Poderosos ventos quentes vistos a soprar de uma estrela de neutrões ao rasgar a sua companheira

 Impressão de artista do binário de raios-X Swift J1858. Vemos aqui como a estrela de neutrões se alimenta, através de um disco de acreção, do material que retirou da estrela que a acompanha, e como parte desse material é ejectado sob a forma de um vento quente. Crédito: Gabriel Pérez Díaz, SMM (IAC)

Usando os telescópios mais poderosos da Terra e no espaço, uma equipe de astrónomos encontrou pela primeira vez explosões de ventos quentes, amenos e frios de uma estrela de neutrões enquanto consome matéria de uma estrela próxima. A descoberta proporciona uma nova visão sobre os comportamentos de alguns dos objetos mais extremos do Universo. 

Os binários de raios-X de baixa massa são sistemas que contêm uma estrela de neutrões ou um buraco negro. São alimentados por material arrancado de uma estrela vizinha, um processo conhecido como acreção. A maior parte da acreção ocorre durante erupções violentas, onde os sistemas brilham dramaticamente. Ao mesmo tempo, parte do material que entra em espiral é impedido de voltar ao espaço sob a forma de ventos de disco e jatos. 

Os sinais mais comuns da saída de material de objetos astronómicos estão associados a gás "ameno". Apesar disto, apenas ventos de gás "quente" ou "frio" têm sido observados em binários de raios-X transitórios, até agora. 

Neste novo estudo, uma equipa de investigadores de onze países, liderada pela Universidade de Southampton, estudou a recente erupção do binário de raios-X conhecido como Swift J1858. Utilizaram uma combinação de telescópios, incluindo o Telescópio Espacial Hubble da NASA, o satélite XMM-Newton da ESA, o VLT (Very Large Telescope) do ESO e o GTC (Gran Telescopio Canarias). 

Os resultados, publicados na revista Nature, mostraram assinaturas persistentes de um vento quente em comprimentos de onda ultravioleta ocorrendo ao mesmo tempo que assinaturas de um vento frio em comprimentos de onda óticos. Esta é a primeira vez que os ventos de um tal sistema são vistos através de diferentes bandas do espectro eletromagnético. 

O autor principal Dr. Noel Castro Segura, da Universidade de Southampton, afirmou: "Erupções como esta são raras, e cada uma delas é única. Normalmente são fortemente obscurecidas pela poeira interestelar, o que torna a sua observação muito difícil. Swift J1858 foi especial, porque mesmo estando localizado no outro lado da nossa Galáxia, o obscurecimento foi suficientemente pequeno para permitir um estudo de multi-comprimento de onda completo." 

"Apenas um outro sistema - o binário de raios-X com buraco negro, V404 Cyg - tem mostrado propriedades semelhantes. Contudo, a nossa tentativa de realizar a mesma experiência nesse sistema não teve êxito, porque a erupção terminou antes de conseguirmos que os telescópios terrestres e espaciais o observassem simultaneamente," disse o coautor Dr. Hernández Santisteban da Universidade de St. Andrews. 

Swift J1858 é um evento transitório de raios-X recentemente descoberto que apresenta uma variabilidade extrema através do espectro eletromagnético, o que constitui uma oportunidade rara. 

"Todos os astrónomos deste campo estavam incrivelmente entusiasmados, ao ponto de combinarmos os nossos esforços para cobrir todo o espectro, desde o rádio aos raios-X usando observatórios de última geração na Terra e no espaço," continuou o Dr. Castro Segura. 

A coautora Nathalie Degenaar, da Universidade de Amesterdão, acrescentou: "As estrelas de neutrões têm uma atração gravitacional imensamente forte que lhes permite engolir gás de outras estrelas. As canibais estelares são, no entanto, comedoras desordenadas e muito do gás que as estrelas de neutrões puxam na sua direção não é consumido, mas atirado para o espaço a alta velocidade. Este comportamento tem um grande impacto tanto sobre a própria estrela de neutrões como sobre o seu ambiente imediato. Neste artigo relatamos uma nova descoberta que fornece informações chave sobre os padrões de alimentação desordenados destes 'monstros da bolacha' cósmicos." 

"Desta vez tivemos a sorte cósmica do nosso lado, pois fomos capazes de coordenar dez telescópios e apontá-los para J1858, tudo enquanto este estava totalmente ativo. Isto permite-nos obter muito mais informação, uma vez que podemos utilizar diferentes técnicas em diferentes comprimentos de onda," disse o Dr. Hernández Santisteban. 

A Dra. Degenaar acrescentou: "conceber uma campanha de observação tão ambiciosa - construída em redor dos melhores telescópios na Terra e no espaço - foi um enorme desafio. Portanto, é incrivelmente excitante que todo este trabalho tenha compensado e nos tenha permitido fazer uma descoberta chave que de outra forma não teria sido possível." 

Além de descobrir os diferentes tipos de ventos, a equipa foi capaz de estudar a evolução temporal do gás que flui para fora. Descobriram que o vento quente não foi afetado pelas fortes variações de luminosidade do sistema. A ausência de tal resposta tinha sido anteriormente uma previsão teórica não confirmada, baseada em simulações sofisticadas. 

"Nesta investigação combinámos as capacidades únicas do Hubble com os melhores telescópios terrestres, tais como o VLT e o GTC, para obter uma imagem completa da dinâmica do gás no sistema, desde os comprimentos de onda no infravermelho próximo até ao ultravioleta. Isto permitiu-nos revelar pela primeira vez a verdadeira natureza destes potentes fluxos," disse o Dr. Castro Segura. 

"Os novos conhecimentos fornecidos pelos nossos resultados são fundamentais para compreender como estes objetos interagem com o seu ambiente. Ao libertarem energia e matéria para a Galáxia, contribuem para a formação de novas gerações de estrelas e para a evolução da própria Galáxia," concluiu o Dr. Castro Segura.

Fonte: ccvalg.pt

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