Poeira de estrelas, não: Somos filhos do espaço profundo
Filhos do espaço profundo
O astrofísico Carl Sagan gostava
muito da frase "Somos feitos de poeira de estrelas", que já era
falada bem antes dele, referindo-se ao fato de que os elementos químicos foram
e são formados nessas fornalhas cósmicas e em suas explosões.
As duas descobertas - uma em laboratório e outra no espaço (na região mostrada nesta imagem) - contam com a participação de cientistas brasileiros. [Imagem: NASA/ESA/CSA/W. Rocha (Leiden University)]
Mas talvez haja uma verdade mais
precisa nessa expressão. Quando se trata de estudar a vida, os cientistas
trabalham tipicamente com a origem da vida aqui na Terra, mas a origem da vida
fora da Terra é uma hipótese que não pode ser descartada.
Menos ainda o é a possibilidade
de que os blocos fundamentais, que mais tarde viriam se juntar para formar os
primeiros seres vivos, tenham-se originado no espaço.
Dando suporte a essa linha de
pesquisas, uma equipe internacional, com participação de dois cientistas
brasileiros, acaba de descobrir como algumas moléculas cruciais para a vida
podem se formar no espaço, o que poderá reforçar a linha de pesquisa que associa
a origem da vida na Terra a corpos vindos do espaço, como cometas e asteroides
- essa hipótese é conhecida como panspermia.
Enquanto isso, outra equipe usou
o telescópio James Webb para flagrar diretamente no espaço moléculas orgânicas
complexas, como o nosso conhecido etanol.
Moléculas aromáticas
As moléculas aromáticas formaram-se em diferentes condições espaciais, incluindo a lua Titã. [Imagem: Zhenghai Yang et al. - 10.1038/s41550-024-02267-y]
Substâncias conhecidas como
moléculas aromáticas portadoras de nitrogênio são importantes em muitas áreas
da química e da biologia. Moléculas aromáticas são encontradas em biomoléculas
importantes, como aminoácidos, ácidos nucleicos (DNA e RNA) e vitaminas. Elas
também servem como blocos de construção para uma ampla gama de compostos
químicos, incluindo produtos farmacêuticos, corantes, plásticos e produtos
naturais.
Usando feixes moleculares, a
primeira equipe recriou em laboratório as condições observadas na Nuvem
Molecular de Touro, uma região densa de gás e poeira interestelar localizada na
constelação de Touro, onde novas estrelas estão se formando ativamente, e da
atmosfera de Titã, a maior lua de Saturno, que tem similaridades com as
condições da Terra primordial devido à sua composição rica em nitrogênio e à
presença de metano.
Os experimentos mostraram a
emergência de unidades estruturais fundamentais de moléculas aromáticas,
oferecendo novos caminhos para a compreensão de como os blocos de construção do
DNA e do RNA podem ter-se formado no espaço. Esta é uma conclusão de longo
alcance, já que nos diz que os ingredientes da vida podem ter-se originado - e
continuam se formando - por toda a galáxia.
"O estudo sugere que
moléculas aromáticas contendo nitrogênio - piridina, piridinil e (iso)quinolina
- podem ter sido sintetizadas em ambientes que os cientistas estão realmente
aprimorando devido às suas similaridades com a Terra", disse o professor
Ralf Kaiser, da Universidade do Havaí em Manoa.
"Compreender como essas moléculas se
formam é vital para desvendar os mistérios das origens da vida. Descobertas
como esta podem ter implicações futuras, inclusive para aplicações práticas não
apenas em biotecnologia e biologia sintética, mas também em ciências da
combustão."
A pesquisa contou com a
participação dos professores Paulo Velloso, Márcio Alves e Breno Galvão, do
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), em Belo
Horizonte.
Este gráfico mostra o espectro de uma das duas protoestrelas, IRAS 2A. Inclui as impressões digitais de acetaldeído, etanol, metilformato e provavelmente ácido acético, na fase sólida. Estas e outras moléculas detectadas representam ingredientes-chave para criar mundos potencialmente habitáveis. [Imagem: NASA/ESA/CSA/Leah Hustak (STScI)]
Moléculas orgânicas
complexas
Outro brasileiro, Will Rocha,
atualmente da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, liderou outra equipe
que fez outra descoberta igualmente marcante, mas desta vez em termos de
observações diretas no espaço.
Usando o telescópio espacial
James Webb, a equipe detectou a assinatura química inequívoca de pelo menos
três moléculas orgânicas complexas: Etanol, álcool etílico e metanoato de
metila. Os compostos foram localizados nas estrelas IRAS 2A e IRAS 23385, a
primeira a 975 anos-luz da Terra e a segunda a 16 mil anos-luz. As condições de
ambas podem ser comparadas aos primórdios do nosso Sistema Solar.
O etanol (CH3CH2OH) é o mesmo
usado como combustível, além de ser o álcool etílico presente em bebidas como
cerveja, vinho e outras. O acetaldeído (CH3CHO) é formado no corpo humano pela
quebra do etanol, sendo um dos agentes responsáveis pela sensação de ressaca. O
metanoato de metila (CH3OCHO) é usado como solvente do acetato de celulose e
inseticida.
"Esta descoberta contribui
para uma das questões mais antigas da astroquímica," disse Will Rocha.
"Qual é a origem das moléculas orgânicas complexas, ou COMs [Complex
Organic Molecules], no espaço? Elas são formadas na fase gasosa ou em gelos? A
detecção de COMs em gelos sugere que as reações químicas em fase sólida nas
superfícies dos grãos de poeira fria podem construir tipos complexos de
moléculas."
Já havia indícios experimentais
em laboratório da possibilidade de formação dessas moléculas orgânicas
complexas no espaço, mas esta é a primeira prova observacional de sua
ocorrência. O fato de estarem em fase sólida - inseridas em gelos no frio do
espaço - mostra que sua chance de sobrevivência é muito maior do que se
estivessem na forma de gases. Assim, ao menos teoricamente, existe a
possibilidade de que elas venham a fazer parte de corpos celestes que caem em
planetas, eventualmente servindo como blocos de construção para o surgimento de
vida.
Inovação Tecnológica
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