Hubble rastreia o ciclo de vida das tempestades em Netuno
Esta
é uma composição que mostra imagens de tempestades em Neptuno pelo Telescópio
Espacial Hubble (esquerda) e pela sonda Voyager 2 (direita). A imagem do
Hubble, pela câmara WFC3 (Wide Field Camera 3), obtida em setembro e novembro
de 2018, mostra uma nova tempestade escura (topo, centro). Na imagem da
Voyager, uma tempestade conhecida como Grande Mancha Escura pode ser vista no
centro. Tem mais ou menos 13000 por 6000 km em tamanho - tão grande, no seu
eixo maior, quanto a Terra. As nuvens brancas vistas a pairar na vizinhança das
tempestades estão a maiores altitudes do que o material escuro.Crédito:
NASA/ESA/GSFC/JPL
Em 1989, a sonda Voyager 2 da
NASA passou por Neptuno - o seu alvo planetário final antes de chegar aos
confins do Sistema Solar. Foi a primeira vez que uma nave visitou este mundo
remoto. À medida que a sonda por lá passava, tirou fotos de duas tempestades
gigantes no hemisfério sul de Neptuno. Os cientistas apelidaram as tempestades
de "Grande Mancha Escura" e "Mancha Escura 2".
Apenas cinco anos depois, em
1994, o Telescópio Espacial Hubble da NASA obteve imagens nítidas de Neptuno à
distância da Terra de 4,3 mil milhões de quilómetros. Os cientistas estavam
ansiosos por observar as tempestades novamente. Em vez disso, as fotografias do
Hubble revelaram que tanto a Grande Mancha Escura, do tamanho da Terra, quanto
a Mancha Escura 2, tinham desaparecido.
"Foi certamente uma
surpresa," recorda-se Amy Simon, cientista planetária do Centro de Voo
Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, no estado norte-americano de Maryland.
"Estávamos habituados a olhar para a Grande Mancha Vermelha de Júpiter,
que presumivelmente está por lá há quase dois séculos." Os cientistas
planetários imediatamente começaram a construir simulações de computador para
entender o misterioso desaparecimento da Grande Mancha Escura.
Agora parte do projeto OPAL
(Outer Planet Atmospheres Legacy), Simon e seus colegas estão a começar a
responder a estas perguntas. Graças às imagens captadas pelo Hubble, a equipa
não só testemunhou pela primeira vez a formação de uma tempestade, como
desenvolveu restrições que determinam a frequência e duração dos sistemas de
tempestades.
O nascimento de uma
tempestade
Em 2015, a equipa OPAL
começou uma missão anual para analisar imagens de Neptuno capturadas pelo
Hubble e detetou uma pequena mancha escura no hemisfério sul. Todos os anos,
desde então, Simon e colegas observaram o planeta e monitorizaram a tempestade
enquanto se dissipava. Em 2018, surgiu uma nova mancha escura, pairando a 23
graus de latitude norte.
"Estávamos tão ocupados
a rastrear esta tempestade pequena de 2015, que não estávamos necessariamente à
espera de ver outra grande tão cedo," comenta Simon acerca da tempestade,
parecida em tamanho à Grande Mancha Escura. "Foi uma surpresa agradável.
De cada vez que obtemos novas imagens do Hubble, algo é diferente do que
esperávamos."
Além disso, o nascimento da
tempestade foi capturado "em direto". Ao analisarem imagens de
Neptuno, pelo Hubble, obtidas de 2015 a 2017, a os cientistas descobriram
várias pequenas nuvens brancas formadas na região onde a mancha escura mais
recente apareceria mais tarde. Publicaram os seus achados na edição de 25 de
março da revista Geophysical Research Letters.
As nuvens de alta altitude
são feitas de cristais de metano gelado, que lhes conferem a sua característica
aparência branca e brilhante. Pensa-se que estas nuvens companheiras pairem
acima das tempestades, análogas ao modo como as nuvens lenticulares cobrem
montanhas altas na Terra. A sua presença, anos antes de uma nova tempestade ser
avistada, sugere que as manchas escuras podem ter uma origem muito mais profunda
na atmosfera do que se pensava anteriormente.
