VÉNUS tem potencial - mas não para água

A sonda Venus Express da ESA detetou um campo elétrico surpreendentemente forte em Vénus - a primeira vez que um campo elétrico foi medido num planeta. Com um potencial de mais ou menos 10V, é quase cinco vezes maior do que os cientistas esperavam e é suficiente para despojar a atmosfera superior de oxigénio, um dos componentes da água.  Ao contrário da Terra, Vénus não tem um campo magnético significativo para se proteger do vento solar. Quando o campo magnético transportado pelo vento solar encontra Vénus, rodeia a ionosfera do planeta (na imagem em tons alaranjados), puxando as suas partículas.  Enquanto os protões e outros iões (azul na inserção) sentem uma força devido à gravidade do planeta, os eletrões (a vermelho na inserção) são muito mais leves e, consequentemente, são capazes de escapar à atração gravitacional mais facilmente.  À medida que os eletrões sobem na atmosfera e para o espaço, ainda estão ligados aos protões e iões via força eletromagnética, e isto resulta no campo elétrico vertical que é criado acima da atmosfera de Vénus.
A Venus Express detetou o campo magnético em Vénus por trás da linha do terminador, que divide o lado diurno do noturno.
Crédito: ESA, C. Carreau

A sonda Venus Express da ESA pode ter ajudado a explicar a enigmática falta de água em Vénus. O planeta tem um campo elétrico surpreendentemente forte – é a primeira vez que isto foi medido num planeta – o qual é suficiente para despojar a atmosfera superior de oxigénio, um dos componentes da água. Vénus é muitas vezes chamado de planeta gémeo da Terra, uma vez que o segundo planeta a contar do Sol é apenas ligeiramente mais pequeno que o nosso. Mas a sua atmosfera é bastante diferente, consistindo maioritariamente de dióxido de carbono, com um pouco de azoto e quantidades vestigiais de dióxido de enxofre e outros gases. É muito mais espessa que a Terra, atingindo pressões de mais de 90 vezes a da Terra ao nível do mar, e incrivelmente seco, com uma abundância relativa de água cerca de 100 vezes inferior à da camada gasosa da Terra.

Além disso, Vénus tem agora um efeito de estufa descontrolado e uma temperatura à superfície suficientemente elevada para derreter chumbo. Também, ao contrário do nosso planeta, não possui um significativo campo magnético próprio. Os cientistas acreditam que Vénus já possuiu grandes quantidades de água na sua superfície há mais de 4 mil milhões de anos atrás. Mas à medida que foi aquecendo, a maior parte da sua água evaporou para a atmosfera, onde poderá ter sido dilacerada pela luz solar e subsequentemente perdida no espaço. O vento solar – uma poderosa corrente de partículas subatómicas vindas do sol – é um dos culpados, removendo iões de hidrogénio (protões) e iões de oxigénio da atmosfera do planeta e privando-a assim da matéria-prima para fazer água. Agora, com a ajuda da Venus Express, os cientistas identificaram outra diferença entre os dois planetas: Vénus tem um campo elétrico substancial, com um potencial de cerca de 10 V.

Isto é pelo menos cinco vezes superior ao esperado. Observações anteriores em busca de campos elétricos na Terra e em Marte falharam em fazer uma deteção conclusiva, mas indicam que, a existir, é inferior a 2 V. "Pensamos que todos os planetas com atmosferas têm um campo elétrico fraco, mas esta é a primeira vez que fomos capazes de detetar um," afirma Glyn Collinson do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA, autor principal do estudo. Em qualquer atmosfera planetária, os protões e outros iões são puxados pela gravidade do planeta. Os eletrões são mais leves e por isso sentem um puxão menor – são capazes de escapar mais facilmente à força gravitacional. À medida que os eletrões derivam para cima na atmosfera e se afastam no espaço, continuam, no entanto, ligados aos protões positivos e aos iões através da força eletromagnética, e isto resulta num campo elétrico global vertical sendo criado por cima da atmosfera do planeta.

O campo elétrico detetado pela Venus Express é muito mais forte que o esperado e pode fornecer a energia suficiente aos iões de oxigénio para acelerá-los para cima de forma rápida, sendo isto suficiente para escaparem ao puxão gravitacional do planeta. A descoberta revela assim outro processo, para além da decapagem pelo vento solar, isto poderá contribuir para um baixo conteúdo de água em Vénus. O campo elétrico de Vénus é muito mais forte do que alguma vez pudéssemos imaginar e muito poderoso em relação a um ião de oxigénio tão pequeno," acrescenta Glyn. No entanto, em termos reais, o poder total é apenas semelhante ao de uma única turbina de vento, e espalha-se por centenas de quilómetros de altitude, assim, como podem imaginar, isto é incrivelmente difícil de medir."

Os cientistas examinaram pacientemente dados recolhidos durante dois anos com um espectrómetro de eletrões, que faz parte do instrumento ASPERA-4 da Venus Express. Encontraram 14 janelas breves de um minuto no momento em que a aeronave estava no local exato e com todas as condições reunidas para a medição de um campo elétrico. Em todas estas ocasiões, observou-se um campo elétrico. A razão pela qual Vénus tem um campo elétrico muito maior do que o da Terra continua sob investigação. Glyn e os seu colegas suspeitam que a posição do planeta, mais próximo do Sol, possa desempenhar um papel importante.

"Ao estar mais próximo do Sol do que a Terra, Vénus recebe o dobro da luz ultravioleta, resultando num maior número de eletrões livres na atmosfera e, como consequência, pode causar um campo elétrico mais forte por cima do planeta," diz Andrew Coates do Laboratório de Ciência do Espaço Mullard, Reino Unido, investigador principal do espectrofotómetro de eletrões ASPERA-4. A presença de tal campo em Vénus sugere que as partículas e iões necessários para formar água estão a sair da atmosfera do planeta mais rapidamente do que o esperado. Por outro lado, isto significa que Vénus poderá ter albergado grandes quantidades de água no passado, antes de ter sido quase completamente despojada.

"A água tem um papel-chave na vida como nós a conhecemos na Terra e possivelmente noutros locais do Universo," afirma Håkan Svedhem, cientista do projeto Venus Express da ESA. "Ao sugerir um mecanismo capaz de privar um planeta próximo da sua estrela-mãe de quase toda a sua água, esta descoberta apela a uma reflexão de como nós definimos um planeta 'habitável', não só no nosso Sistema Solar, mas também no contexto de exoplanetas."
Fonte: Astronomia Online


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