Divulgada primeira imagem do buraco negro no centro de nossa galáxia
Rede global de telescópios capta imagens do entorno do buraco negro supermassivo no meio da Via Láctea.
A primeira foto de material superaquecido em torno do supermassivo
buraco negro no cetro da Via Láctea, Sagitário A*. Nenhuma luz consegue escapar
do centro do buraco negro.
O centro da Via Láctea é um mistério, como tantos outros. No núcleo da
nossa galáxia, há um buraco negro supermassivo com o peso de quatro milhões de
Sóis. Contornado por um disco brilhante de matéria turva, esse poço sem fundo
do espaço-tempo normalmente é escurecido por um manto de gás, poeira e estrelas
em sua órbita. Mas cientistas, munidos de uma rede global de telescópios, finalmente
tiveram um vislumbre direto do coração da galáxia e revelaram hoje a primeira
imagem da silhueta desse buraco negro. As observações, feitas em 2017, foram
descritas em um conjunto de artigos científicos publicados hoje no periódico
Astrophysical Journal Letters.
"Hoje, o telescópio Event Horizon tem o prazer de compartilhar com
vocês a primeira imagem direta do gentil gigante no centro da nossa galáxia,
Sagitário A*”, afirmou Feryal Ozel, da Universidade do Arizona, nos EUA, em
coletiva de imprensa ao anunciar a conquista. "Eu o conheci há 20 anos e o
tenho amado e tentado entendê-lo desde então. Mas, até agora, não tínhamos a
foto direta que confirmava que o Sagitário A* era, de fato, um buraco
negro."
A imagem mostra um anel assimétrico de material radiante circundando um
núcleo de escuridão – a sombra do buraco negro conhecido como Sagitário A* (o
asterisco significa “estrela”). A imagem se estende até o horizonte de eventos
do buraco negro, o ponto sem retorno além do qual estrelas, planetas, poeira e
até luz são perdidos para sempre.
O projeto, denominado Telescópio de Horizonte de Eventos, é uma
colaboração global dos mais dos 200 cientistas que fizeram a imagem. Em 2019, a
colaboração revelou uma imagem semelhante de um buraco negro gigantesco no
centro da M87, uma galáxia a uma distância de 50 milhões de anos-luz. Essa
imagem foi o primeiro registro em que a sombra de um buraco negro foi observada
diretamente. Ambas as imagens foram feitas combinando dados de oito
observatórios em todo o mundo, que, na prática, transformaram a Terra em um
grande telescópio.
Com a imagem de um segundo buraco negro disponível, cientistas podem
continuar estudando se as propriedades físicas atuais – e especificamente, a
teoria da relatividade geral de Einstein – se mantêm no ambiente extremo no
entorno de um buraco negro supermassivo. Ao comparar essas novas observações
com as da M87, os pesquisadores poderão saber mais sobre o comportamento de
buracos negros de diferentes massas.
“Fiz muitas considerações sobre esse buraco negro durante meu
doutorado”, afirma Sera Markoff, da Universidade de Amsterdã, na Holanda. “É um
estudo bastante abstrato, mas, de repente, foram obtidas imagens do buraco
negro.”
Um telescópio do tamanho do mundo
Em abril de 2017, cientistas apontaram radiotelescópios de oito
observatórios para o centro de nossa galáxia. Distribuídos em locais como o
Havaí, a Espanha e o Polo Sul, os telescópios observaram Sagitário A* à medida
que a rotação da Terra o deixava à vista. Depois que as observações foram
feitas, a equipe combinou os dados de cada telescópio – por meio de uma técnica
denominada interferometria de linha de base muito longa – e utilizou os dados
para gerar a imagem.
Gerar a imagem de Sagitário A* não foi tão simples quanto gerar a
imagem do buraco negro supermassivo da M87, observado durante a mesma
iniciativa. A cerca de 26 mil anos-luz de distância, Sagitário A* pode ser o
objeto mais massivo da galáxia, mas é bem pequeno para parâmetros de buracos
negros supermassivos – possui cerca de 1/1500 da massa do buraco negro central
da M87.
Se o buraco negro da M87, que possui 6,5 bilhões de vezes a massa do
nosso Sol, fosse colocado no centro do nosso Sistema Solar, ele destruiria uma
extensão de até 130 vezes a distância entre o Sol e a Terra; Sagitário A*, por
outro lado, nem alcançaria a órbita de Mercúrio.
Sagitário A* também é extremamente escurecido pela poeira e gás
existentes no centro da Via Láctea, e o ambiente local é incrivelmente instável
– rodopiante, turbulento, flamejante – o que dificulta combinar as observações
em uma única imagem. “Os corpos celestes no entorno de buracos negros menores
se deslocam mais rápido”, afirma Dimitrios Psaltis, astrofísico da Universidade
do Arizona. “Havia a preocupação de que o plasma circundante do buraco negro
não estabilizasse durante as oito horas de rotação da Terra e não nos
permitisse obter uma imagem.”
