O físico brasileiro que não acredita em Big Bang
Juliano Neves, doutor pela USP, questiona a
famosa teoria — e propõe um universo diferente, que pode até ser cíclico.
Juliano Neves é um ateu da
física: ele não acredita em Big Bang. O pós-doutorando na Universidade de
Campinas causou um rebuliço na mídia na última semana ao afirmar que a expansão
inicial do cosmos, a partir de uma singularidade de densidade infinita, é só
uma visão entre várias possíveis.
Outras dessas visões — é bom
lembrar, todas teóricas — pressupõem a existência de um universo cíclico, de um
imenso balão em constante contração e expansão. Uma das consequências da adoção
desse modelo seria a existência de um cosmos anterior ao nosso (e de um
posterior também). O que deixou este repórter pensativo à noite, e te deixará
também.
Para peitar o onipresente Big
Bang, Neves usou uma analogia matemática com a outra coisa da astrofísica que,
segundo a maior parte dos especialistas, tem densidade infinita: os buracos
negros. O brasileiro parte de premissas diferentes das criadas por Stephen Hawking
e Roger Penrose para compreender o espaço e o tempo — que sem dúvida são
coerentes em si mesmos, mas não são os únicos desdobramentos possíveis da
Relatividade Geral de Einstein. Para entender melhor essa ousadia e alegria, a
SUPER bateu um papo de 13,8 bilhões de anos com Neves.
As várias histórias do Universo
O que torna a ciência um jeito
tão eficiente de compreender o mundo é o fato de que ela não aceita respostas
definitivas. Tudo só está provado até que se prove o contrário. É claro que
precisamos pesar as evidências: se todos os experimentos feitos nos últimos 2
mil anos (que envolvem até, olha só, subir num foguete e ir para o espaço)
pendem a favor de uma teoria — no caso, a de que a Terra é redonda —, então
todo mundo dá o braço a torcer: pois é, a Terra é redonda mesmo.
Quando estamos lidando com a
história de 13,8 bilhões de anos atrás — vulgo início do universo —, aí a coisa
muda um pouco de figura. É quase impossível acumular evidências suficientes
para cravar uma ou outra versão do parto do cosmos como 100% correta. Desde a
publicação da Relatividade Geral, em 1915, as fórmulas de Einstein indicaram
caminhos, interpretações plausíveis para o fenômeno.
Dentre elas, a mais popular e
mainstream delas é a teoria do Big Bang. Uma singularidade — um estado inicial
de energia impensavelmente grande e dimensões impensavelmente pequenas — se
expande bruscamente e dá origem a tudo que conhecemos. Ela não é difundida só
porque teve bons defensores na arena pública (como Stephen Hawking e Roger
Penrose), mas porque sua matemática funciona especialmente bem. As contas dão
certo quando existe uma expansão primordial nas fórmulas.
“Com o passar dos anos, a
cosmologia padrão se estabelece com um universo em expansão e com a
singularidade inicial”, conta Neves. Acontece que o modelo padrão tem problemas
internos, como todo modelo físico tem, então muitos pesquisadores começam a
pensar em alternativas.
Na teoria, a prática é outra
Os buracos negros que estão lá no
céu — os que têm existência física e que trombam volta e meia, gerando ondas
gravitacionais — são muito diferentes dos buracos negros matemáticos. Fórmulas
são interpretações sintéticas de fenômenos reais, usadas para descrevê-los.
A matemática que apoia o Big Bang
é a mesma matemática que apoia a descrição mais popular dos buracos negros:
pontos de densidade infinita cercados por um horizonte de eventos. Um perímetro
de não-retorno, além do qual nada é capaz de escapar da atração gravitacional —
nem a própria luz.
Neves parte de um ponto de vista
matemático diferente, que compartilha algumas conclusões amplamente aceitas,
mas difere em um aspecto essencial. “O modelo que eu propus é a favor da
expansão, da radiação cósmica de fundo e outras coisas muito bem estabelecidas
[que também são essenciais para a cosmologia padrão]”, explica o brasileiro.
“Mas eu não acredito na existência de singularidades. Não acho que houve um Big
Bang, e eu também acho que, cruzando o horizonte de eventos, não há uma
singularidade no interior dos buracos negros.”
Os buracos negros de Neves têm
uma massa variável, que aumenta conforme você se aproxima do centro. São
chamados regulares, em vez de singulares. Deles é possível pressupor um
universo ricochete: em que não houve um Big Bang, e em que a fase atual de
expansão foi precedida por uma de contração.
Evidências de outro mundo
Ele não é o primeiro. Ainda na
década de 1970, um cientista brasileiro chamado Mário Novello (segue uma ótima
história -
http://revistaepoca.globo.com/Vida-util/noticia/2013/04/mario-novello-um-engano-benefico.html
) já levava muito a sério o questionamento do Big Bang, ainda que partindo de
princípios diferentes dos de Neves. Ele chegou a publicar um livro sobre o
assunto.
Neves acredita que, se a expansão
atual do nosso universo de fato foi precedida pela contração de um universo
anterior, talvez restem por aí ondas gravitacionais que tenham sido criadas no
universo que veio antes do nosso — e que poderiam ser detectadas por nós.
Sua posição ainda não é tão
popular entre astrofísicos, mas descobertas recentes, como a energia escura,
deixam a cosmologia padrão em uma posição mais frágil do que a que ela ocupou
nos últimos 50 anos. Visões que se opõem ao Big Bang tendem a se tornar cada
vez mais comuns. E, mesmo que porventura não se provem corretas, terão a
virtude de todas as hipóteses: alimentar a discussão mais importante da
humanidade. Como, afinal, nós viemos parar aqui?
Fonte: https://super.abril.com.br
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