"Da mesma forma que um
satélite terrestre observaria a meteorologia da Terra, observamos a
meteorologia em Neptuno," comenta Glenn Orton, cientista planetário no JPL
da NASA em Pasadena, Califórnia, também do projeto OPAL. Assim como os furacões
são seguidos na Terra, as imagens do Hubble revelaram o caminho sinuoso da
mancha escura. Ao longo de um período de quase 20 horas, a tempestade moveu-se
para oeste, deslocando-se um pouco mais devagar do que os ventos de alta
velocidade de Neptuno.
Mas estas tempestades
neptunianas são diferentes dos ciclones que vemos na Terra ou em Júpiter. Assim
como os padrões de vento que as impulsionam. Parecidas aos trilhos que impedem
que as bolas de bowling entrem nas calhas, bandas finas de correntes ventosas
em Júpiter mantêm a Grande Mancha Vermelha num caminho definido.
Em Neptuno, as
correntes de vento operam em bandas muito mais amplas em redor do planeta,
permitindo que tempestades como a Grande Mancha Escura vagueiem lentamente
pelas latitudes. As tempestades normalmente pairam entre os jatos de ventos
equatoriais oeste e as correntes que sopram para leste nas latitudes mais altas
antes que os fortes ventos as separem.
São necessárias ainda mais
observações. "Queremos ser capazes de estudar como os ventos estão a mudar
com o tempo," diz Simon.
Tempo médio de vida?
Simon também faz parte de uma
equipa de cientistas liderados pelo estudante Andrew Hsu, da Universidade da
Califórnia em Berkeley, que identificou quanto tempo estas tempestades duram e
com que frequência ocorrem.
Eles suspeitam que as novas
tempestades surgem em Neptuno a cada quatro a seis anos. Cada tempestade pode
durar até seis anos, embora a expetativa de vida de dois anos seja mais
provável, de acordo com resultados publicados dia 25 de março na revista The
Astronomical Journal.
Foram descobertos um total de
seis sistemas de tempestades desde que os cientistas se voltaram para Neptuno.
A Voyager 2 identificou duas tempestades em 1989. Desde que o Hubble foi
lançado em 1990, viu mais quatro destas tempestades.
Além de analisar os dados
recolhidos pelo Hubble e pela Voyager 2, a equipa realizou simulações de
computador que mapearam um total de 8000 manchas escuras girando pelo planeta
gelado. Quando combinadas com 256 imagens de arquivo, estas simulações
revelaram que o Hubble provavelmente teria detetado aproximadamente 70% das
tempestades simuladas que ocorreram ao longo de um ano e cerca de 85% a 95% das
tempestades com uma vida útil de dois anos.
Ainda pairam perguntas
As condições em Neptuno ainda
são em grande parte um mistério. Os cientistas planetários esperam estudar em
breve as mudanças na forma do vórtice e a velocidade do vento das tempestades.
"Nós nunca medimos diretamente os ventos dentro dos vórtices escuros de
Neptuno, mas estimamos que as velocidades do vento estão próximas dos 100 metros
por segundo, bastante parecidas às velocidades do vento dentro da Grande Mancha
Vermelha de Júpiter," diz Michael Wong, cientista planetário da
Universidade da Califórnia em Berkeley. Ele realça que observações mais
frequentes, usando o Telescópio Espacial Hubble, ajudarão a pintar uma imagem
mais clara de como os sistemas de tempestades em Neptuno evoluem.
Simon diz que as descobertas
em Neptuno terão implicações para aqueles que estudam exoplanetas, na nossa
Galáxia, de tamanho idêntico aos gigantes de gelo. "Se estudarmos os
exoplanetas e quisermos entender como funcionam, precisamos realmente de
entender primeiro os nossos planetas," acrescenta Simon. "Temos muito
pouca informação sobre Úrano e Neptuno."
Todos concordam que estes
achados recentes estimulam o desejo de seguir com mais detalhe o nosso mais
distante gigante planetário. "Quanto mais sabemos, mais nos apercebemos do
que não sabemos," conclui Orton.
Fonte: Astronomia OnLine
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