Nossa visão do Universo está ultrapassada?
Princípio Cosmológico
Nossas
ideias sobre o Universo são baseadas em uma simplificação centenária conhecida
como Princípio Cosmológico. Esse princípio sugere que, quando calculado em grandes
escalas, o cosmos é homogêneo e a matéria é distribuída uniformemente por toda
parte.
Este
é um caso clássico de uma teoria científica que não morre, resistindo à
evolução das ideias. [Imagem: Cortesia www.grandunificationtheory.com]
Isso
permite uma descrição matemática do espaço-tempo que simplifica a aplicação da
Teoria Geral da Relatividade de Einstein ao Universo como um todo.
Nossos
modelos cosmológicos são baseados nessa suposição. Mas, à medida que novos
telescópios, tanto na Terra quanto no espaço, fornecem imagens cada vez mais
precisas, e os astrônomos descobrem objetos massivos, como o arco gigante de
quasares, essa base é cada vez mais contestada.
Em
nossa recente revisão, publicada na [revista científica] Classical and Quantum
Gravity, nós discutimos como essas novas descobertas nos forçam a reexaminar
radicalmente nossas suposições e mudar nossa compreensão do Universo.
O erro de Einstein
Albert
Einstein enfrentou dilemas enormes 106 anos atrás, quando ele aplicou pela
primeira vez suas equações da força da gravidade ao Universo como um todo.
Nenhum físico jamais havia tentado algo tão ousado, mas foi uma consequência
natural da sua ideia-chave. Como nos lembra um livro-texto de 50 anos: "A
matéria diz ao espaço como se curvar, e o espaço diz à matéria como se
mover."
Os
dados eram quase completamente inexistentes em 1917 e a ideia de que as
galáxias eram objetos a grandes distâncias era uma visão minoritária entre os
astrônomos.
O
ponto de vista convencional, aceito por Einstein, era que todo o Universo se
parecia com o interior da nossa galáxia. Isso sugeria que as estrelas deviam
ser tratadas como fluidos sem pressão, distribuídos aleatoriamente, mas com uma
densidade média bem definida - a mesma, ou homogênea, em qualquer lugar do
espaço.
Com
base nessa ideia de que o Universo é o mesmo em todos os lugares, Einstein
introduziu sua constante cosmológica, simbolizada pela letra grega lâmbda (λ),
hoje conhecida como "energia escura".
Em
pequenas escalas, as equações de Einstein nos dizem que o espaço nunca fica
parado. Mas forçar isso sobre o Universo em grande escala não era natural.
Einstein ficou, portanto, aliviado com a descoberta da expansão do Universo no
final da década de 1920. Ele ainda descreveu λ como seu maior erro.
A matéria perdida do Universo é uma espécie de santo graal da cosmologia.[Imagem: ICRAR]
Uniformidade ancestral versus uniformidade atual
Nós
agora temos modelos incrivelmente detalhados da física das estrelas e galáxias
embutidas no Universo em evolução. Nós podemos rastrear a astrofísica de
"coisas" desde pequenas ondulações-semente na bola de fogo
primordial, até as estruturas complexas atuais.
Nossos
telescópios são maravilhosas máquinas do tempo: Eles olham para trás até quando
os primeiros átomos se formaram e o Universo se tornou transparente pela
primeira vez.
Além
está o plasma primordial, opaco como o interior e a superfície do Sol. A luz
que deixou a "superfície da última dispersão" do Universo era muito
quente naquela época, cerca de 2.700 ºC.
Nós
recebemos a mesma luz hoje, mas resfriada a menos 270 ºC e diluída pela expansão
do Universo. Esta é a radiação cósmica de fundo e é notavelmente uniforme em
todas as direções.
Esta
é uma forte evidência de que o Universo estava muito próximo da uniformidade
espacial quando era uma bola de fogo. Mas não há evidência direta de tal
uniformidade hoje.
A taxa de expansão do Universo varia conforme o método usado para medi-la. [Imagem: ACT Collaboration]
Um Universo granuloso
Olhando
muito para atrás no tempo, nossos telescópios revelam pequenas galáxias se
fundindo, crescendo em estruturas cada vez maiores até os dias atuais.
A
expansão do Universo foi interrompida inteiramente dentro das maiores
concentrações de matéria, conhecidas como aglomerados de galáxias. Onde o
espaço está se expandindo, os aglomerados são esticados em filamentos e folhas
que enredam e cercam vastos vazios, todos crescendo com o tempo, mas em taxas
diferentes. Em vez de ser regular, a matéria forma uma "teia
cósmica".
