Que tipo de galáxia surgirá da fusão entre Via Láctea e Andrômeda?
Nossa galáxia, a Via Láctea, faz parte de algo chamado Grupo Local, que por sua vez é composto por mais de 54 galáxias. A maioria são anãs e algumas dessas já foram incorporadas à nossa galáxia através de colisões ocorridas há muito tempo. E, um dia, as duas maiores do Grupo Local — Via Láctea e Andrômeda — também colidirão, e o resultado provavelmente será diferente do que astrônomos previram antes da década de 2000.
(Imagem: Reprodução/Nasa/Esa/Hubble/E A. Evans/Nrao/K. Noll/J. Westphal)
Muito
do que se previu na época em relação a esta grande colisão está correto, mas
nos últimos 20 anos os astrônomos descobriram algumas coisas reveladoras sobre
a morfologia das galáxias e sobre a formação de cada tipo (principalmente
espirais e elípticas). Essas descobertas mudaram a percepção sobre que tipo de
galáxia resultará a partir da fusão entre Via Láctea e Andrômeda (vamos
apelidar essa nova galáxia de Androláctea).
A
imagem acima é um diagrama evolutivo que descreve o que deve acontecer após a
grande colisão. No último quadro está uma galáxia elíptica, porque os
cientistas calculavam que esse tipo de galáxia era o resultado mais provável de
uma colisão entre duas espirais. Muito do que está ilustrado ali está correto,
mas hoje os cientistas chegam cada vez mais à conclusão de que a maioria das
fusões não resulta em uma elíptica.
Em
cada fusão entre duas galáxias espirais de massa significativa, como a Via
Láctea e Andrômeda, ocorrem vários processos ao longo de alguns milhares de
anos. Primeiro, as duas galáxias interagem gravitacionalmente, o que resulta em
forças de marés (onde o lado de um objeto mais próximo de outro objeto
experimenta uma atração gravitacional maior do que o lado oposto). Em outras
palavras, cada galáxia terá um de seus lados interagindo mais que o outro,
comprimindo-se e atraindo-se cada vez mais.
Isso
faz que faz com que as nuvens de gás de ambas as galáxias se comprimam, o que
levará à formação de estrelas e diminuição da quantidade de gás. As novas
estrelas então criarão ventos estelares, que podem enviar uma boa quantidade de
gás que ainda restou para fora. As órbitas estelares evoluem em várias direções
e tudo pode ficar meio caótico no início, como no quadro 5 da imagem acima, o
que parece sugerir que uma galáxia elíptica será formada.
Dito
isto, é possível que o resultado seja mesmo uma elíptica, mas não é provável,
segundo observações recentes com instrumentos de última geração. Nos últimos 20
anos, os pesquisadores passaram a usar instrumentos capazes de enxergar muito
mais longe, bem mais próximo do início do universo do que gerações anteriores
de astrônomos poderiam nem sequer sonhar. Com isso, podemos entender melhor
como, quando e por que elas se formaram.
Como
formar uma galáxia elíptica
Reprodução/NASA/ESA/The Hubble Heritage Team)Hubble/E A. Evans/Nrao/K. Noll/J. Westphal)
No
“livro de receitas astronômicas” (que obviamente não existe, mas é um nome mais
simpático que “modelos teóricos astronômicos”), há duas maneiras de criar uma
galáxia elíptica. A primeira é o colapso monolítico, que é quando uma grande
massa de matéria rica em gás entra em colapso sob sua própria gravidade para
formar uma grande quantidade de estrelas. Elas criarão fortes ventos galácticos
que empurrarão parte do gás que restou, para no final as estrelas evoluam e
envelheçam. Nesse caso, restará pouco gás para formação de estrelas no futuro.
O
segundo meio é a fusão hierárquica, na qual duas galáxias espirais colidem com
outras e se fundem. Quando isso ocorre com duas galáxias de massa
aproximadamente igual, haverá novos episódios intensos de formações estelares,
com órbitas aleatórias. Então, muito tempo depois, acontecerá o mesmo que no
caso anterior, ou seja, o vento estelar ejetará o gás e a nova galáxia será
pobre em material de formação de novas estrelas. Agora, em qual das duas
categorias as galáxias existentes se encaixa?
Uma
boa maneira é classificá-las pelo meio onde elas “vivem”, e há três principais
classes: galáxias de campo (que não estão gravitacionalmente ligadas a outras
galáxias), as que estão em pequenos grupos (como a nossa) e aglomerados. Quase
todas as galáxias de campo são espirais de algum tipo, enquanto as elípticas
são relativamente raras. Nos grupos, as elípticas ainda são em menor número,
mas se tornam menos incomuns do que no campo. Já nos grandes aglomerados, a
coisa muda bastante. No centro deles, há aglomerados menores onde existe uma
distribuição mais equilibrada entre espirais e elípticas.
