Qual é a chance de haver vida na lua Europa?

Analogias para a vida

Pesquisadores brasileiros fizeram uma avaliação da probabilidade de existência de vida microbiana na lua Europa, de Júpiter. Para isso, eles usaram dados colhidos em ambientes análogos existentes na Terra.

Europa tem sido um dos principais alvos de interesse da Astrobiologia por se mostrar um possível ambiente habitável para seres similares aos que vivem na Terra, devendo ser o primeiro alvo na busca por vida extraterrestre. Isso porque, debaixo de uma crosta de gelo com estimados 10 quilômetros de espessura, a lua parece possuir um oceano de água líquida com mais de 100 quilômetros de profundidade, mantida relativamente aquecida devido à interação gravitacional da lua com Júpiter.

Thiago Ferreira e seus colegas da USP em São Carlos (SP) queriam saber qual é a probabilidade real de que uma sonda espacial possa encontrar sinais de vida na lua - a ESA está prestes a enviar uma sonda às luas de Júpiter, enquanto a NASA planeja enviar uma sonda para pousar em Europa na década de 2030. Para isso, eles procuraram ambientes na Terra que pudessem ser comparados àqueles que se espera encontrar em Europa. O contexto terrestre análogo foi encontrado na mina de ouro de Mponeng, na África do Sul, localizada a 2,8 quilômetros de profundidade. Lá, descobriu-se recentemente a bactéria Candidatus Desulforudis audaxviator, que sobrevive sem luz solar a partir da hidrólise radioativa da água, uma condição plausível em Europa.

Bioenergética

O primeiro e mais óbvio requisito para a vida como a conhecemos é a existência de água líquida. A presença de um oceano líquido subterrâneo em Europa deve-se à força de maré exercida pela poderosa atração gravitacional de Júpiter.

Diferentemente da Lua terrestre, cuja órbita é quase circular, Europa descreve uma trajetória elíptica muito excêntrica. Por isso, a lua sofre deformação geométrica periódica ao longo do percurso. Quando se aproxima do planeta, sua forma é esticada pelo fortíssimo puxão gravitacional. Quando se afasta, sua forma volta a encolher.

Esse estica-encolhe libera enorme quantidade de energia térmica no interior de Europa. Assim, enquanto sua superfície tem a temperatura do espaço profundo, na faixa de -270 °C, seu subsolo é capaz de alojar um oceano de água não apenas líquida, mas também aquecida.

"Desse modo, em uma região muito distante do Sol e não iluminada pela luz solar, existe um ambiente bastante favorável para a existência de vida, tal como a conhecemos. Porém, não basta existir água líquida aquecida. É preciso que haja também uma fonte de desequilíbrio químico, capaz de gerar energia biologicamente aproveitável," explicou o professor Douglas Galante, coordenador da equipe.

Conforme explicou o pesquisador, os gradientes químicos - isto é, as diferenças de concentração de moléculas, íons ou elétrons em regiões distintas - são a base de toda a bioenergética conhecida na Terra. A respiração celular, a fotossíntese, a produção de ATP, a condução de impulsos nervosos e tantos outros processos são, todos eles, baseados na existência de gradientes químicos. Essas diferenças de concentração, que produzem uma direção e um sentido, configuram a chave que destrava a atividade biológica.

"As emanações hidrotermais - de hidrogênio molecular [H2], ácido sulfídrico [H2S], ácido sulfúrico [H2SO4], metano [CH4] e outras - são importantes fontes de desequilíbrios químicos e eventuais fatores de 'transdução biológica' - isto é, da transformação do desequilíbrio em energia biologicamente aproveitável. Essas fontes hidrotermais são o cenário mais plausível para a origem da vida na Terra," disse.

Fonte hidrotermal

O modelo proposto por Charles Darwin, de um meio aquoso aquecido rico em sais fosfóricos e de amônia como cenário para a origem da vida, provavelmente não aconteceu em uma poça superficial, como imaginou o naturalista britânico. Em vez disso, parece mais provável que a coisa tenha ocorrido em um fundo oceânico, abastecido por uma fonte hidrotermal.

