A Lua já deu uma ‘meia-volta’ no passado? A sua face oculta já esteve visível a partir da Terra?

                   A face oculta da Lua vista pela Apollo 16. Era esta era a face visível há 3,9 bilhões de anos?
Há pouco mais de 3,9 bilhões de anos, a Lua poderá ter realizado a sua derradeira “meia-volta” quando um asteróide fez que a Lua alternasse a face visível que nos é familiar. O lado oculto da Lua nunca se mostra visível para nós aqui na Terra, porque a Lua roda em torno de seu eixo em velocidade sincrônica: uma vez para cada órbita que completa em torno da Terra. Mas uma análise das crateras de impacto mostra que o lado oculto da Lua talvez já tenha apontado em nossa direção. A idéia do ‘giro lunar’ não é totalmente nova. Em 1975 pesquisadores nos EUA propuseram que se um asteróide de tamanho significativo se chocasse contra nosso satélite o resultado da colisão poderia gerar uma oscilação para frente e para trás como um pêndulo, antes de se fixar novamente na rotação sincrônica, com uma face voltada fixamente para a Terra. Até agora, contudo, não haviam evidências para suportar essa teoria. Mark Wieczorek e Matthieu Le Feuvre do Instituto de Paris para a Física Terrestre da França estudaram a idade relativa e a distribuição de 46 crateras conhecidas, formadas por impactos do grande bombardeamento tardio no Sistema Solar.

Se as crateras estão no ‘lado errado’ então a Lua sofreu uma ‘meia-volta’?

De acordo com simulações computacionais, o hemisfério a oeste da Lua visto da Terra, deveria ter cerca de 30% mais crateras que o hemisfério a leste. Isto é porque o hemisfério oeste tem sempre a sua face na direção da órbita da Lua, o que o torna mais favorável a impactos, pela mesma razão que um maior número de gotas de chuva atinge o vidro da frente de um carro em movimento do que o vidro de trás. No entanto, quando Wieczorek e Le Feuvre compararam as idades relativas das crateras, usando os dados da seqüência na qual o material ejetado foi depositado na superfície e também pelo número de crateras superpostas entre si. Assim, eles descobriram que o ocorrido era justamente o oposto da realidade. Embora as mais jovens das bacias de impacto estivesses concentradas no hemisfério oeste, como esperado, as crateras mais antigas estavam na sua maioria concentrada no hemisfério leste. Isto sugere que a face leste foi mais bombardeada que a face oeste.

Mas, onde estão as evidências da ‘meia-volta-lunar’? Wieczorek afirma que há 6 grandes bacias de impacto podem justificar sua tese. A mais relevante é a bacia Smythii que se situa no equador lunar “onde um o choque poderia ter maior facilidade de ter causado um giro na Lua que um impacto nos pólos lunares”. Considerando essas possibilidades, os especialistas estimaram que o evento ocorreu há 3,9 bilhões de anos. Assim, a ‘meia-volta-lunar’ poderia ser justificada por um grande impacto de um objeto que pôs a Lua em movimento. Tal impacto teria perturbado bastante a velocidade de rotação do nosso satélite, que durante milhares de anos poderia ter lentamente mudado a área vista da Terra. Eventualmente, ficaria na posição atual, com a estabilização do movimento sincrônico Terra X Lua. Os cientistas foram incisivos em suas conclusões, conforme escreveram no ABSTRACT do artigo publicado na revista Science:
“A Lua atualmente está bloqueada em uma ressonância orbital com rotação sincrônica. Como conseqüências do bloqueio da rotação lunar, mais impactos deveriam acontecer na face lunar que está à frente do movimento (0° N, 90° W) que na face oposta (antiápex) ao movimento lunar (0° N, 90° E). Várias dos maiores impactos de objetos na Lua poderiam ter temporariamente desbloqueado temporariamente a rotação lunar, cessando a rotação sincrônica, permitindo que após o restabelecimento do estado estacionário a Lua ter sido deixada tanto na sua posição original como em outra, até 180º da posição inicial. Nós mostramos que existe uma probabilidade inferior a 2% de que a as crateras mais antigas de impacto seriam aleatoriamente distribuídas pela superfície lunar. Além disso, as bacias de impacto estão preferencialmente localizadas na região antiápex do movimento lunar e esta configuração específica tem menos de 0,3% de probabilidade de ter ocorrido meramente ao acaso. Postulamos que o “lado visível” atual da Lua foi de fato o “lado oculto” quando as bacias de impacto mais antigas surgiram. A bacia de Smythii é um exemplo de cratera com o tamanho requerido e características que explicam a tese da reorientação de 180º.“

Na Figura acima:Smythii Basin: uma das crateras de grande porte suspeitas que sustentam a tese da 'meiavolta' lunar. Assim, as amostras de rocha recolhidas pelo programa Apollo, a partir de crateras formadas por uma grande colisão, sugerem que a Lua mudou de face visível há pouco mais de 3,9 bilhões de anos, afirma Wieczorek. Estudos a partir das imagens coletadas pelas sondas asiáticas Chandrayaan-1 ou Kaguya, as quais estiveram em órbita da Lua nos últimos dois anos, associadas às novas imagens que a nova sonda LRO (Lunar Reconnaissance Orbiter) irá fornecer nos próximos 2 anos, poderão revelar mais crateras para reforçar a idéia da “meia-volta-lunar”.

Vamos repensar a ‘ciência das crateras’?

 
“Parece plausível que a Lua estava originalmente orientada da direção oposta a que vemos hoje”, comentou Katherine Joy, geologista lunar da University College London na Inglaterra. Assim, esta descoberta também “trás conseqüências importantes para o entendimento dos registros de crateras como um todo dentro do Sistema Solar interior… os cálculos das idades das crateras podem ter um novo grau de ambigüidade”.
“Esta é a primeira evidência real que uma reviravolta lunar pode ter ocorrido”, comentou o geofísico planetário Jay Melosh da Universidade do Arizona em Tucson. Melosh foi o primeiro cientista que aventou a hipótese do ‘giro lunar’ em 1975. Além disso, esta descoberta também trás as possibilidades que outros satélites no Sistema Solar sofreram eventos similares ao da Lua, completa Melosh. “As luas de Júpiter e Saturno podem estar em uma posição fixa agora, mas elas também podem ter passado por processos de reversão em algum momento no passado”.
Fontes:Scientific American

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