Mercúrio pode ter sido formado pela colisão de dois protoplanetas
Como Mercúrio se formou?
A formação do planeta Mercúrio
ainda é um problema não resolvido: O planeta mais próximo do Sol possui um
núcleo metálico desproporcionalmente grande, com cerca de 70% de sua massa, e
um manto rochoso relativamente pequeno.
Instantâneos da colisão
capturados na simulação computadorizada. [Imagem: Patrick Franco et al. -
10.1038/s41550-025-02582-y]
A explicação mais aceita até
agora era a de que Mercúrio teria perdido boa parte de sua crosta e manto após
uma colisão catastrófica com um corpo celeste de grande porte. Mas simulações
dinâmicas mostram que esse tipo de impacto, envolvendo corpos de massas muito
diferentes, é extremamente raro.
Por isso, astrônomos estão
propondo uma explicação alternativa, com base em um tipo de evento bem mais
comum no início do Sistema Solar: A colisão entre corpos celestes de massas
semelhantes.
"Por meio de simulação,
mostramos que a formação de Mercúrio não exige colisões excepcionais. Um
impacto rasante entre dois protoplanetas de massas semelhantes pode explicar
sua composição. Este é um cenário muito mais plausível do ponto de vista estatístico
e dinâmico," explica Patrick Franco, do Observatório Nacional.
Um impacto rasante é um tipo de
colisão entre corpos celestes que ocorre com um ângulo muito baixo (menos de 20
graus) em relação à superfície do objeto atingido, com um quase raspando o
outro, ao invés de uma colisão frontal.
"Nosso trabalho parte da
constatação, feita em simulações anteriores, de que colisões entre corpos muito
desiguais são eventos extremamente raros. Já colisões entre objetos de massas
semelhantes são mais comuns e o objetivo do estudo foi justamente verificar se
essas colisões seriam capazes de produzir um planeta com as características
observadas em Mercúrio," acrescentou o pesquisador.
Resumo dos resultados da simulação para a configuração com uma relação núcleo-massa alvo de 0,5. [Imagem: Patrick Franco et al. - 10.1038/s41550-025-02582-y]
Hidrodinâmica de
partículas suavizadas
Essa possível colisão teria
ocorrido em uma fase relativamente tardia na formação do Sistema Solar, quando
corpos rochosos, de tamanhos semelhantes, disputavam espaço nas regiões
internas, mais próximas do Sol. "Eram objetos em evolução, dentro de um
berçário de embriões planetários, interagindo gravitacionalmente, perturbando
as órbitas uns dos outros, e inclusive colidindo, até que restassem apenas as
configurações orbitais bem definidas e estáveis que conhecemos hoje,"
descreve Patrick.
Para recriar esse cenário
hipotético, os pesquisadores utilizaram um método numérico computacional
chamado de "hidrodinâmica de partículas suavizadas", que possibilita
simular gases, líquidos e materiais sólidos em movimento, especialmente em contextos
nos quais ocorrem grandes deformações, colisões ou fragmentações.
Esse método, amplamente utilizado
tanto em cosmologia, astrofísica e dinâmica planetária, quanto em engenharia e
computação gráfica, emprega como recurso matemático a função lagrangiana
(Joseph Louis Lagrange, 1736-1813), que descreve a evolução de um sistema
considerando como cada ponto ou partícula constituinte se move individualmente
no espaço ao longo do tempo. Em contraste com o formalismo euleriano (Leonhard
Paul Euler, 1707-1783), que observa o que acontece em pontos fixos do espaço, a
função lagrangiana segue, por assim dizer, o "ponto de vista" da
partícula em movimento.
O modelo resultante consegue
explicar com grande precisão por que Mercúrio apresenta baixa massa total,
apesar de ter um núcleo metálico grande, e por que retém apenas uma fina camada
de material rochoso.
"Por meio de simulações
detalhadas em hidrodinâmica de partículas suavizadas, verificamos que é
possível reproduzir com alta precisão tanto a massa total de Mercúrio quanto
sua incomum razão entre metal e silicato. A margem de erro do modelo ficou abaixo
de 5%," contou Patrick. "A colisão teria arrancado até 60% do manto
original [de Mercúrio], o que explicaria sua metalicidade exacerbada."
A sonda espacial BepiColombro é uma missão conjunta europeia e japonesa para estudar a composição, geofísica, atmosfera, magnetosfera e a história de Mercúrio. [Imagem: ESA/ATG/JAXA]
Onde estão os destroços?
O novo modelo também evita uma
limitação dos anteriores. "Nesses cenários, o material arrancado durante a
colisão é reincorporado pelo próprio planeta. Se assim fosse, Mercúrio não
exibiria sua atual desproporção entre núcleo e manto. Mas, no modelo que
estamos propondo, dependendo das condições iniciais, parte do material
arrancado pode ser ejetada e não retornar mais, o que preserva a desproporção
entre núcleo e manto," argumenta Patrick.
Nesse caso, a questão óbvia que
se coloca é saber para onde foi o material ejetado. "Caso o impacto tenha
ocorrido em órbitas próximas, uma possibilidade é que esse material tenha sido
incorporado por outro planeta em formação, talvez Vênus. É uma hipótese que
ainda precisa ser investigada com mais profundidade," disse o pesquisador.
Segundo Patrick, o modelo
proposto pode ser estendido para investigar a formação de outros planetas
rochosos e contribuir para o entendimento dos processos de diferenciação e
perda de material nos primórdios do Sistema Solar. As próximas etapas da pesquisa
devem incluir comparações com dados geoquímicos de meteoritos e amostras de
missões espaciais, como a sonda espacial BepiColombo, que irá estudar Mercúrio
a partir do ano que vem.
"Mercúrio continua sendo o
planeta menos explorado do nosso sistema. Mas isso está mudando. Há uma nova
geração de pesquisas e missões em curso, e muita coisa interessante ainda vai
surgir," opinou Patrick.
Inovação Tecnológica



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