Hubble confirma o maior núcleo cometário alguma vez visto

 O Telescópio Espacial Hubble da NASA determinou o tamanho do maior núcleo gelado de um cometa alguma vez visto pelos astrónomos. O diâmetro estimado ronda os 130 quilómetros, mais ou menos correspondente à distância, em linha reta, que separa Lisboa e Odemira. O núcleo é cerca de 50 vezes maior do que o encontrado no coração da maioria dos cometas conhecidos. A sua massa está estimada em 500 biliões de toneladas, cem mil vezes maior do que a massa de um cometa típico encontrado muito mais próximo do Sol.

Esta sequência mostra como o núcleo do cometa C/2014 UN271 (Bernardinelli-Bernstein) foi isolado de uma vasta concha de poeira e gás que rodeava o núcleo sólido gelado. À esquerda encontra-se uma fotografia do cometa tirada pelo instrumento WFC3 (Wide Field Camera 3) do Telescópio Espacial Hubble da NASA, a 8 de janeiro de 2022. Um modelo da cabeleira (painel central) foi obtido através do encaixe do perfil de brilho da superfície com a imagem observada à esquerda. Isto permitiu que a cabeleira fosse subtraída, desvendando o brilho pontiagudo do núcleo. Em combinação com dados de radiotelescópios, os astrónomos chegaram a uma medição precisa do tamanho do núcleo. É uma pequena proeza para algo a cerca de 3,2 mil milhões de quilómetros de distância. Embora se estime que o núcleo tenha até 137 quilómetros de diâmetro, está tão longe que não pode ser resolvido pelo Hubble. O seu tamanho deriva da sua refletividade tal como medida por Hubble. Estima-se que o núcleo seja tão escuro como o carvão. A área do núcleo foi recolhida a partir de observações de rádio. Crédito: NASA, ESA, Man-To Hui (Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau), David Jewitt (UCLA); Processamento de imagem - Alyssa Pagan (STScI)

O cometa gigante, C/2014 UN271 (Bernardinelli-Bernstein), está a dirigir-se na direção do Sol a 35,4 mil quilómetros por hora desde a orla do Sistema Solar. Mas não se preocupe. Nunca se aproximará mais do que 1,6 mil milhões de quilómetros do Sol, ligeiramente mais do que a distância do planeta Saturno. E isso só será no ano 2031. O recordista anterior de maior cometa conhecido é C/2002 VQ94, com um núcleo estimado em mais ou menos 97 quilómetros. Foi descoberto em 2002 pelo projeto LINEAR (Lincoln Near-Earth Asteroid Research). 

"Este cometa é literalmente a ponta do iceberg para muitos milhares de cometas que são demasiado fracos para serem vistos nas partes mais distantes do Sistema Solar," disse David Jewitt, professor de ciência planetária e astronomia na UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles), coautor do novo estudo publicado na revista The Astrophysical Journal Letters. "Sempre suspeitámos que este cometa tinha de ser grande porque é tão brilhante a uma distância tão grande. Agora confirmámo-lo." 

O Cometa C/2014 UN271 foi descoberto pelos astrónomos Pedro Bernardinelli e Gary Bernstein em imagens de arquivo do DES (Dark Energy Survey) no Observatório Interamericano de Cerro Tololo, Chile. Foi observado pela primeira vez apenas por acaso em novembro de 2010, quando se encontrava a uns impressionantes 4,8 mil milhões de quilómetros do Sol, mais do que a distância média que separa Neptuno do Sol. Desde então, tem sido intensivamente estudado por telescópios terrestres e espaciais. 

"Este é um objeto espantoso, dado o quão ativo é quando ainda está tão longe do Sol," disse o autor principal do estudo Man-To Hui da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. "Adivinhámos que o cometa podia ser bastante grande, mas precisávamos dos melhores dados para o confirmar." Assim sendo, a sua equipa usou o Hubble para tirar cinco fotografias do cometa a 8 de janeiro de 2022. 