"Quisemos avaliar a possibilidade de algo semelhante estar acontecendo em Europa. Para tanto, seria necessária uma emanação de água, proveniente do subsolo, que carregasse elementos químicos capazes de produzir tal desequilíbrio. No estágio atual, não temos dados para saber se isso ocorre em Europa. Tal processo depende da química do solo, da dinâmica do hidrotermalismo e de outras variáveis, que, no caso da lua de Júpiter, ainda são desconhecidas. Por isso, procuramos por um efeito físico mais universal que tivesse grande probabilidade de acontecer. E esse efeito é justamente o da ação da radioatividade", explicou Galante.

A mina de Mponeng sustenta ao menos uma forma de vida que se baseia nesse princípio.

"Nessa mina subterrânea de grande profundidade, há rachaduras por onde vaza água com a presença de urânio radioativo. O urânio quebra as moléculas de água produzindo radicais livres [H+, OH- e outros]. Os radicais livres atacam as rochas do entorno, especialmente a pirita [dissulfeto de ferro, FeS2], produzindo sulfatos. E as bactérias utilizam os sulfatos para sintetizar ATP [trifosfato de adenosina], nucleotídeo responsável pelo armazenamento de energia nas células. Foi a primeira vez que se observou um ecossistema que subsiste diretamente com base na energia nuclear," descreveu o pesquisador.

Elementos da vida: Água e pirita

A equipe então trabalhou com os três elementos radioativos - urânio, tório e potássio - mais abundantes na Terra e cujas porcentagens já foram medidas em meteoritos e em Marte. Esses dados foram então extrapolados para algo que provavelmente existe na lua Europa.

"A partir das quantidades, foi possível estimar a energia liberada, como essa energia estaria interagindo com a água de seu entorno e a eficiência da hidrólise radioativa da água resultante dessa interação na geração de radicais livres. Tais radicais livres são a fonte do desequilíbrio químico. No contexto de Mponeng, eles interagem com a pirita, produzindo sulfatos, que são utilizados pelas bactérias para sintetizar ATP," disse Galante.

Os cálculos mostraram de forma consistente que a existência de material radioativo, em quantidades bastante realistas, seria um fortíssimo propiciador da vida naquela lua. Outro ingrediente necessário é a pirita. Ainda não se sabe se Europa possui pirita ou não, mas a probabilidade é alta porque o enxofre (S) e o ferro (Fe) são elementos abundantes no Sistema Solar. Mas este seria um importante tópico a investigar em uma eventual missão espacial à lua de Júpiter.

"Uma das propostas decorrentes de nosso estudo é que, para avaliar a habitabilidade de um corpo celeste, se deve procurar por traços de pirita. Esse é um dos testes do nosso modelo", sublinhou Galante.

Disseminação da vida pelo espaço

Caso se confirme a existência de atividade microbiana em Europa, uma pergunta óbvia será se as bactérias presentes na lua jupteriana surgiram lá mesmo ou migraram de outras regiões do Sistema Solar, ou até mesmo de lugares mais distantes. Parece ficção científica, mas esta é também a pergunta que se faz em relação à própria vida na Terra. Uma pergunta para a qual a ciência ainda não tem resposta, pois, no estágio atual do conhecimento científico, não há dados irrecusáveis a favor ou contra uma eventual origem exógena para a vida terrestre - há chances razoáveis de que todos sejamos descendentes de extraterrestres, dando suporte à teoria da panspermia.

"Não encontramos, até hoje, evidência de vida fora da Terra. O que temos mostrado em laboratório é que microrganismos, de diferentes tipos, são altamente resistentes e capazes de sobreviver a viagens espaciais. Um cenário possível seria que microrganismos eventualmente ejetados de Marte pelo choque de um cometa viajassem pelo espaço e chegassem à Terra. Sabemos que isso poderia acontecer. Mas não temos nenhuma evidência de que tenha acontecido," disse Galante. 

Cientistas de 26 universidades e instituições de pesquisa do Japão estão conduzindo atualmente o experimento Tanpopo na Estação Espacial Internacional. A missão consiste na coleta de amostras de poeira cósmica para o posterior rastreamento de compostos prebióticos ou mesmo de microrganismos. Se tais microrganismos existirem, mesmo que tenham chegado ao espaço próximo a partir da própria Terra, isso constituirá um formidável argumento a favor da disseminação da vida além dos limites da atmosfera terrestre.
Fonte: Inovação Tecnológica

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