Mapeando as primeiras estruturas do Universo com o COSMOS-Webb

 Quando o Telescópio Espacial James Webb da NASA iniciar as suas operações científicas em 2022, uma das suas primeiras tarefas será um programa ambicioso para mapear as estruturas mais atingas do Universo. Chamado COSMOS-Webb, este amplo e profundo levantamento de meio milhão de galáxias é o maior projeto que o Webb empreenderá durante o seu primeiro ano. 

Com mais de 200 horas de tempo de observação, o COSMOS-Webb vai examinar uma grande região do céu - com 0,6º quadrados - com o seu instrumento NIRCam (Near-Infrared Camera). É equivalente ao tamanho de três Luas Cheias. Vai mapear simultaneamente uma área mais pequena com o instrumento MIRI (Mid-Infrared Instrument).

O levantamento COSMOS-Webb vai mapear 0,6º quadrados do céu - cerca de três Luas Cheias - usando o instrumento NIRCam do Telescópio Espacial James Webb, enquanto mapeia simultaneamente uma área com 0,2º quadrados com o MIRI. As fronteiras denteadas do contorno do campo do Hubble são devido às imagens separadas que compõem o campo de levantamento.Crédito: Jeyhan Kartaltepe (RIT); Caitlin Casey (UT em Austin); e Anton Koekemoer (STScI)Design gráfico: Alyssa Pagan (STScI)

É um grande "pedaço" do céu, o que é bastante único para o programa COSMOS-Webb. A maioria dos programas do Webb vai perscrutar muito profundamente, como levantamentos "ponta de lápis" que estudam pequenos trechos do céu," explicou Caitlin Casey, professora assistente na Universidade do Texas e colíder do programa COSMOS-Webb. "Dado que estamos a cobrir uma grande área, podemos olhar para estruturas em grande escala no início da formação galáctica. Vamos também procurar algumas das galáxias mais raras que existiram no início, bem como mapear a distribuição de matéria escura a grande escala das galáxias até tempos muito primitivos." 

(A matéria escura não absorve, reflete ou emite luz, de modo que não pode ser vista diretamente. Sabemos que a matéria escura existe devido ao efeito que tem sobre os objetos que podemos observar.) 

O COSMOS-Webb estudará meio milhão de galáxias com imagens multibanda no infravermelho próximo e de alta resolução, e 32.000 galáxias sem precedentes no infravermelho médio. Com a rápida divulgação dos dados ao público, este levantamento será um conjunto primário de dados para cientistas de todo o mundo que estudam galáxias para lá da Via Láctea. 

Apoiando-se nos "ombros" do Hubble 

O levantamento COSMOS começou em 2002 como um programa do Hubble para criar imagens de uma região muito maior do céu, com cerca de 10 Luas Cheias. A partir daí, a colaboração cresceu para incluir a grande parte dos maiores telescópios do mundo na Terra e no espaço. Agora, o COSMOS é um levantamento em vários comprimentos de onda que cobre todo o espectro, desde raios-X ao rádio. Devido à sua localização no céu, o campo COSMOS é acessível a observatórios de todo o mundo. Localizado no equador celeste, pode ser estudado tanto no hemisfério norte quanto no sul, resultando num rico e diversificado tesouro de dados.

Este mar de galáxias é o campo completo e original do COSMOS pelo instrumento ACS (Advanced Camera for Surveys) do Telescópio Espacial Hubble. O mosaico completo é uma composição de 575 imagens separadas, onde cada imagem ACS tem cerca de um-décimo do diâmetro da Lua Cheia. As bordas recortadas do contorno são devido às imagens separadas que compõem o campo do levantamento. Crédito: Anton Koekemoer (STScI) e Nick Scoville (Caltech) 

"O COSMOS tornou-se o levantamento a que muitos cientistas extragalácticos se dirigem para realizar as suas análises porque os dados estão amplamente disponíveis e porque cobre uma área tão ampla do céu," disse Jeyhan Kartaltepe, professora assistente de física no Instituto de Tecnologia de Rochester e colíder do programa COSMOS-Webb. "O COSMOS-Webb é a próxima edição, onde estamos a usar o Webb para estender a nossa cobertura na parte do infravermelho próximo e médio do espectro e, portanto, a ampliar o nosso horizonte, a distância que podemos ver." 

O ambicioso programa COSMOS-Webb basear-se-á em descobertas anteriores para fazer avanços em três áreas específicas de estudo, incluindo: revolucionar a nossa compreensão da Era da Reionização; procurar galáxias precoces totalmente evoluídas; e aprender como a matéria escura evoluiu com o conteúdo estelar das galáxias. 

1.ª meta: Revolucionar a nossa compreensão da Era da Reionização 

Pouco depois do Big Bang, o Universo estava completamente escuro. As estrelas e as galáxias, que banham o cosmos com luz, ainda não haviam se formado. Ao invés, o Universo consistia de uma sopa primordial de átomos de hidrogénio e hélio neutros e matéria escura invisível. A esta época chamamos "Idade das Trevas" cósmica.

Após várias centenas de milhões de anos, surgiram as primeiras estrelas e galáxias e forneceram energia para reionizar o Universo primitivo. Esta energia destruiu os átomos de hidrogénio que preenchiam o Universo, dando-lhes uma carga elétrica e pondo fim à Idade das Trevas. Esta nova era em que o Universo foi inundado de luz é chamada Era da Reionização. 

O primeiro objetivo do COSMOS-Webb foca-se nesta época de reionização, que ocorreu de 400.000 a mil milhões de anos após o Big Bang. A reionização provavelmente aconteceu em pequenas bolsas, não de uma só vez. O COSMOS-Webb vai procurar as primeiras bolhas do Universo primitivo reionizado. A equipa espera mapear a escala dessas bolhas de reionização. 

