lentes gravitacionais para mostrar que são genuínas e não mera sobreposição casual", diz Tran do ASTRO3D (ARC Centre of Excellence for All Sky Astrophysics in 3-Dimensions) e da Universidade de Nova Gales do Sul.

"O nosso objetivo com o AGEL é confirmar espectroscopicamente cerca de 100 lentes gravitacionais fortes que podem ser observadas tanto do hemisfério norte como do hemisfério sul ao longo do ano", diz ela.

O artigo científico é o resultado de uma colaboração que abrange todo o globo com investigadores da Austrália, dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Chile.

O trabalho foi possível graças ao desenvolvimento do algoritmo de procura por determinadas assinaturas digitais.

"Esta investigação funde as lentes gravitacionais, um efeito previsto por Einstein, com técnicas modernas de aprendizagem de máquina para aumentar drasticamente as nossas descobertas de galáxias no Universo distante", diz Kewley, coautora do estudo e diretora do Centro para Astrofísica | Harvard & Smithsonian. "Esta é a primeira espreitadela ao que será uma avalanche de dados de galáxias com lentes para nos ajudar a compreender como galáxias como a nossa Via Láctea se formaram e evoluíram ao longo de 13 mil milhões de anos de tempo cósmico".

O fenómeno de lente gravitacional foi inicialmente identificado por Einstein, que previu que a luz se "dobra" em torno de objetos massivos no espaço da mesma forma que a luz se "dobra" através de uma lente.

Ao fazê-lo, amplia em muito as imagens de galáxias que de outra forma não conseguiríamos ver.

Embora já há algum tempo que sejam utilizadas para observar galáxias distantes, a descoberta destas lupas cósmicas tem sido um caso de sucesso e de insucesso. 

"Estas lentes são muito pequenas, de modo que se tivermos imagens difusas, não vamos conseguir realmente detetá-las", diz Tran.

Embora estas lentes nos permitam ver mais claramente objetos que estão a milhões de anos-luz de distância, também nos devem deixar "ver" a invisível matéria escura que compõe a maior parte do Universo.

"Sabemos que a maior parte da massa é escura", diz Tran. "Sabemos que a massa 'dobra' a luz e, por isso, se pudermos medir a quantidade de luz 'dobrada', podemos então inferir quanta massa deve estar lá". Ter muitas mais lentes gravitacionais a várias distâncias também nos dará uma imagem mais completa da linha temporal que remonta quase ao Big Bang.

"Quantas mais lupas cósmicas tivermos, maior será a possibilidade de tentar examinar estes objetos mais distantes. Esperamos poder medir melhor a demografia de galáxias muito jovens", diz Tran.

Depois, algures entre as primeiras galáxias e a Terra, ocorre muita evolução, com pequenas regiões de formação estelar que convertem gás pristino nas primeiras estrelas, e depois no Sol".

"E assim, com estas lentes a diferentes distâncias, podemos olhar para diferentes pontos da linha temporal cósmica para seguir essencialmente como as coisas mudam ao longo do tempo, entre as primeiras galáxias e agora".

A equipe de Tran estendeu-se pelo globo, com cada grupo fornecendo conhecimentos diferentes.

"Ser capaz de colaborar com pessoas, em diferentes universidades, tem sido tão crucial, tanto para a montagem do projeto em primeiro lugar, como agora continuando com todas as observações de acompanhamento", realça.

Stuart Wyithe da Universidade de Melbourne e Diretor do ASTRO 3D, diz que cada lente gravitacional é única e diz-nos algo de novo.

"Para além de serem belos objetos, as lentes gravitacionais proporcionam uma janela para estudar como a massa é distribuída em galáxias muito distantes que não são observáveis através de outras técnicas. Ao introduzir formas de utilizar estes novos grandes conjuntos de dados do céu para procurar muitas novas lentes gravitacionais, a equipa abre a oportunidade de ver como as galáxias obtêm a sua massa", diz.

Karl Glazebrook, da Universidade de Swinburne, e colíder científico de Tran no artigo, prestaram homenagem ao trabalho que já tinha sido realizado antes.

"Este algoritmo foi desenvolvido por Colin Jacobs na Universidade de Swinburne. Ele 'peneirou' dezenas de milhões de imagens de galáxias para reduzir a amostra a 5000. Nunca sonhámos que a taxa de sucesso fosse tão elevada", diz.

"Agora estamos a obter imagens destas lentes com o Telescópio Espacial Hubble, que vão desde imagens de uma beleza inspiradora a imagens extremamente estranhas que vão exigir um esforço considerável para entender".

Tucker Jones da Universidade da Califórnia em Davis, outro colíder científico do artigo, descreveu a nova amostra como "um gigantesco passo em frente na aprendizagem de como as galáxias se formam ao longo da história do Universo".

"Graças ao efeito de lente, podemos aprender como são estas galáxias primitivas, de que são feitas e como interagem com o seu ambiente".

O estudo foi realizado em colaboração com investigadores da Universidade de Nova Gales do Sul, da Universidade de Swinburne, da Universidade Nacional Australiana, da Universidade Curtin, da Universidade de Queensland na Austrália, da Universidade da Califórnia em Davis, da Universidade de Portsmouth, Reino Unido e da Universidade do Chile.

Fonte: Astronomia OnLine

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