Astrônomos detectam o exemplo mais próximo até agora de um buraco negro devorando uma estrela

O evento foi detectado em dados infravermelhos – também um primeiro – sugerindo que novas buscas nessa faixa poderiam revelar mais explosões desse tipo.

Astrónomos do MIT e de outros locais observaram sinais infravermelhos do evento de perturbação de marés (TDE) mais próximo até à data. Em 2015, foi detetado um clarão brilhante na galáxia NGC 7392 (painel superior esquerdo). As observações da mesma galáxia foram efectuadas em 2010-2011 (canto superior direito), antes do TDE. O painel inferior esquerdo mostra a diferença entre as duas primeiras imagens, representando o TDE real e detetado. Para comparação, o painel inferior direito mostra a mesma galáxia no visível. Crédito: Panagiotou et al., 2023

Uma vez a cada 10.000 anos, aproximadamente, o centro de uma galáxia ilumina-se quando o seu buraco negro supermassivo rasga uma estrela passageira. Este "evento de perturbação de marés" acontece literalmente num instante, à medida que o buraco negro central puxa material estelar e liberta enormes quantidades de radiação no processo.

Os astrónomos sabem da existência de cerca de 100 eventos de perturbação de marés (que tem a sigla inglesa "TDE", "tidal disruption event") em galáxias distantes, com base na explosão de luz que chega aos telescópios na Terra e no espaço. A maior parte desta luz provém dos raios-X e da radiação ótica.

Astrónomos do MIT (Massachusetts Institute of Technology), ultrapassando as bandas convencionais de raios-X e UV/ótico, descobriram um novo TDE que brilha intensamente no infravermelho. É uma das primeiras vezes que os cientistas identificam diretamente um evento de perturbação de marés em comprimentos de onda infravermelhos.

Além disso, o novo surto é o TDE mais próximo observado até à data: foi encontrado na galáxia NGC 7392, situada a cerca de 137 milhões de anos-luz da Terra, o que corresponde a uma região do nosso quintal cósmico e que fica a um-quarto da distância do agora segundo evento de perturbação de marés mais próximo.

Este novo TDE, designado WTP14adbjsh, não se destacou nos normais dados em raios-X e no visível. Os cientistas suspeitam que estes levantamentos tradicionais não o detetaram, não porque não emitia raios-X ou radiação UV, mas porque a luz estava obscurecida por uma enorme quantidade de poeira que absorveu a radiação e libertou calor sob a forma de energia infravermelha.

Os investigadores determinaram que WTP14adbjsh ocorreu numa galáxia jovem e com formação estelar, em contraste com a maioria dos eventos de perturbação de marés que foram encontrados em galáxias mais calmas. Os cientistas já esperavam que as galáxias com formação estelar fossem anfitriãs destes TDEs, uma vez que as estrelas que formam forneceriam muito combustível para o buraco negro central da galáxia devorar. Mas as observações de TDEs em galáxias com formação estelar eram raras até agora.

O novo estudo sugere que os levantamentos convencionais, em raios-X e no visível, podem ter perdido alguns eventos de perturbação de marés em galáxias com formação estelar porque estas galáxias produzem naturalmente mais poeira que pode obscurecer qualquer luz proveniente do seu núcleo. A pesquisa na banda do infravermelho poderá revelar muitos mais TDEs, anteriormente ocultos, em galáxias ativas e com formação estelar.

"Encontrar este TDE nas proximidades significa que, estatisticamente, deve haver uma grande população destes eventos que os métodos tradicionais não conseguem detetar", diz Christos Panagiotou, pós-doutorado no Instituto Kavli para Astrofísica e Investigação Espacial do MIT e autor principal do artigo científico publicado na revista The Astrophysical Journal Letters. "Por isso, devemos tentar encontrá-los no infravermelho se quisermos ter uma imagem completa dos buracos negros e das galáxias que os acolhem".

Um flash de possibilidade

Panagiotou não tinha a intenção de procurar eventos de perturbação de marés. Ele e os seus colegas estavam à procura de sinais de fontes transientes gerais em dados observacionais, utilizando uma ferramenta de pesquisa desenvolvida por Kishalay De, coautor do artigo científico. A equipa utilizou o método de De para procurar potenciais eventos transientes em dados de arquivo obtidos pela missão NEOWISE da NASA, um telescópio infravermelho que tem feito varreduras regulares de todo o céu desde 2010, em comprimentos de onda infravermelhos.