No fim, entretanto, Sagitário A* cooperou para que seu retrato fosse
possível.
Fosso no centro da galáxia
A nova imagem revela alguns detalhes importantes sobre o enorme ralo
gravitacional no centro de nossa galáxia, incluindo a direção de sua rotação, o
que sugere que o topo do buraco negro – ou o fundo, dependendo da sua
perspectiva – esteja direcionado quase diretamente para a Terra. Sua massa
também condiz com estimativas anteriores feitas a partir do estudo de estrelas
na órbita do buraco negro.
De certo modo, surpreendentemente, os dados ainda revelaram que esse
buraco negro supermassivo não parece lançar um jato de partículas para o
cosmos, característica relativamente comum de tais objetos, incluindo o buraco
negro da M87.
“A revelação suscitou um novo debate: será que Sagitário A* de fato
lança esse jato e é difícil observá-lo no ambiente complexo por ser tão pequeno
e tênue?”, indaga Markoff. “Com base nas observações, os modelos preveem que
haveria um jato.”
No que diz respeito a buracos negros supermassivos, Sagitário A* é o
objeto mais subalimentado que o Telescópio de Horizonte de Eventos pôde
observar. Em vez de devorar furiosamente tudo que se aproximar demais,
Sagitário A* está adormecido e se contenta com emissões de vento estelar
liberadas por estrelas próximas, roubando apenas o suficiente para formar um
anel visível. Ainda assim, diversas linhas de evidências sugerem que Sagitário
A* tenha sido muito mais ativo no passado.
“Sabe-se que buracos negros passam por ciclos de atividade. É possível
identificar diretamente esse comportamento ao observar buracos negros
supermassivos em aglomerados de galáxias”, explica Markoff. “As observações
indicam que eles explodem bolhas durante seus ciclos ativos no gás circundante,
o que parecem fazer a cada cem milhões de anos ou mais. Portanto, há um gatilho
para esse mecanismo.”
Essa irregularidade no comportamento de Sagitário A* deixou marcas em
moléculas no meio interestelar que sugerem que sua atividade varia – ao menos
moderadamente – em escalas de tempo de milênios, ou até mesmo séculos. E embora
os cientistas saibam que a atividade de um buraco negro varia em função da
quantidade de material consumido, não se sabe ao certo como é o funcionamento desse
processo.
Um dos métodos pelos quais os cientistas cientistas tentam desvendar o
turbilhão caótico que envolve Sagitário A* é por sua comparação com o Sol. O
Sol possui massa significativamente menor, mas sua turbulência borbulhante,
campos magnéticos distorcidos, explosões, erupções e gases borbulhantes podem
ajudar astrônomos a saber mais sobre as propriedades físicas em torno de
buracos negros supermassivos.
“Evidentemente, é um sistema mais extremo”, observa Markoff. “Mas é
incrível que os conhecimentos obtidos a partir das propriedades físicas do Sol
possam ser aplicados de diversas maneiras a buracos negros – e, aliás, foram
aproveitadas algumas das técnicas empregadas.”
Todos os formatos e dimensões
Os cientistas esperam que informações adicionais sobre a M87 e
Sagitário A* – suas semelhanças e diferenças – contribuam para uma compreensão
maior sobre um conjunto mais amplo de buracos negros. Se forem válidas as
mesmas teorias para objetos de dimensões tão distintas, os cientistas poderão
ter uma confiança maior de que essas teorias explicam com exatidão objetos que
não possam ser observados com tanta clareza.
“Nesse campo científico, é muito difícil obter confirmações. Não é
possível viajar até um buraco negro para observar. Mas foi quase algo assim que
pôde ser feito”, comenta Markoff.
Os dois buracos negros também permitirão que físicos testem a teoria da
relatividade geral de Albert Einstein de 1916. Os buracos negros são uma das
previsões dessa teoria – e um resultado do qual o próprio Einstein estava
cético. Contudo, além de alguns mistérios dentro do campo quântico, a
relatividade geral ainda não foi refutada até o momento, até mesmo em ambientes
astrofísicos extremos, nos quais os cientistas esperavam que a teoria não se
confirmasse.
“Dois objetos no universo que tenham uma diferença de massa de 1,5 mil
vezes parecem discrepantes – é algo como um planeta gigante e um pequeno
asteroide, ou uma galáxia grande e uma galáxia pequena, uma formiga e um
elefante, uma pedrinha e uma montanha”, ilustra Psaltis.
“Todas as teorias do mundo apresentam uma escala e, ao alterar a
escala, parecem se distinguir, à exceção da relatividade geral. É a única
teoria que não se aplica a uma escala. Do minúsculo ao colossal, o
comportamento é exatamente o mesmo.”
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