A viagem ao espaço interestelar
Ilustração da sonda Voyager da NASA, realçando o seu instrumento MAG.Crédito: Centro de Voo Espacial Goddard da NASA/JPL/Mary Pat Hrybyk-Keith
As sondas Voyager 1
e Voyager 2 encontram-se num local que muitos nunca pensaram alcançar. Agora no
espaço interestelar, estão a empurrar os limites da exploração, viajando
através da vizinhança cósmica, dando-nos o nosso primeiro olhar direto do
espaço para lá da nossa estrela.
Mas quando foram
lançadas em 1977, a Voyager 1 a Voyager 2 tinham uma missão diferente: explorar
o Sistema Solar exterior e recolher observações diretamente na fonte, dos
planetas exteriores que só tínhamos visto antes com estudos remotos. Mas agora,
quatro décadas após o lançamento, viajaram mais longe do que qualquer outra
nave da Terra; para o mundo frio e silencioso do espaço interestelar.
Originalmente
construídos para medir as propriedades dos planetas gigantes, os instrumentos
de ambas as sondas passaram as últimas décadas pintando uma imagem da
propagação dos eventos solares da nossa estrela-mãe. E a nova missão das
Voyager foca-se não apenas nos efeitos do espaço a partir de dentro da nossa
heliosfera - a bolha gigante em torno do Sol repleta de fluxos constantes de
partículas solares a que chamamos vento solar - como a partir de fora. Embora
já tenham ajudado a olhar mais de perto os planetas e a sua relação com o Sol,
agora fornecem-nos pistas sobre a natureza do espaço interestelar enquanto continuam
a sua jornada.
O ambiente que
exploram é mais frio, subtil e mais ténue do que nunca, e ainda assim as
Voyager continuam explorando e medindo o meio interestelar, uma miscelânea de
gás, plasma e partículas das estrelas e regiões de gás que não são originárias
do nosso Sistema. Três dos dez instrumentos das naves são os principais atores
que estudam como o espaço dentro da heliosfera difere do espaço interestelar. A
conjunção destes dados permite que os cientistas juntem a melhor imagem da
fronteira da heliosfera e do meio interestelar. Aqui ficam as histórias que
contam.
O Magnetómetro
Durante a primeira
missão planetária das Voyagers, o instrumento MAG (Magnetometer) foi usado para
investigar as magnetosferas dos planetas e das suas luas, determinando a
mecânica física e os processos das interações desses campos magnéticos e do
vento solar. Depois do fim dessa missão, as Voyager estudaram o campo magnético
da heliosfera e além, observando o alcance magnético do Sol e as mudanças que
ocorrem dentro desse alcance durante a atividade solar.
A recolha de dados
magnéticos à medida que viajamos para o espaço requer um truque interessante.
As Voyager giram em torno de si próprias, numa manobra de calibração que
permite que as sondas diferenciem entre o seu campo magnético - que acompanha a
sua rotação - e os campos magnéticos do espaço que atravessam.
A observação inicial
do campo magnético para lá da influência do Sol ocorreu quando a Voyager 1
atravessou a heliopausa em 2012. Os cientistas viram que, dentro da heliosfera,
a força do campo magnético era bastante variável, mudando e saltando à medida
que a Voyager 1 se movia pela heliosfera. Essas mudanças devem-se à atividade
solar. Mas assim que a Voyager 1 cruzou para o espaço interestelar, essa
variabilidade cessou. Embora a força do campo fosse semelhante à que estava
dentro da heliosfera, já não possuía a variabilidade associada com os surtos do
Sol.
O gráfico 1 mostra a
magnitude, ou força, do campo magnético em redor da heliopausa de janeiro de
2012 até maio de 2014. Antes de encontrar a heliopausa, marcada pela linha
laranja, a força do campo magnético flutua bastante. Depois de uma difícil
viagem pela heliopausa em 2012, a força magnética para de flutuar e começa a
estabilizar-se em 2013, assim que a sonda percorre o suficiente para o meio
interestelar.
Em novembro de 2018,
a Voyager 2 também atravessou a heliopausa e, da mesma forma, teve uma viagem
atribulada pela heliopausa. Os cientistas estão ansiosos por ver como a sua
jornada difere da sua irmã gémea.
O Subsistema de
Raios Cósmicos
Tal como o MAG, o
CRS (Cosmic Ray Subsystem) foi originalmente construído para medir sistemas
planetários. O CRS concentrou-se nas composições das partículas energéticas nas
magnetosferas de Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno. Os cientistas usaram-no
para estudar as partículas carregadas dentro do Sistema Solar e a sua
distribuição entre os planetas. No entanto, desde que passou pelos planetas que
o CRS tem vindo a estudar as partículas carregadas da heliosfera e - agora - as
partículas no meio interestelar.
