Missão Magellan revela possível atividade tectónica em Vénus
De acordo com uma nova investigação baseada em dados recolhidos há mais de 30 anos pela missão Magellan da NASA, vastas características quase circulares na superfície de Vénus podem revelar que o planeta tem tectónica em curso.
Na Terra, a superfície do planeta é continuamente renovada pela constante deslocação e reciclagem de secções massivas da crosta, chamadas placas tectónicas, que flutuam sobre um interior viscoso. Vénus não tem placas tectónicas, mas a sua superfície continua a ser deformada por material fundido vindo do interior.
Uma nova investigação sugere que vastas características da superfície de Vénus, chamadas coroas, continuam a ser moldadas por processos tectónicos. As observações destas características feitas pela missão Magellan da NASA incluem, no sentido dos ponteiros do relógio a partir do canto superior esquerdo, as coroas de Artémis, de Quetzalpetlatl, de Bahet e de Fotla. Crédito: NASA/JPL-Caltech
Procurando compreender melhor os
processos subjacentes que conduzem a estas deformações, os investigadores
estudaram um tipo de característica chamada coroa. Com dimensões que variam
entre dezenas e centenas de quilómetros de diâmetro, pensa-se que uma coroa
seja o local onde uma pluma de material quente e flutuante do manto do planeta
se eleva, empurrando contra a litosfera acima (a litosfera inclui a crosta do
planeta e a parte superior do seu manto). Estas estruturas são geralmente
ovais, com um sistema concêntrico de fraturas à sua volta. Sabe-se da
existência de centenas de coroas em Vénus.
Publicado na revista Science
Advances, o novo estudo detalha sinais recém-descobertos de atividade na ou sob
a superfície que dá forma a muitas das coroas de Vénus, características que
podem também fornecer uma janela única para o passado da Terra. Os investigadores
encontraram os indícios desta atividade tectónica nos dados da missão Magellan
da NASA, que orbitou Vénus na década de 1990 e recolheu os dados mais
detalhados sobre a gravidade e a topografia do planeta atualmente disponíveis.
"As coroas não se encontram
na Terra hoje em dia; no entanto, podem ter existido quando o nosso planeta era
jovem e antes das placas tectónicas terem sido estabelecidas", disse o
autor principal do estudo, Gael Cascioli, investigador assistente da
Universidade de Maryland, Baltimore County, e do Centro de Voo Espacial Goddard
da NASA em Greenbelt, Maryland, EUA. "Ao combinar dados gravitacionais e
topográficos, esta investigação forneceu uma nova e importante visão sobre os
possíveis processos subsuperficiais que atualmente moldam a superfície de
Vénus".
Esta ilustração da grande coroa de Quetzalpetlatl, localizada no hemisfério sul de Vénus, mostra vulcanismo ativo e uma zona de subducção, onde a crosta em primeiro plano mergulha no interior do planeta. Um novo estudo sugere que as coroas são locais de vários tipos de atividade tectónica. Crédito: NASA/JPL-Caltech/Peter Rubin
Como membros da futura missão
VERITAS (Venus Emissivity, Radio science, InSAR, Topography, and Spectroscopy)
da NASA, Cascioli e a sua equipa estão particularmente interessados nos dados
de gravidade de alta resolução que a nave espacial irá fornecer. O coautor do
estudo, Erwan Mazarico, também de Goddard, será o colíder da experiência de
gravidade VERITAS quando a missão for lançada em 2031.
Coroas misteriosas
Gerida pelo JPL da NASA, no sul
da Califórnia, a Magellan utilizou o seu sistema de radar para ver através da
espessa atmosfera de Vénus e mapear a topografia das suas montanhas e
planícies. Das características geológicas que a nave espacial cartografou, as
coroas eram talvez as mais enigmáticas: não se sabia ao certo como se tinham
formado. Nos anos que se seguiram, os cientistas encontraram muitas coroas em
locais onde a litosfera do planeta é fina e o fluxo de calor é elevado.
