Anãs brancas "famintas": resolvendo o puzzle da poluição metálica
As estrelas mortas, conhecidas
como anãs brancas, têm uma massa parecida à do Sol, mas têm um tamanho
semelhante ao da Terra. São comuns na nossa Galáxia, uma vez que 97% das
estrelas estão destinadas a tornar-se anãs brancas.
Quando as estrelas chegam ao fim
das suas vidas, os seus núcleos colapsam na densa bola de uma anã branca,
fazendo com que a nossa Galáxia pareça um cemitério etéreo.
As órbitas de planetesimais em
torno de uma anã branca. Inicialmente, cada planetesimal tem uma órbita
circular e prógrada. O "pontapé natal" forma um disco excêntrico de
detritos com órbitas prógradas (azul) e retrógradas (laranja). Crédito: Steven
Burrows/grupo de Madigan
Apesar da sua prevalência, a
composição química destes remanescentes estelares tem permanecido um enigma
para os astrónomos durante anos. A presença de elementos metálicos pesados -
como o silício, o magnésio e o cálcio - na superfície de muitos destes objetos
compactos é uma descoberta intrigante que desafia as nossas expetativas do
comportamento estelar.
"Sabemos que se estes metais
pesados estiverem presentes na superfície da anã branca, esta é suficientemente
densa para que estes metais pesados se afundem rapidamente em direção ao
núcleo", explica Tatsuya Akiba, estudante do laboratório JILA na
Universidade do Colorado, em Boulder, EUA. "Por isso, não se devem ver
metais na superfície de uma anã branca, a menos que ela esteja ativamente a
'comer' alguma coisa".
Embora as anãs brancas possam
consumir vários objetos próximos, como cometas ou asteroides (conhecidos como
planetesimais), as complexidades deste processo ainda não foram totalmente
exploradas. No entanto, este comportamento pode ser a chave para desvendar o
mistério da composição metálica de uma anã branca, levando potencialmente a
revelações interessantes sobre a dinâmica das anãs brancas.
Nos resultados relatados num novo
artigo científico publicado na revista The Astrophysical Journal Letters,
Akiba, juntamente com a bolseira do JILA e professora de Ciências Astrofísicas
e Planetárias da Universidade do Colorado em Boulder, Ann-Marie Madigan, e a
estudante Selah McIntyre, acreditam ter encontrado uma razão para estas zombies
estelares 'comerem' os seus planetesimais próximos.
Usando simulações em computador,
os investigadores simularam a anã branca a receber um "pontapé natal"
durante a sua formação (o que já foi observado), causado por uma perda de massa
assimétrica, alterando o seu movimento e a dinâmica de qualquer material
circundante.
Em 80% dos seus testes, os
investigadores observaram que, a partir deste pontapé, as órbitas dos cometas e
asteroides num raio de 30 a 240 UA da anã branca (correspondente à distância
Sol-Neptuno e mais além) se tornaram alongadas e alinhadas. Para além disso,
cerca de 40% dos planetesimais comidos subsequentemente provêm de órbitas
retrógradas.
Os investigadores também
alargaram as suas simulações para examinar a dinâmica da anã branca após 100
milhões de anos. Descobriram que os planetesimais próximos da anã branca
continuavam a ter órbitas alongadas e a mover-se como uma unidade coerente, um resultado
nunca antes visto.
"Isto é algo que considero
único na nossa teoria: podemos explicar porque é que os eventos de acreção são
tão duradouros", afirma Madigan. "Ao passo que outros mecanismos
podem explicar um evento original de acreção, as nossas simulações com o
pontapé mostram porque é que ainda acontece centenas de milhões de anos mais
tarde
." Estes resultados explicam
porque é que os metais pesados se encontram na superfície de uma anã branca,
pois essa anã branca consome continuamente objetos mais pequenos no seu
caminho.
É tudo uma questão de
gravidade
Uma vez que o grupo de
investigação de Madigan no JILA se concentra na dinâmica gravitacional, olhar
para a gravidade que rodeia as anãs brancas pareceu ser um foco natural de
estudo.
"As simulações ajudam-nos a
compreender a dinâmica de diferentes objetos astrofísicos", diz Akiba.
"Assim, nesta simulação, lançamos uma série de asteroides e cometas em
torno da anã branca, que é significativamente maior, e vemos como a simulação
evolui e quais destes asteroides e cometas a anã branca come."
Os investigadores esperam levar
as suas simulações a escalas maiores em projetos futuros, analisando a forma
como as anãs brancas interagem com planetas maiores.
Akiba explica: "Outros
estudos sugeriram que os asteroides e os cometas, os corpos pequenos, podem não
ser a única fonte de poluição metálica na superfície das anãs brancas. Por
isso, as anãs brancas podem comer algo maior, como um planeta".
Descobrindo mais sobre a
formação do Sistema Solar
Estas novas descobertas revelam
mais sobre a formação das anãs brancas, o que é importante para compreender
como os sistemas solares mudam ao longo de milhões de anos. Ajudam também a
esclarecer as origens e a evolução futura do nosso Sistema Solar, revelando
mais sobre a química envolvida.
"A grande maioria dos
planetas no Universo acabará por orbitar uma anã branca", diz Madigan.
"É possível que 50% destes sistemas sejam comidos pela sua estrela,
incluindo o nosso próprio Sistema Solar. Agora, temos um mecanismo para explicar
porque é que isto acontece".
"Os planetesimais podem
dar-nos mais informações sobre outros sistemas solares e sobre composições
planetárias para além da nossa região solar", acrescenta McIntyre.
"As anãs brancas não são apenas uma lente para o passado. São também uma espécie
de lente para o futuro".
Fonte: Astronomia OnLine
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