Há mais de 13 mil milhões de anos, durante a Era da Reionização, o Universo era um lugar muito diferente. O gás entre as galáxias era em grande parte opaco à luz energética, tornando difícil observar galáxias jovens. O que permitiu que o Universo se tornasse completamente ionizado, ou transparente, eventualmente levando às condições "limpas" detetadas hoje em grande parte do Universo? O Telescópio Espacial James Webb vai examinar as profundezas do espaço para recolher mais informações sobre objetos que existiram durante a Era da Reionização para nos ajudar a compreender esta importante transição na história do Universo. Crédito: NASA, ESA e Joyce Kang (STScI)

"O Hubble fez um ótimo trabalho em encontrar um punhado destas galáxias iniciais, mas precisamos de milhares de galáxias para entender o processo de reionização," explicou Casey. 

Os cientistas nem sabem o tipo de galáxias que deu início à Era da Reionização, se são sistemas muito massivos ou de massa relativamente baixa. O COSMOS-Webb terá a capacidade única de encontrar galáxias raras e muito massivas e ver como é a sua distribuição em estruturas de grande escala. Assim sendo, será que as galáxias responsáveis pela reionização vivem no equivalente a uma metrópole cósmica ou estão distribuídas de maneira uniforme pelo espaço? Só um levantamento do tamanho do COSMOS-Webb pode ajudar os cientistas a responder a esta questão. 

2.ª Meta: Procurar galáxias precoces totalmente evoluídas 

O COSMOS-Webb vai procurar galáxias muito antigas e totalmente evoluídas que interromperam o nascimento de estrelas nos primeiros dois mil milhões de anos após o Big Bang. O Hubble encontrou algumas destas galáxias, que desafiam os modelos existentes sobre como o Universo se formou. Os cientistas lutam para explicar como estas galáxias podem ter estrelas velhas e não estar a formar nenhuma estrela nova tão cedo na história do Universo. 

Com um grande levantamento como o COSMOS-Webb, a equipa vai encontrar muitas destas galáxias raras. Planeiam estudos detalhados destas galáxias para entender como podem ter evoluído tão rapidamente e desligado a formação de estrelas tão cedo. 

3.ª Meta: Aprender como a matéria escura evoluiu com o conteúdo estelar das galáxias 

O COSMOS-Webb vai dar aos cientistas uma visão sobre como a matéria escura nas galáxias evoluiu com o conteúdo estelar das galáxias ao longo da vida do Universo. As galáxias são compostas por dois tipos de matéria: matéria luminosa normal que vemos nas estrelas e noutros objetos, e matéria escura invisível, que geralmente é mais massiva do que a galáxia e pode envolvê-la num halo estendido. Estes dois tipos de matéria estão interligados na formação e evolução da galáxia. No entanto, atualmente não há muito conhecimento sobre como a massa de matéria escura nos halos das galáxias se formou e como essa matéria escura impacta a formação das galáxias. 

O COSMOS-Webb lançará luz sobre este processo, permitindo aos cientistas medir diretamente estes halos de matéria escura por meio de "lentes fracas". A gravidade de qualquer tipo de massa - seja escura ou luminosa - pode servir como uma lente para "curvar" a luz que vemos de galáxias mais distantes. Lentes fracas distorcem a forma aparente das galáxias de fundo, de modo que quando um halo está localizado em frente de outras galáxias, os cientistas podem medir diretamente a massa da matéria escura no halo. 

"Pela primeira vez, seremos capazes de medir a relação entre a massa da matéria escura e a massa luminosa das galáxias desde os primeiros 2 mil milhões de anos do tempo cósmico," disse o membro da equipa Anton Koekemoer, investigador do STSCI (Space Telescope Science Institute) em Baltimore, EUA, que ajudou a projetar a estratégia de observação do programa e é responsável pela construção de todas as imagens do programa. "Esta é uma época crucial para tentarmos entender como a massa das galáxias foi estabelecida pela primeira vez e como isso é impulsionado pelos halos de matéria escura. E isso pode então alimentar indiretamente o nosso entendimento da formação galáctica." 

Partilhando dados rapidamente com a comunidade 

O COSMOS-Webb é um programa que está desenhado para criar conjuntos de dados de valor científico duradouro. Estes tipos de programas esforçam-se por resolver vários problemas científicos com um único conjunto de dados coerente. Os dados obtidos geralmente não têm um período de acesso exclusivo, permitindo a análise imediata por outros investigadores. 

"Estamos comprometidos a divulgar rapidamente os dados e os produtos desses dados," explicou Kartaltepe. "Vamos produzir este recurso comunitário e torná-lo disponível publicamente para que o resto da comunidade possa usá-lo nas suas análises científicas." 

Koekemoer acrescentou: "O nosso programa compromete-se a disponibilizar publicamente todos estes produtos científicos para que qualquer pessoa na comunidade, mesmo em instituições muito pequenas, possa ter o mesmo acesso igual aos produtos de dados e então apenas fazer ciência." 

O COSMOS-Webb é um programa de Observadores Gerais do Ciclo 1. Os programas de Observadores Gerais foram selecionados competitivamente usando um sistema de revisão anónima e dupla, o mesmo sistema que é usado para alocar tempo no Hubble. 

O Telescópio Espacial James Webb será o principal observatório de ciências espaciais do mundo quando for lançado ainda no final deste ano. O Webb resolverá mistérios no nosso Sistema Solar, olhará mais além para mundos distantes em redor de outras estrelas e investigará as misteriosas estruturas e origens do nosso Universo e o nosso lugar nele. O Webb é um programa internacional liderado pela NASA com os seus parceiros, a ESA e a Agência Espacial Canadiana.

Fonte: Astronomia OnLine

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