Cientistas descobrem explosão cósmica que desafia todas as leis conhecidas da física
A maioria das explosões de raios gama parece um flash de câmera no Universo: brilha intensamente e some antes de você terminar de dizer “o que foi isso?”. O GRB 250702B contrariou esse instinto, esticando a emissão por horas e ganhando o recorde em duração.
Representação artística do GRB
250702B, mostrando um jato veloz de material sendo expelido de uma galáxia
carregada de poeira. (Crédito da imagem: NOIRLab/NSF/AURA/M. Garlick)
A própria NASA descreve o evento
como fora de escala para o que já se viu desde que explosões desse tipo
começaram a ser reconhecidas na década de 1970. Em um universo que adora
repetir padrões, um evento assim é como uma vírgula num lugar inesperado: obriga
todo mundo a reler a frase.
O detalhe que mais mexeu com os
pesquisadores foi o “prólogo”: sinais em raios X cerca de um dia antes do pico
principal. Esse tipo de pista sugere que o sistema já estava instável,
aquecendo ou reorganizando matéria antes de liberar o jato mais energético.
O mapa do crime aponta
para longe do centro
Em vez de começar pelo clarão,
muitos astrônomos preferem começar pelo endereço. O Telescópio Espacial James
Webb ajudou a enxergar a galáxia hospedeira com clareza e a marcar onde o
evento ocorreu dentro dela.
A galáxia está tão distante que a
luz levou cerca de 8 bilhões de anos para alcançar a Terra, e ainda aparece
projetada contra o campo estelar carregado do plano da Via Láctea. No zoom, a
posição do surto fica perto de uma faixa escura de poeira, não no núcleo
galáctico.
Esse detalhe reduz a chance de
que a explosão esteja diretamente associada ao buraco negro supermassivo do
centro daquela galáxia, porque o ponto observado não coincide com a “região
VIP” onde essas interações costumam dominar. Em termos leigos: o barulho veio
de um bairro diferente.
Quando o motor é um
sistema que se devora por dentro
A explicação mais confortável
para explosões de raios gama costuma envolver o colapso de estrelas muito
massivas ou colisões compactas, mas a duração do GRB 250702B empurra os
cientistas para hipóteses raras. Huei Sears, pesquisador de pós-doutorado na Rutgers,
descreveu o objeto como extremo e difícil de explicar, justamente porque o
padrão temporal não combina com o “modo normal” de GRBs.
Uma linha de investigação técnica
descreve a emissão em raios gama com cerca de 25 mil segundos e características
compatíveis com jatos relativísticos, mas ao mesmo tempo argumenta que quase
todos os progenitores confirmados não dão conta de sustentar um evento tão
longo. O trabalho discute um cenário em que um buraco negro de massa estelar
entra numa estrela já despojada e a consome, produzindo energia por muito mais
tempo do que um colapso “simples”.
Esse estudo aparece no periódico
Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, e também circula como
preprint em arXiv, o que é comum quando a comunidade quer discutir rapidamente
um resultado incomum. A ideia central é que certos sistemas binários podem
terminar em uma “explosão alimentada” por consumo interno, e não em um único
pulso rápido.
A hipótese do rasgo
gravitacional e o que ela mudaria
Há outro caminho plausível que
aparece com frequência quando algo dura tempo demais: um evento de disrupção de
maré. Nele, uma estrela passa perto de um buraco negro e é despedaçada,
formando um disco quente e, às vezes, jatos que podem brilhar por mais tempo.
O problema é que esses eventos
são raros e diversos, e isso torna difícil dizer com confiança como “deveriam”
evoluir. A própria raridade vira parte do valor científico: quando aparece um
caso como o GRB 250702B, ele funciona como um teste prático para ideias que,
até então, viviam mais em simulações do que em dados.
Se essa hipótese (ou alguma
variação dela) se sustentar, o impacto vai além de batizar um novo tipo de
explosão. Ela pode conectar a física de jatos relativísticos a histórias de
sistemas binários extremos, e ainda ajudar a explicar por que alguns clarões
parecem ter “aquecimento de motor” antes de acelerar de vez.
E aqui entra um componente que,
para quem está de fora, parece detalhe, mas não é: buraco negro não “puxa” só
matéria; ele organiza o caos ao redor em disco, choque, aquecimento e, às
vezes, jatos que apontam energia para longe. Quando o suprimento dura, o clarão
dura junto, simples assim.
Por que um único evento
pode virar um grande divisor de águas
Em ciência, o comum constrói
estatística; o incomum constrói entendimento. Um evento como o GRB 250702B
força os modelos a explicarem não só “o que acontece na média”, mas o que
acontece quando o Universo resolve explorar os cantos do mapa. Isso é especialmente
importante em astrofísica, onde você não pode repetir o experimento: você
espera, observa e compara.
O GRB 250702B também expõe um
aspecto prático da astronomia moderna: nenhum instrumento sozinho resolve tudo.
Foi preciso combinar observações de missões e redes diferentes para acompanhar
a duração completa e amarrar a história com imagens profundas do JWST, além de
análises teóricas publicadas rapidamente para a comunidade discutir.
Para quem lê isso sem viver de
gráficos, uma analogia ajuda: pense num show em que a banda faz um bis tão
longo que o estádio inteiro precisa replanejar o transporte. Não é só “mais do
mesmo”; muda a logística, a interpretação e a memória do evento. No caso do GRB
250702B, o bis é a própria física em alta energia dizendo “ainda não terminamos
de entender”.
No fim das contas, o que me
parece mais fascinante é que essas explosões não são apenas fogos de artifício
cósmicos: elas são sinais de sistemas extremos se reorganizando, e a combinação
de prelúdio em raios X, localização fora do núcleo e duração recorde sugere que
ainda existe um “catálogo escondido” de maneiras de estrelas e objetos
compactos chegarem ao limite.
Hypescience.com

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