A equipa descobriu um flash brilhante que apareceu no céu perto do final de 2014.

"Ao início, não víamos nada", recorda Panagiotou. "Depois, subitamente, no final de 2014, a fonte tornou-se mais brilhante e em 2015 atingiu uma luminosidade elevada, voltando depois ao seu estado de quiescência anterior".

O flash foi localizado numa galáxia a 42 megaparsecs da Terra. A questão que se colocava era: o que é que o despoletou? Para responder a esta questão, a equipa considerou o brilho e o momento do flash, comparando as observações reais com modelos de vários processos astrofísicos que podem produzir um flash semelhante.

"Por exemplo, as supernovas são fontes que explodem e aumentam de brilho repentinamente, voltando depois a diminuir, em escalas de tempo semelhantes às dos TDEs", observa Panagiotou. "Mas as supernovas não são tão luminosas e energéticas como o evento que observámos".

Trabalhando com diferentes possibilidades do que poderia ser a explosão, os cientistas foram finalmente capazes de excluir todas, exceto uma: o flash foi muito provavelmente um evento de perturbação de marés e o mais próximo observado até agora.

"É uma curva de luz muito limpa e segue realmente o que esperamos que seja a evolução temporal de um TDE", diz Panagiotou.

Vermelho ou verde

A partir daí, os investigadores analisaram mais de perto a galáxia onde surgiu o TDE. Recolheram dados de vários telescópios terrestres e espaciais que observaram a parte do céu onde a galáxia reside, em vários comprimentos de onda, incluindo no infravermelho, no ótico e em raios-X. Com estes dados acumulados, a equipa estimou que o buraco negro supermassivo no centro da galáxia era cerca de 30 milhões de vezes mais massivo do que o Sol.

"Este é quase 10 vezes maior do que o buraco negro que temos no nosso Centro Galáctico, por isso é bastante massivo, embora os buracos negros possam atingir 10 mil milhões de massas solares", diz Panagiotou.

A equipe descobriu também que a própria galáxia está a produzir ativamente novas estrelas. As galáxias com formação estelar são de uma classe de galáxias "azuis", em contraste com as galáxias "vermelhas", mais calmas, que deixaram de produzir novas estrelas. As galáxias azuis com formação estelar são o tipo de galáxia mais comum no Universo.

As galáxias "verdes" situam-se algures entre as vermelhas e as azuis, na medida em que, de vez em quando, produzem algumas estrelas. Verde é o tipo de galáxia menos comum, mas, curiosamente, a maior parte dos TDEs detetados até à data foram atribuídos a estas galáxias mais raras. Os cientistas tinham dificuldade em explicar estas deteções, uma vez que a teoria prevê que as galáxias azuis, com formação estelar, deveriam exibir TDEs, pois teriam mais estrelas para os buracos negros perturbarem.

Mas as galáxias com formação estelar também produzem muita poeira a partir das interações entre as estrelas perto do núcleo da galáxia. Esta poeira é detetável em comprimentos de onda infravermelhos, mas pode obscurecer qualquer radiação em raios-X ou no ultravioleta que, de outra forma, seria captada por telescópios. Isto pode explicar porque é que os astrónomos não detetaram eventos de perturbação de marés em galáxias com formação estelar usando métodos óticos convencionais.

"O fato de os levantamentos óticos e em raios-X não terem detetado este TDE luminoso no nosso próprio quintal é muito esclarecedor e demonstra que estes levantamentos apenas nos dão um censo parcial da população total de TDEs", diz Suvi Gezari, astrónoma associada e presidente da equipa científica no STScI (Space Telescope Science Institute) em Baltimore, no estado norte-americano de Maryland, que não esteve envolvida no estudo.

"Usando levantamentos infravermelhos para captar o eco da poeira de eventos de perturbação de marés obscurecidos... já nos mostrou que há uma população de TDEs em galáxias poeirentas e com formação estelar que nos tem escapado".

Fonte: news.mit.edu

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