Isso
nos sugere que há muito mais chances de uma galáxia elíptica se formar nos
aglomerados colossais e massivos, e também é onde há muito mais probabilidade
de acontecer grandes colisões. Por outro lado, esses ambientes massivos
surgiram de uma região do espaço que, logo após o Big Bang, já eram
superdensas. Durante a expansão, elas foram as que mais puderam atrair cada vez
mais massa para si por causa da imensa gravidade, e assim elas cresceram para
se tornar as regiões mais repletas de estruturas galácticas de hoje.
Um aglomerado de galáxias no início do universo (Imagem: Reprodução/ESO/M. Kornmesser)
O
que isso tudo nos diz? Bem, para completar o quadro, precisamos olhar para as
galáxias em si, especialmente as elípticas. Isso pode ser feito através de
fotometria, o que nos dará informações sobre os comprimentos de onda que
prevalecem em suas luzes, além de nos mostrar quanto gás e poeira estão
presentes. Essas informações podem dar muitas piscas sobre quando e onde
ocorreram os maiores episódios da formação estelar no passado, e então
finalmente podemos dizer se os processos que formaram as elípticas incluem
colisões entre duas espirais grandes.
Felizmente
os astrônomos fizeram todo esse trabalho para nós, e descobriram que quase
todas as elípticas formaram a grande maioria de suas estrelas há muito tempo e
não tiveram episódios relevantes de formação estelar nos últimos 9 a 11 bilhões
de anos. Por outro lado, grandes fusões de grandes galáxias ricas em gás eram
comuns quando o universo tinha apenas 2 a 3 bilhões de anos, desencadeando
explosões de formação de estrelas.
Somando
todas essas informações e conferindo o nosso livro de receitas, parece razoável
afirmar com certa segurança que a maioria das galáxias elípticas de hoje surgiu
de uma combinação de colapso monolítico e de várias grandes fusões ocorridas
dentro de um rico aglomerado, onde os ventos estelares que sempre aparecem após
episódios furiosos de formação de estrelas expulsam o gás. Com isso, a maioria
delas parou de formar estrelas quando o cosmos tinha apenas ⅓ de sua idade atual. Isso está longe de ser o caso da futura Androláctea,
que estão em um pequeno grupo.
Isso
significa que galáxias elípticas não podem se formar a partir de outros meios?
Na verdade, podem, mas isso foi muito mais comum na juventude do universo,
quando as fusões aconteciam em uma taxa muito maior. Mas na periferia do cosmos
— que é onde estamos — ficam as regiões onde não há tantas estruturas como
esses grandes aglomerados. Por aqui, é muito mais provável que você veja o
acúmulo lento e gradual de matéria.
A Galáxia do Sombrero tem características de espiral e de elíptica (Imagem: Reprodução/NASA)
Ha
um último ingrediente a se considerar: o momento angular das estrelas, que é o
movimento da órbita delas ao redor do eixo central de sua galáxia. Uma única
grande fusão dificilmente eliminará o movimento e direção dessa órbita, em
parte por causa das marés, que fará com que um dos lados de cada galáxia comece
a interagir com a vizinha muito antes do restante da estrutura. A Via Láctea e
Andrômeda têm momento angular tão grande que, na maioria das simulações, não se
obtém uma elíptica.
Por
fim, em grupos como o nosso, há fusão entre galáxias como a Via Láctea e as
anãs, e as grandes fusões são relativamente raras. Considerando o meio e a
adição gradual de gás e matéria, a colisão de duas galáxias espirais tem muito
mais chance de produzir uma estrutura ainda bem parecida com uma espiral, mesmo
que haja características de uma galáxia elíptica, como uma protuberância
central de estrelas. Na verdade, já conhecemos algumas dessas galáxias espirais
com elementos de elípticas, como a Sombrero ou a Centaurus A.
Quanto
ao futuro da Androláctea, parece seguro dizer que o grande momento angular das
estrelas dos dois discos galácticos será conservado e ainda haverá gás e poeira
para continuar a formar novas estrelas. Isso acontecerá ao longo de ondas de
densidade do material, justamente o que cria os “braços” espirais das galáxias.
Essas estrelas continuarão se formando por muito tempo, talvez por mais tempo
que a idade atual do universo. Quando o gás do Grupo Local acabar, pode ser que
percamos as espirais e a Androláctea se torne vermelha e infértil, mas ela terá
uma vida muito longa pela frente antes que isso aconteça.
Fonte:
Canal Tech
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