Este diagrama compara o tamanho do núcleo gelado e sólido do cometa C/2014 UN271 (Bernardinelli-Bernstein) com vários outros cometas. A maioria dos núcleos cometários observados são mais pequenos do que o cometa Halley. Têm tipicamente menos de 1,6 km de diâmetro. O cometa C/2014 UN271 é atualmente o detentor do recorde de maior cometa conhecido. E pode ser apenas a ponta do iceberg. Podem haver muitos mais "monstros" por aí para os astrónomos identificarem à medida que os mapeamentos do céu melhoram a sua sensibilidade. Embora os astrónomos saibam que este cometa deve ser grande, para ser detetado a uma distância de mais de 3,2 mil milhões de quilómetros da Terra, apenas o Telescópio Espacial Hubble tem a nitidez e sensibilidade para fazer uma estimativa definitiva do tamanho do núcleo. Crédito: ilustração - NASA, ESA, Zena Levy (STScI)

O desafio na medição deste cometa foi como discriminar o núcleo sólido da enorme cabeleira de poeira que o envolve. O cometa está atualmente demasiado distante para o seu núcleo ser resolvido visualmente pelo Hubble. Ao invés, os dados do Hubble mostram um pico de luz brilhante na localização do núcleo. Hui e a sua equipa a seguir fizeram um modelo informático da cabeleira circundante e ajustaram-no para se adaptar às imagens do Hubble. Depois, o brilho da cabeleira foi subtraído para deixar para trás o núcleo visualmente parecido a uma estrela. 

Hui e a sua equipa compararam o brilho do núcleo com anteriores observações de rádio pelo ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) no Chile. Os dados combinados limitam o diâmetro e a refletividade do núcleo. As novas medições do Hubble estão próximas das estimativas anteriores de tamanho do ALMA, mas sugerem convincentemente uma superfície mais escura do que se pensava. "É grande e mais escuro que o carvão," disse Jewitt. 

O cometa tem vindo a aproximar-se do Sol há mais de 1 milhão de anos. Vem do "ninho" hipotético de biliões de cometas, chamada Nuvem de Oort. Pensa-se que a nuvem difusa tenha uma orla interior 2000 a 5000 vezes a distância entre a Terra e o Sol. A sua orla exterior pode estender-se pelo menos a um-quarto da distância às estrelas mais próximas do nosso Sol, no sistema Alpha Centauri. 

Os cometas da Nuvem de Oort não se formaram tão longe do Sol; em vez disso, foram atirados para fora do Sistema Solar há milhares de milhões de anos por um "jogo de pinball" gravitacional entre os massivos planetas exteriores, quando as órbitas de Júpiter e Saturno ainda estavam a evoluir. Os longínquos cometas só regressam ao Sol e aos planetas se as suas órbitas distantes forem perturbadas pela atração gravitacional de uma estrela passageira - como o sacudir de maçãs numa árvore. 

O Cometa Bernardinelli-Bernstein segue uma órbita elíptica de 3 milhões de anos, levando-o para tão longe do Sol quanto cerca de meio ano-luz. O cometa está agora a menos de 3,2 mil milhões de quilómetros do Sol, caindo quase perpendicularmente ao plano do nosso Sistema Solar. A essa distância, as temperaturas são apenas de -211º C. No entanto, é suficientemente quente para o monóxido de carbono se sublimar a partir da superfície para produzir a cabeleira empoeirada. 

O cometa Bernardinelli-Bernstein fornece uma pista inestimável para a distribuição do tamanho dos cometas na Nuvem de Oort e, consequentemente, da sua massa total. As estimativas da massa da Nuvem de Oort variam muito, chegando a atingir 20 vezes a massa da Terra. 

Teorizada pela primeira vez em 1950 pelo astrónomo holandês Jan Oort, a Nuvem de Oort continua a ser uma hipótese porque os inúmeros cometas que a compõem são demasiado ténues e distantes para serem diretamente observados. Ironicamente, isto significa que a maior estrutura do Sistema Solar é praticamente invisível. Estima-se que o par de naves espaciais Voyager da NASA só chegue ao reino interior da Nuvem de Oort daqui a 300 anos, e que possa demorar até 30.000 anos a atravessá-la. 

As evidências circunstanciais provêm de cometas em queda que podem ser rastreados até este local de nidificação. Aproximam-se do Sol de todas as diferentes direções, o que significa que a nuvem deve ter uma forma esférica. Estes cometas são amostras pristinas da composição do Sistema Solar primitivo, preservadas durante milhares de milhões de anos. A realidade da Nuvem de Oort é reforçada pela modelagem teórica da formação e evolução do Sistema Solar. Quanto mais evidências observacionais puderem ser recolhidas através de levantamentos do céu profundo, juntamente com observações em vários comprimentos de onda, melhor os astrónomos podem compreender o papel da Nuvem de Oort na evolução do Sistema Solar.

Fonte: Astronomia OnLine

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