Em busca da matéria escura: como cientistas planejam resolver este mistério da cosmologia

A elusiva substância responsável por grande parte da gravidade do Universo até agora escapou das detecções. A solução para encontrá-la pode estar no céu noturno.

Detecções do Observatório de raios-X Chandra mostram a separação da matéria comum (rosa) e da maioria da massa (azul) em uma colisão de galáxias do Aglomerado Bala, uma evidência convincente da existência de matéria escura. Crédito: Chandra/Hubble/Magelan

A matéria escura é um dos maiores mistérios da ciência moderna, pesquisada principalmente entre o campo dos astrônomos e dos físicos. Para encontrá-la a física teórica Chanda Prescod-Weinstein, autora do artigo “Em busca da matéria escura” na edição de maio de 2022 da Scientific American Brasil, sugere uma abordagem que una as forças de ambos os campos.

Segundo a autora, toda a matéria observável que os instrumentos atuais conseguem apreender corresponde a cerca de 20% do Universo (e somente a 4%, se levarmos em conta a equivalência massa e energia): o resto deve ser populado por uma substância misteriosa, que contribui para a gravidade que observamos afetar os astros, mas não parece interagir de nenhuma forma com nossos detectores. Em outras palavras, é algo que sabemos que está lá, mesmo que não possamos vê-lo – uma matéria escura.

Apesar de já ter sido sugerida desde os anos 1920, a primeira evidência conclusiva da existência da matéria escura veio nos anos 1960. A responsável foi a astrônoma Vera C. Rubin – uma mentora para Prescod-Weinstein – que observou que as estrelas na periferia da galáxia estavam se movendo rápido demais, se levarmos em consideração apenas a gravidade da matéria comum (que compõe o Modelo Padrão e compõe estrelas, planetas e todos os elementos da tabela periódica).

A partir daí, Rubin e o astrônomo Kent Ford publicaram extensas pesquisas sobre a substância nos anos 1970, e, como afirma Prescod-Weinstein, “no início da década de 1980, os cientistas já concordavam sobre a matéria escura ser um problema da física”.

Tentativas de detecção da matéria escura

A separação dos campos abriu espaço para os físicos tentarem detectá-la em três categorias de experimentos. A detecção direta procura pela interação da matéria escura com a matéria comum dentro da força atômica fraca (uma das 4 forças fundamentais) ou de outras forças hipotéticas. A abordagem oposta é a usada nos colisores de partículas, como o LHD (Grande Colisor de Hádrons), na França e Suíça, que busca esmagar a matéria comum para tentar produzir matéria escura. E, a última delas é a detecção indireta, que procura por interações dessa substância consigo mesma, esperando gerar efeitos (como partículas ou colisões) detectáveis.

Ainda que nenhuma das categorias tenha encontrado o que a matéria escura é, elas ajudaram a diminuir as possibilidades do que a substância pode ser. Atualmente, o modelo mais aceito é o da “matéria escura fria”, que a associa a partículas se movendo a velocidades muito inferiores a velocidade da luz.

Dentro deste modelo, uma das linhas de explicação clássica são os WIMPs, ou partículas massivas que interagem fracamente, em inglês. Presumidamente, eles se formaram no Universo primitivo e podem interagir com a matéria comum através da força fraca. Um dos candidatos mais populares para a matéria escura estão na classe dos férmions, da qual também fazem parte elétrons e quarks.

Porém, com o passar dos anos e a ausência da sua presença nos experimentos, os cientistas passaram a favorecer outra explicação: áxions e partículas axionlike (semelhantes a áxions), muito mais leves que os WIMPs e que possuem propriedades quânticas diferentes. Notavelmente, alguns teóricos afirmam que elas poderiam formar condensados de Bose-Einstein, um estado da matéria em que todas as partículas agem de forma coletiva, como uma espécie de “superpartícula”, nas palavras de Prescod-Weinstein.

De partículas de matéria escura à estruturas galácticas

A parte mais intrigante dessa teoria é que, se a matéria escura escura realmente corresponder a essas partículas, poderia formar este condensado naturalmente, no espaço, em diferentes estruturas de acordo com seus parâmetros e propriedades quânticas. “A possibilidade de isso acontecer naturalmente no espaço é, na minha opinião, bastante excitante”, afirma a autora. Podem ser aglomerados semelhantes a asteroides, como defende ela, ou enormes halos ao redor de galáxias, em diferentes formatos, como defendem outros teóricos.

E o mais animador: se isso for verdadeiro, detectar a matéria escura pode ser uma questão de sondar o espaço e analisar o formato dessas estruturas – é aí que a astronomia se torna chave para os avanços da física de partículas. e o problema retorna para o campo no qual se originou, com as descobertas de Rubin.

Ainda sabemos pouco sobre essa substância, e as chances de simplesmente detectá-la no espaço são mínimas. Ainda assim, o recente aumento de relevância nas pesquisas de matéria escura abre espaço para uma união entre físicos e astrônomos em busca de solucionar esse mistério.

Com os achados da física, astrônomos podem vasculhar os céus por laboratórios já prontos, mais extremos do que qualquer um que possamos construir aqui na Terra – e talvez seja apenas nessas condições que a matéria escura se revele para nós. Como afirma Prescod-Weinstein, mesmo diante de tantos enormes desafios, “a boa notícia é que existe um Universo para se questionar e tentar entender a matéria escura é um grande passatempo”.

Interessado na incessante busca pela matéria escura? Então leia o artigo completo Prescod-Weinstein na edição de maio de 2022 da Scientific American Brasil, disponível nas versões impressa e digital para compra avulsa ou assinatura.

Fonte: sciam.com.br

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