O CRS conta quantas
partículas deteta por segundo. Fá-lo usando dois telescópios: o HET (High
Energy Telescope), que mede partículas de alta energia (70 MeV) identificáveis
como partículas interestelares, e o LET (Low Energy Telescope), que mede
partículas de baixa energia (5 MeV) originárias do nosso Sol. Podemos pensar
nestas partículas como uma bola de bowling que derruba pinos vs. uma bala que
atinge os mesmos pinos - ambos provocam um impacto mensurável no detetor, mas
movem-se a velocidades muito diferentes. Ao medir as quantidades dos dois tipos
de partículas, as Voyager podem fornecer uma noção do ambiente espacial pelo
qual estão a passar.
O gráfico 2 mostra a
contagem - quantas partículas por segundo estão a interagir com o CRS, em
média, todos os dias - de partículas de raios galácticos medidas pelo HET
(topo) e de partículas heliosféricas medidas pelo LET (baixo). A linha vermelha
mostra os dados da Voyager 1, "adiantadas" 6,32 anos a partir de 2012
para coincidir com os dados da Voyager de meados de novembro de 2018, mostrados
a azul.
Os dados do CRS da
Voyager 2 de dia 5 de novembro de 2018 mostram uma contagem de partículas
interestelares do HET que aumenta para valores parecidos aos que a Voyager 1
viu, depois nivelando. Similarmente, o LET mostra uma séria diminuição nas
partículas originárias da heliosfera. Esta foi uma evidência chave de que a
Voyager 2 havia atravessado para o espaço interestelar. Os cientistas podem
continuar a observar estas contagens para ver se a composição das partículas do
espaço interestelar muda ao longo da viagem.
O Instrumento de
Plasma
O PLS (Plasma
Science Instrument) foi desenhado para medir plasma e partículas ionizadas em
redor dos planetas exteriores e para medir a influência do vento solar nesses
planetas. O PLS é composto por quatro copos de Faraday, um instrumento que mede
o plasma à medida que passa pelos copos e calcula a velocidade, direção e
densidade do plasma.
O instrumento de
plasma da Voyager 1 foi danificado durante a passagem rasante por Saturno e
teve que ser desligado muito antes que a Voyager 1 saísse da heliosfera, tornando-a
incapaz de medir as propriedades do plasma do meio interestelar. Com o
cruzamento da Voyager 2, os cientistas receberão as primeiras medições de
plasma do meio interestelar.
Os cientistas
previram que o plasma interestelar medido pela Voyager 2 seria maior em
densidade, mas menor em temperatura e velocidades do que o plasma dentro da
heliosfera. E em novembro de 2018, o instrumento viu exatamente isso pela
primeira vez. Isto sugere que o plasma nesta região está a ficar cada vez mais
frio e, tal como carros que desaceleram numa autoestrada, começa a acumular-se
em torno da heliopausa e no meio interestelar.
E agora, graças ao
PLS da Voyager 2, temos uma perspetiva nunca antes vista da nossa heliosfera: a
velocidade do plasma desde a Terra até à heliopausa.
O terceiro gráfico
conta uma história incrível resumindo uma viagem de 42 anos. A secção de topo
mostra a velocidade do plasma, isto é, quão depressa se move pela heliosfera,
contra a distância à Terra. A distância encontra-se em unidades astronómicas;
uma unidade astronómica é a distância média entre o Sol e a Terra, cerca de 150
milhões de quilómetros. Para contexto, Saturno está a 10 UA da Terra, enquanto
Plutão está a 40 UA.
O cruzamento da
heliopausa ocorreu a 120 UA, quando a velocidade do plasma oriundo do Sol cai
para zero (visto no gráfico de cima) e o fluxo do plasma para fora é desviado -
visto no aumento nos dois gráficos de baixo, que mostram as velocidades para
cima e para baixo (a velocidade normal, gráfico do meio) e a velocidade lateral
do vento solar (velocidade tangencial, gráfico inferior) do plasma do vento
solar, respetivamente. Isto significa que quando o vento solar começa a
interagir com o meio interestelar, é empurrado para fora e para longe, como uma
onda que bate num penhasco.
Olhando para cada
instrumento isoladamente, no entanto, não conta a história completa do aspeto
do espaço interestelar e da heliopausa. Juntos, estes instrumentos contam uma
história da transição do espaço ativo e turbulento dentro da influência do
nosso Sol para as águas relativamente calmas à beira do espaço interestelar.
O MAG mostra que a
força do campo magnético diminui acentuadamente no meio interestelar. Os dados
do CRS mostram um aumento nos raios cósmicos interestelares e uma diminuição
nas partículas heliosféricas. E, finalmente, o PLS mostra que já não existe
vento solar detetável.
Agora que as sondas
Voyager estão para lá da heliosfera, a sua nova perspetiva fornecerá novas
informações sobre a formação e estado do nosso Sol e como interage com o espaço
interestelar, juntamente com a perceção de como outras estrelas interagem com o
meio interestelar.
A Voyager 1 e a
Voyager 2 estão a fornecer o nosso primeiro olhar do espaço que teremos que
atravessar se a humanidade viajar para lá da nossa estrela-mãe - um vislumbre
da nossa vizinhança no espaço.
Fonte: Astronomia OnLine
Comentários
Postar um comentário
Se você achou interessante essa postagem deixe seu comentario!