"As coroas são abundantes em
Vénus. São características muito grandes e as pessoas têm proposto diferentes
teorias ao longo dos anos sobre como se formaram", disse a coautora Anna
Gülcher, cientista planetária e da Terra da Universidade de Berna, na Suíça.
"O mais excitante para o nosso estudo é que podemos agora dizer que
existem muito provavelmente vários processos ativos em curso que levaram à sua
formação. Acreditamos que estes mesmos processos podem ter ocorrido no início
da história da Terra".
Os investigadores desenvolveram
sofisticados modelos geodinâmicos em 3D que demonstram vários cenários de
formação de coroas induzidas por plumas e compararam-nos com os dados
combinados de gravidade e topografia da Magellan. Os dados de gravidade revelaram-se
cruciais para ajudar os investigadores a detetar plumas menos densas, quentes e
flutuantes sob a superfície - informação que não podia ser discernida apenas a
partir dos dados de topografia. Das 75 coroas estudadas, 52 parecem ter
material flutuante do manto por baixo delas, que provavelmente está a conduzir
processos tectónicos.
Um processo chave é a subducção:
na Terra, ocorre quando a orla de uma placa tectónica é empurrada para baixo da
placa adjacente. A fricção entre as placas pode gerar sismos e, à medida que o
material rochoso antigo mergulha no manto quente, a rocha derrete e é reciclada
de volta à superfície através de fontes vulcânicas.
Estas ilustrações representam vários tipos de atividade tectónica que se pensa persistir sob as coroas de Vénus. Em cima, estão representados o gotejamento litosférico e a subducção; em baixo, dois cenários em que o material quente da pluma sobe e empurra a litosfera, potencialmente levando a vulcanismo acima dela. Crédito: Anna Gülcher
Em Vénus, pensa-se que ocorre um
tipo diferente de subducção em torno do perímetro de algumas coroas. Neste
cenário, à medida que uma pluma flutuante de rocha quente no manto empurra para
cima até à litosfera, o material da superfície sobe e espalha-se para fora,
colidindo com o material da superfície circundante e empurrando esse material
para baixo, para o manto.
Outro processo tectónico
conhecido como gotejamento litosférico pode também estar presente, onde
acumulações densas de material comparativamente frio se afundam da litosfera
para o manto quente. Os investigadores também identificaram vários locais onde
pode estar a ocorrer um terceiro processo: uma pluma de rocha derretida por
baixo de uma parte mais espessa da litosfera pode, potencialmente, conduzir o
vulcanismo por cima dela.
Decifrando Vénus
Este trabalho marca o mais
recente caso em que os cientistas voltam aos dados da Magellan para descobrir
que Vénus exibe processos geológicos que são mais semelhantes aos da Terra do
que se pensava inicialmente. Recentemente, os investigadores foram capazes de
detetar vulcões em erupção, incluindo vastos fluxos de lava que saíram de Maat
Mons, Sif Mons e Eistla Regio em imagens de radar do orbitador.
Embora essas imagens forneçam
evidências diretas da ação vulcânica, os autores do novo estudo necessitarão de
uma resolução mais nítida para traçar um quadro completo dos processos
tectónicos que levam à formação das coroas. "Os mapas gravitacionais de
Vénus pela VERITAS aumentarão a resolução em pelo menos um fator de dois a
quatro, dependendo da localização - um nível de detalhe que poderá revolucionar
a nossa compreensão da geologia de Vénus e as implicações para a Terra
primitiva", disse a coautora do estudo Suzanne Smrekar, cientista
planetária do JPL e investigadora principal da VERITAS.
Gerida pelo JPL, a VERITAS
utilizará um radar de abertura sintética para criar mapas globais em 3D e um
espetrómetro no infravermelho próximo para descobrir de que é feita a
superfície de Vénus. Usando o seu sistema de rastreio de rádio, a nave espacial
também medirá o campo gravitacional do planeta para determinar a estrutura do
interior de Vénus. Todos estes instrumentos ajudarão a identificar áreas de
atividade na superfície.
Astronomia OnLine



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