Mas a ideia de que o Universo é espacialmente homogêneo
perdura.
Haveria
uma inconsistência grosseira entre a teia cósmica observada e uma geometria
curva média do espaço se tudo o que vemos fosse tudo o que existisse.
Evidências de falta de matéria existem desde as primeiras observações dos aglomerados
de galáxias, em 1933.
Nossas
primeiras observações da radiação cósmica de fundo em micro-ondas e suas
ondulações na década de 1965 mudaram essa ideia.
Nossos
modelos de física nuclear são maravilhosamente preditivos. Mas eles só são
consistentes com as observações se a massa que falta nos aglomerados de
galáxias for algo como os neutrinos, que não podem emitir luz. Assim, nós
inventamos a "matéria escura fria" [CDM (Cold Dark Matter) é um dos
modelos mais aceitos hoje pela Física], que torna a gravidade mais forte dentro
dos aglomerados de galáxias.
Bilhões
de dólares foram gastos tentando detectar diretamente a matéria escura, mas
décadas de tais esforços não produziram uma detecção definitiva do que compõe
80% de toda a matéria e 20% de toda a energia do Universo hoje.
O mais recente questionamento das teorias cosmológicas foi trazido pelo telescópio Webb, que lançou novas dúvidas sobre o modelo do Big Bang. [Imagem: Mike Boylan-Kolchin/University of Texas at Austin]
Um céu anômalo
A
radiação cósmica de fundo em micro-ondas não é perfeitamente uniforme.
Sobrepostas a ela estão as flutuações, uma das quais é anormalmente grande e
tem a forma de um dipolo: Um diagrama yin-yang cobrindo todo o céu.
Nós
podemos interpretar isso como um efeito devido ao movimento relativo, desde que
definamos a radiação cósmica de fundo em micro-ondas como o referencial de
repouso do Universo. Se não fizéssemos isso, precisaríamos de uma explicação
física para o grande dipolo.
A
maior parte do quebra-cabeça se resume a uma assimetria de força - um Universo
desequilibrado [assimétrico]. As temperaturas dos hemisférios acima e abaixo do
plano da Via Láctea são ligeiramente diferentes das expectativas.
Essas
anomalias há muito são explicadas como resultado de processos físicos não
contabilizados na modelagem de emissões de micro-ondas da Via Láctea.
O telescópio Euclides poderá mostrar que o Universo não é euclidiano. [Imagem: ESA/Euclides/NASA-ESA-S. Beckwith (STScI)-HUDF]
Matéria dentro do céu
A
radiação cósmica de fundo em micro-ondas não é a única observação de todo o céu
a mostrar um dipolo. No ano passado, pesquisadores usaram observações de 1,36
milhão de quasares distantes e 1,7 milhão de fontes de rádio para testar o
princípio cosmológico. Eles descobriram que a matéria também é distribuída de
forma desigual.
Outro
mistério ainda mais amplamente discutido é a "tensão de Hubble".
Convencionalmente, nós assumimos que uma média de todo o céu da atual taxa de
expansão do Universo fornece um valor bem definido: a constante de Hubble. Mas
o valor medido difere do esperado, dado um histórico de expansão padrão baseado
na radiação cósmica de fundo em micro-ondas. Se permitíssemos cosmologias não
homogêneas, esse problema poderia simplesmente desaparecer.
Usando
dados cósmicos de fundo de microondas dos hemisférios opostos individuais, um
histórico de expansão padrão implica diferentes "constantes" de
Hubble em cada lado do céu hoje.
Esses
quebra-cabeças são compostos por uma lista cada vez maior de descobertas
inesperadas: Um vasto arco gigante de quasares e um Universo inicial complexo,
brilhante e repleto de elementos, revelado pelo Telescópio Espacial James Webb.
Se a matéria é muito mais variada e interessante do que o
esperado, talvez a geometria do Universo também seja.
Já
existem modelos que abandonam o princípio cosmológico e fazem previsões. Eles
são simplesmente menos estudados do que a cosmologia padrão. Será que o observatório
Euclides, da Agência Espacial Europeia, [irá] revelar que, em média, o espaço
não é euclidiano? Se assim for, então uma revolução fundamental na física pode
estar logo ali na esquina.
Fonte: Inovação Tecnológica
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